Quadrilhas invadem fazendas, armazéns e assaltam caminhoneiros nas estradas. O roubo de cargas cresce no Brasil, levando prejuízo ao agronegócio
Atenção pessoal! Acabaram de assaltar minha fazenda, a Alto Jaborandi, no município de Jaborandi (BA). Saíram da fazenda agora, às quatro horas. Levaram agroquímicos e duas Triton L-200, uma prata e outra branca. Renderam os guardas e todos os funcionários, mais de 50. Eram muitos ladrões e bem armados. Carregaram tudo em dois caminhões. Estamos apurando a relação dos produtos roubados. Agradecemos qualquer informação.
” O alerta, com o pedido de ajuda, foi enviado na manhã do dia 12 de janeiro pelo produtor de soja e milho José Fava Neto, através de suas redes sociais para o grupo de amigos e de vizinhos à sua propriedade. O terror provocado pela quadrilha de 15 bandidos, que levaram da propriedade bens avaliados em cerca de R$ 1 milhão, aconteceu pela décima vez na propriedade dele nos últimos cinco anos. “É raríssimo encontrar um agricultor que não tenha sido roubado”, diz Fava Neto. Mas esse tipo de agressão às propriedades rurais não ocorre apenas na Bahia. Roubos e assaltos que atingem o agronegócio têm aumentado e se tornado uma prática generalizada em todo o País. Em Goiás, o produtor Volneimar Lacerda, proprietário das fazendas Buriti e Córrego Bonito, localizadas no município de Buriti Alegre, sofreu quatro assaltos nos últimos três anos. Lacerda cultiva soja na primeira safra, e milho, girassol e sorgo na segunda safra, em uma área de 2,2 mil hectares. “Em 2016, levaram um equipamento de GPS avaliado em R$ 30 mil”, afirma ele. “No mesmo ano, foram mais dois tratores. Nesse caso, o prejuízo foi de R$ 100 mil porque um deles tinha seguro.” O mais recente assalto ocorreu em outubro, quando foram furtadas 82 toneladas de fertilizantes avaliadas em R$ 150 mil. Os casos se sucedem com uma velocidade de cruzeiro. No município de Joviânia, até o prefeito, Max William, que também é produtor rural, já teve suas quatro fazendas assaltadas oito vezes, desde 2015. Em 2,6 mil hectares, William produz soja, milho, feijão, girassol, sorgo e tomate. “No total, as quadrilhas levaram um trator, um equipamento de GPS, um caminhão que transportava 22 cabeças de gado bovino, 52 toneladas de fertilizantes, defensivos agrícolas, sementes, transformadores e cabos de pivôs”, diz William. Mas, o mais avassalador é que nessa guerra a violência física também tem feito parte do jogo sujo e desigual. No mês passado, uma produtora rural do município de Pirancajuba (GO) foi violentada por três bandidos, após ter sua fazenda invadida e roubada.
Em todo o Estado de Goiás, a conta é bem pesada. No ano passado, foram registradas 5,8 mil ocorrências no campo, número 93,7% acima de 2011, ano em que a secretaria de Segurança Pública do Estado começou a fornecer os dados. Mas para todo o País faltam estatísticas dessa violência. Somente Goiás possui um refinamento quantitativo das ocorrências policiais. Por isso, em fevereiro do ano passado, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), criou o Observatório da Criminalidade no Campo. O plano é traçar um mapa da violência e propor medidas de combate. Para isso, a CNA depende da participação mais ativa dos produtores e apela que eles informem sobre roubos em um formulário no site da entidade (cnabrasil.org.br).
INSEGURANÇAS: uma das dificuldades no campo é firmar parcerias com as patrulhas rurais, em geral com equipes pequenas para atender a grande quantidade de propriedades agrícolas
Para Bartolomeu Braz, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Goiás (Aprosoja-GO), as quadrilhas estão cada vez mais especializadas, muitas delas agindo na calada da noite. Para movimentar cargas muito pesadas, por exemplo, os grupos de criminosos utilizam até caminhões com guindastes. “Precisamos de uma ação mais efetiva para inibir as quadrilhas”, diz Braz. “O poder público precisa fazer o seu papel”. O executivo, que é agricultor, também já teve sua propriedade assaltada. No caso dos goianos, uma medida paliativa tem sido a parceria dos sindicatos com a polícia, para mapear as áreas rurais mais perigosas. “O problema está nas regiões onde a patrulha rural trabalha em um raio de 100 quilômetros, quando o ideal seriam 20 quilômetros”, afirma Braz. Outra saída encontrada pelos produtores tem sido juntar forças em projetos coletivos, como ocorre no município de Joviânia. “Para evitar o roubo reunimos produtores e alugamos ou construímos armazéns na cidade, onde há mais policiamento do que na zona rural, além de termos segurança contratada, diz William, o prefeito. “E dividimos o custo.”
Mas isso é exceção em todo o País. O que tem ocorrido com uma frequência cada vez maior é a recusa do produtor em armazenar os insumos. E aí surge a segunda face dessa tragédia: os roubos de cargas nas estradas. Para Gerhard Bohne, diretor de operações da alemã Bayer Crop Science Brasil, a segurança está ficando nas mãos da indústria. “Por causa da possibilidade de assalto, o agricultor não quer o produto na fazenda e nem o distribuidor quer guardar em armazéns”, afirma Bohne. “Nosso grande desafio tem sido levar os produtos aos distribuidores e produtores em tempo hábil, para que ele seja aplicado instantaneamente na lavoura.” Levando em conta as longas distâncias entre as fábricas e as fazendas, em estradas mal conservadas na maior parte do trajeto, estão dadas as condições para roubos e assaltos em escala gigantesca. Joy Rodrigues, gerente de Segurança de Produtos da Bayer, diz que a contratação de escolta e seguro é uma necessidade que onera toda a cadeia produtiva. “No País, o atual prejuízo com roubos de carga é da ordem de R$ 1,5 bilhão ao ano”, afirma Rodrigues. “Está aí parte do aumento de preços dos insumos.” De acordo com dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), em todo o País, os roubos de cargas cresceram 86% entre 2011 e 2016. Nesse período, 97,8 mil ocorrências geram perdas de R$ 6,1 bilhões ao País. Não há uma estatística para o setor, mas grande parte desses roubos é de produtos do campo.
Um levantamento da Joint Cargo Committee, comissão do setor de cargas do Reino Unido, coloca o Brasil na oitava posição entre os mais perigosos países para o transporte de cargas, junto com nações em guerra ou conflitos civis, como o Iraque e a Somália. Em Estados como o Rio de Janeiro, para toda carga trafegada, seja de alimentos ou outro produto, as transportadoras cobram uma taxa extra de 1% de seu valor, ou R$ 15 por cada 100 quilos de produtos.
TECNOLOGIAS
Para ajudar a sair do caos, a mais recente esperança de um controle efetivo de cargas têm vindo das soluções digitais. A utilização de aplicativos, onde o caminhoneiro descreve ou fotografa as ocorrências no trajeto, é uma ferramenta de mapeamento de percursos e planejamento de rotas. Para Angela Gheller, diretora de Sistemas de Logística da Totvs, uma central de monitoramento pode receber informações em tempo real e planejar rotas menos perigosas para um veículo. “As transportadoras podem compartilhar os dados com os caminhoneiros, prevenindo os roubos.”
Outra ferramenta são as iscas eletrônicas. Hoje, após um roubo de carga, os criminosos têm utilizado uma tecnologia chamada jammers, que bloqueia o sinal de celular ou de GPS, evitando a ação imediata da polícia. Gustavo Ladeira, CEO da Pointer Cielo do Brasil, empresa de gerenciamento de logística e segurança, criada após a israelense Pointer comprar a brasileira Cielo Telecom no ano passado, diz que a isca eletrônica é uma tecnologia que evita a perda de sinal da carga, através da comunicação por radiofrequência com uma central de monitoramento. “A isca eletrônica é uma solução de baixo custo no Brasil”, diz Ladeira. “O preço médio, por isca, é de R$ 400.” De acordo com o executivo, a isca eletrônica, que vai dentro da embalagem de um produto transportado, deve evoluir para outras tecnologias que não usam radiofrequência. “Uma das possibilidades são sensores conectados por bluetooth”, afirma Ladeira.
Os drones também tem sido testados na recuperação de cargas roubadas, devido à sua fácil mobilidade e a dificuldade em serem identificados. Davi Saadia, presidente da brasileira Golden Distribuidora, que no ano passado começou a vender drones da chinesa DJI, diz que é possível vôos sem que o criminoso perceba o aparelho. “Emprestamos dois drones para a polícia rodoviária de Santa Catarina desmembrar uma quadrilha. Ela foi presa e a carga recuperada”, diz Saadia. “O drone pode estar a 50 metros de altura, utilizando câmeras com zoom.”
Mas nem toda solução está na tecnologia. Os políticos também precisam fazer a sua parte, e rapidamente. Para isso, já há instrumentos. Por pressão da bancada ruralista e de entidades do setor, estão em tramitação projetos de lei (PLs) que, se aprovados, podem trazer mais segurança ao produtor, responsabilidade às seguradoras e punição aos criminosos. O PL 2.079, de 2015, por exemplo, propõe incluir roubo, furto, receptação e contrabando de defensivos agrícolas no rol de crimes hediondos.
Para Eleus Vieira de Amorim, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas no Estado de Mato Grosso, a penalidade para quem recebe carga roubada precisa ser colocada no foco. “Nesse PL, o ponto mais importante é que os envolvidos no crime terão pesadas punições”, diz Amorim. “No caso de uma empresa receber produto de carga roubada, ela terá o seu CNPJ cancelado.” Já o PL 4.860, de 2016, torna obrigatório os seguros contra desvio de cargas e de responsabilidade sobre terceiros. “É uma vitória para o transportador, embarcador e consumidor final, porque cobra maior responsabilidade das seguradoras e das empresas de monitoramento de risco”, diz Amorim. “Hoje, há empresa de gerenciamento de risco com um operador trabalhando com até 100 caminhões.”
Outro projeto em tramitação, que altera a lei nº 10.826, de 2003, conhecida como “Estatuto do Desarmamento”, autoriza a posse de arma de fogo a residentes em áreas rurais. O tema é polêmico, mas necessário para o agronegócio. “O produtor precisa ter uma forma de se defender”, diz Braz, o presidente da Aprosoja-GO. O projeto tem uma grande aceitação na bancada ruralista e deve ser aprovado ainda este ano. “A posse de arma na propriedade é muito bem-vinda”, afirma Lacerda, das fazendas Buriti e Córrego Bonito. “No passado, os produtores dispunham de armas nas propriedades e os ladrões tinham medo de invadir.”