Calendário de 2014 atropela concessões

Publicado em
19 de Março de 2014
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A campanha eleitoral antecipada e a Copa do Mundo de futebol estão impedindo que novas rodadas de concessões de infraestrutura de transportes saiam do papel neste ano. Os planos de transferência à iniciativa privada da administração de portos, aeroportos, rodovias e Ferrovias, que pareciam ter sido, finalmente, destravados no fim de 2013, já esbarraram nos obstáculos do calendário. Para piorar, problemas verificados nos últimos anos, como questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), ações na Justiça e falhas na elaboração de projetos de engenharia, continuam retardando outras licitações.

O governo Dilma Rousseff esteve numa longa queda de braço com o setor privado para viabilizar o seu Programa de Investimentos em Logística (PIL), considerado não só a saída para gargalos históricos - como o do escoamento da safra de grãos -, mas também a alavanca para atrair recursos e acelerar a atividade econômica como um todo, de forma sustentável. A maior dificuldade estava na meta de contratar décadas de serviços públicos com tarifas baixas e taxas de retorno consideradas atraentes pelos investidores. Ajustes foram feitos, resistências vencidas e leilões ocorreram, com destaque para o quarto trimestre do ano passado.

De volta à realidade, as concessões do Galeão (RJ) e de Confins (MG) foram, até segunda ordem, as últimas entre os maiores aeroportos do país. No lugar, entraria um programa voltado para a aviação regional, com terminais menores. Mas nem sequer o rascunho das regras que vão reger essa nova iniciativa, englobando governos municipais e estaduais, está pronto. Acumulam-se ainda indefinições em relação à privatização de cerca de oito lotes de rodovias federais que somam 10 mil km, a 159 portos à espera de arrendamento e ao novo modelo regulatório a ser implantado para o Transporte Ferroviário.

O ministro dos Transportes, César Borges, informou, por meio da assessoria, que os alvos para o PIL em 2014 são os mesmos definidos em 31 de janeiro último, pela própria presidente. Sua expectativa é leiloar, até dezembro, cinco trechos de rodovias e não mais os nove esperados inicialmente. Isso sem falar que a Ponte Rio-Niterói, já privatizada, não estava sendo considerada no pacote, mas passou a integrar a lista de licitações porque o atual contrato termina em 2015. Politicamente, resta colher os frutos das concessões que já vingaram, como a assinatura, neste ano, dos contratos para cinco trechos rodoviários leiloados em 2013.

"O governo já vinha perdendo a batalha para cumprir o cronograma original de importantes certames e acabou arrastando muita coisa para o abismo de um ano eleitoral", observa o consultor de uma multinacional europeia com presença no ramo logístico brasileiro. Para ele, a prova de que o próprio Planalto sabia desses graves riscos que corria está no esforço concentrado de ministros e advogados para bater o martelo sobre concessões importantes de estradas e portos antes do fim de 2013. Em 27 de dezembro, entre o Natal e o réveillon, foi leiloado o trecho da BR-040 (DF/GO/MG), com deságio de 61,13%.

Falhas na modelagem

Para o Executivo, a pressa de licitar sem negociar com os agentes do mercado levou a falhas na modelagem, o que provocou uma série de atrasos que pesam na agenda deste ano. A fim de evitar contratempos desse tipo, o governo decidiu apelar para uma ampla terceirização da montagem de estudos de viabilidade, na qual até estatais como a Empresa Brasileira de Projetos (EBP) disputariam contratos com a União. O ministro dos Transportes autorizou levantamentos sobre a demanda, a engenharia, a operação, a fluidez do tráfego, o meio ambiente e a modelagem econômico-financeira, além de apoio na elaboração de minutas de documentos.
No caso do Trem de Alta Velocidade (TAV), ainda há uma grande dúvida se a licitação voltará a caminhar neste ano, após sucessivos adiamentos do leilão. O trem-bala entre o Rio de Janeiro e São Paulo está cercado de polêmicas, a começar pelo orçamento estimado em R$ 34 bilhões, no mínimo. A falta de competidores impôs mais um ano de atraso no projeto, que deveria ter sido deflagrado em setembro de 2013.

Riscos às claras

O consultor Cláudio Frischtak ressaltou que a gestão federal mostrou ausência clara de coordenação nessa e noutras iniciativas de infraestrutura, abrindo mão do diálogo com agentes públicos e privados. Para ele, o ideal seria o governo gastar mais tempo na elaboração dos projetos e na especificação dos riscos e, assim, ir em frente com menos chance de surpresas ruins.

O viés estatizante levou a muito debate no mercado e nos órgãos reguladores, resultando em mais postergações em 2014. No que se refere às licitações preparadas para os grandes portos públicos de Santos (SP) e do Pará, a paralisia está na decisão do TCU de listar 19 condições para aceitar a realização do certame. No caso das Ferrovias, várias alterações nas regras foram feitas, sem muito sucesso, na tentativa de desobstruir o caminho. Até mesmo o chamado risco de demanda foi anulado com a criação e a capitalização da Valec, estatal que constrói Ferrovias e que vai comprar toda a capacidade de transporte das linhas e revendê-las ao mercado.

A grande aposta do Planalto é leiloar, ainda neste ano, dois trechos de Ferrovias estratégicos para o agronegócio: o de Lucas do Rio Verde (MT) a Campinorte (GO) e outro de Açailândia (MA) a Barcarena (PA). "Nesse cenário, trazer uma solução não compatibilizada com os anseios do investidor representa um efetivo risco de frustração do programa de concessões ferroviárias", alertou Diego Tafur, advogado especializado em infraestrutura.

Na conta da Eletrobras

Analistas, empresários e investidores do setor elétrico perceberam logo as manobras fiscais embutidas no pacote de socorro do governo às distribuidoras de eletricidade, anunciado na semana passada. Os R$ 12 bilhões previstos pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, têm R$ 4 bilhões de recursos do Tesouro - a serem cobertos por aumento de impostos - e o restante em financiamentos de instituições bancárias, provavelmente públicas.

Com isso, o risco de dezenas de bilhões de reais dos cofres da União serem empenhados na operação para evitar a quebra de concessionárias e retardar o impacto nas contas de luz da disparada do custo de energia, puxada pela geração termelétrica generalizada, ganhou ares de certeza. Mas apenas poucos conseguiram identificar outras trucagens igualmente perigosas no restante das medidas apresentadas também com o intuito de despistar técnicos da agência de classificação de risco Standard & Poor"s.

Elas podem atingir de vez não apenas a credibilidade do país, mas a solvência da maior empresa do setor elétrico, a Eletrobras, já combalida pela reforma patrimonial e financeira imposta pelas mudanças no marco regulatório em 2012. Após insucessos acumulados nos últimos leilões, a estatal federal deverá ser convocada para garantir o sucesso do certame especial de 25 de abril.
Um dirigente da área de comercialização ressalta que, a exemplo da Petrobras, o caixa da Eletrobras será usado para conter as altas dos preços domésticos do segmento onde atua, para fins eleitorais. Situações como essa confrontam com a realidade da companhia, que tem apertado o cinto para conseguir se manter de pé depois das perdas em receitas após a renovação forçada das concessões, em 2012, incluindo a demissão de 4,5 mil pessoas.

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