Como a Colômbia criou um modelo para a infraestrutura que atrai investidores do mundo todo — enquanto o Brasil tenta dar os primeiros passos nessa direção
A Colômbia e o Brasil sofrem do mesmo problema no transporte de carga pelas estradas: é demorado, custa caro e, em tempos de economia aquecida, entope os portos e os aeroportos. Nos últimos cinco anos, os dois países vêm tentando resolver esse entrave. Mas os caminhos têm sido diferentes.
No caso brasileiro, na pressa para atender ao público que viria para a Copa do Mundo e para a Olimpíada, o governo de Dilma Rousseff lançou o Programa de Investimento em Logística (PIL) e leiloou, de 2011 a 2013, seis aeroportos e cinco rodovias que exigiram altos investimentos das concessionárias num prazo curto. De lá para cá, a economia despencou, o tráfego diminuiu e a Operação Lava-Jato abateu as grandes construtoras que formaram os consórcios.
O resultado é que as empresas estão sem dinheiro para cumprir os contratos. Agora o governo de Michel Temer precisa encaminhar uma solução. No fim de novembro, o governo publicou uma medida provisória que permite que as concessões sejam relicitadas, com detalhes ainda a ser tratados por legislação complementar. A alternativa era encerrar algumas concessões enroladas, com risco de gerar brigas sem fim nos tribunais. O jeito como o governo está lidando com a situação é analisado com lupa pelos investidores.
Sem eles, será impossível avançar na agenda de infraestrutura, em especial no Plano Crescer, o terceiro pacote em cinco anos — só isso já é um sinal de que as coisas não andam bem nessa área —, lançado há dois meses com 34 projetos envolvendo investimentos de 67 bilhões de reais. “O Brasil tem sido favorável à participação do investidor de fora na infraestrutura”, diz Victor Travesso, assessor especial para fundos de infraestrutura do CAF, o Banco de Desenvolvimento da América Latina. “Mas ainda precisa conquistar confiança.”
Enquanto isso, na Colômbia, o governo de Juan Manuel Santos começa a colher os frutos de um plano de logística ambicioso. Lançado em 2011, na mesma época em que o malfadado PIL brasileiro, o programa colombiano tem a meta de gerar investimento de 55 bilhões de dólares em dez anos. O foco é não só melhorar a competitividade logística mas também integrar comunidades afastadas e reduzir a violência.
Em meados de novembro, o governo fez a segunda tentativa de selar um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia — a proposta ainda vai passar pelo Congresso. Nos anos 80, um grupo de empresários da cidade de Medellín tomou uma iniciativa com o mesmo objetivo. Cansados dos estragos feitos pelo narcotráfico, eles criaram uma empresa pública para levar serviços de energia e transporte às favelas e, ao mesmo tempo, construir praças e bibliotecas, melhorando o espaço urbano.
Agora o governo federal é quem quer ligar o país todo, alcançando os rincões. Uma das primeiras ações foi criar, já em 2011, a Agência Nacional de Infraestrutura, responsável por elaborar todos os projetos da área de transporte, com um corpo técnico profissional. Com tempo para planejar, a agência só lançou em 2013 as primeiras concessões, num pacote para as rodovias com 42 projetos, no valor de 17 bilhões de dólares.
Uma proposta é construir 250 quilômetros de estradas para encurtar o caminho entre a cidade de Medellín, que fica a 1 500 metros de altura na Cordilheira dos Andes, e o porto de Buenaventura, no Pacífico. O trajeto pode parecer pequeno para o padrão brasileiro, mas há sérias dificuldades por ser uma zona montanhosa. O programa colombiano tem tido sucesso até agora.
Os leilões começaram em 2014, o governo conseguiu executar 70% do programa e algumas obras já estão em andamento. “A cada dois meses, um novo projeto é leiloado, num valor médio de 400 milhões de dólares”, diz Luis Fernando Andrade Moreno, presidente da Agência Nacional de Infraestrutura. Qual é o segredo? A Colômbia conseguiu ampliar as fontes de financiamento, dado que os bancos locais e o governo não teriam condições de fazer o programa andar.
Os fundos de pensão foram autorizados a investir nas concessões por meio de gestoras de recursos. Nos projetos em que o pedágio ficaria muito caro e reduziria o tráfego a ponto de tornar a concessão inviável, o governo decidiu assumir o pagamento de parte da tarifa ao longo de 25 anos — ou seja, montou parcerias público-privadas.
E mais: até 40% do valor pode ser pago em dólar. “Com a receita garantida em dólar, fica mais fácil para o concessionário assumir dívida na moeda estrangeira, e isso viabilizou uma série de projetos”, diz Ricardo Lara, gerente de infraestrutura do banco chileno CorpBanca na Colômbia. O governo ainda permitiu a emissão de títulos de dívida dos projetos em dólar — uma forma de acessar o mercado de capitais internacional, algo que não ocorre no Brasil.
Um total de 35% dos financiamentos do programa estão vindo do exterior. O Brasil deveria olhar com atenção a experiência colombiana: o risco cambial é um dos entraves para o programa de Temer. O governo já pediu à Caixa Econômica Federal, ao Banco do Brasil e ao BNDES a realização de estudos para encontrar alternativas. Outra fonte de financiamento na Colômbia é um banco de fomento. Criada em 2011, a Financiera de Desarrollo Nacional tem 65% de participação federal.
O restante é do banco CAF, do japonês Sumitomo e da International Finance Corporation, braço do Banco Mundial. A Financiera de Desarrollo Nacional tem regras de governança de empresa privada: os projetos são avaliados por um conselho no qual o governo tem a mesma quantidade de cadeiras dos outros sócios mais os conselheiros independentes. A ideia é afastar a influên-cia política das decisões.
E só pode financiar até um terço do valor dos projetos — na nova rodada de concessões brasileiras, o empreendedor poderá ter até 40% de crédito do -BNDES e emitir 40% de títulos de dívida, os quais, caso não tenham interessados, podem ser comprados por bancos públicos.
Uma das principais preocupações no pacote de concessões colombiano é com investidores aventureiros, aqueles que oferecem um valor muito baixo no leilão, mesmo sabendo que não vão conseguir levar o projeto adiante. A estratégia desse pessoal é primeiro ganhar a concessão e depois tentar, no tapetão, um aditivo ao contrato. Esse é um dos problemas das concessões que estão enroscadas no Brasil.
Os colombianos atacaram a questão com uma fórmula simples nos leilões: vence quem pede uma menor contrapartida do governo nas tarifas, mas esse valor tem de ser no máximo 10% inferior à média de todos os pedidos. “No Brasil, esse tipo de regra está previsto na lei de licitações, mas não costuma ser usado. Já nas concessões não há previsão de que isso possa ser usado”, diz a advogada Letícia Queiroz de Andrade, do escritório Queiroz e Maluf.
O setor de infraestrutura colombiano também está sujeito a problemas. Até a Lava-Jato respingou por lá. A Odebrecht ganhou em agosto de 2014 uma licitação para recuperar a navegabilidade de um trecho de 900 quilômetros do rio Magdalena, o mais importante do país. A concessão demanda investimento de 2,5 bilhões de dólares. A construtora brasileira, no entanto, não conseguiu levantar todo o financiamento.
O governo colombiano deu prazo até 16 de dezembro senão vai aplicar as penalidades e liquidar o contrato. A Odebrecht, por meio de nota, alega “que está trabalhando para estruturar financeiramente o projeto, dentro do prazo estipulado pelo cliente”. Também há problemas envolvendo as negociações para as desapropriações de terrenos, que têm atrasado as licitações e afastado investidores.
Segundo o governo, a partir de novembro, nenhum leilão será realizado sem ter essa questão resolvida. “Não investimos no programa porque acreditamos que há muito risco nas licenças ambientais e no trato com as comunidades locais”, disse o presidente para a Colômbia de uma grande construtora europeia. “Mas há muitas construtoras investindo porque hoje, no mundo, existem poucos programas de infraestrutura do tamanho do colombiano.” Ou seja, aos poucos os investidores têm se interessado.
Num primeiro momento, foram as construtoras colombianas e as europeias que tocaram os projetos. Agora fundos de investimento de infraestrutura estão injetando novos recursos ao comprar participações nas concessões. “Os bancos que financiam os projetos estão exigindo mais garantias dos concessionários, o que vai ficando mais difícil com o alto volume de projetos em execução ao mesmo tempo”, diz Lucas Marulanda, diretor do fundo americano Advent na Colômbia.
A Colômbia acertou no tempo das decisões. Em 2011, quando o pacote foi lançado, a economia crescia 4% ao ano. Agora que deve crescer 2%, devido à queda no preço das commodities, os projetos começam a sair do papel e dão um impulso ao país. É uma boa notícia para um governo que tem de implantar um impopular aumento de tributos, sem o qual o déficit público não chegará à meta de 1% do PIB em uma década (hoje está perto de 4%).
“Sem a reforma, o país poderia perder a nota de investimento, e as fontes de financiamento ficariam mais caras”, diz Miguel Ricaurte, economista do Itaú Unibanco para a Colômbia. O país andino, obviamente, continua na América Latina e sofre com a histórica volatilidade da região. No setor de infraestrutura, porém, a Colômbia saiu na frente. Que o Brasil pare de criar PACs e PILs e siga logo na mesma direção.