Artigo publicado por André Cruz*
Há exatos 2 meses, afirmei que "o Brasil ainda é pouco integrado à economia mundial, mas um acordo com o Chile poderia abrir novas perspectivas para nossa inserção nas grandes cadeias de valor globais". Naquela oportunidade eu disse que, ao participar pouco do comércio internacional, o Brasil permanecia à margem das grandes cadeias de valor globais como as que participam os membros do bloco da Aliança do Pacífico, que reúne México, Chile, Peru e Colômbia. Esses países estão fortemente interligados por relações comerciais substanciais, não apenas entre eles, mas também com outras economias desenvolvidas ao redor do mundo, como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Cingapura e Europa.
Com a assinatura final do acordo comercial para temas não preferencias entre Brasil e Chile, no dia 21 de novembro, é a primeira vez em que um acordo de livre comércio do país incorpora um capítulo específico para tratar de Cadeias Regionais e Globais de Valor. Por meio deste capítulo, ambos os países reconhecem a importância de aproveitar melhor suas complementaridades no comércio de bens, serviços e investimentos, assim como realizar atividades e ações que permitam às suas empresas inserirem-se nesses encadeamentos produtivos, com especial atenção para as PMEs. O tratado também deve trazer enormes reflexos que devem ampliar o acesso a mercados (tratamento preferencial) com o parceiro.
O acordo também significa mais agilidade, redução de custos e garantia de conformidade nas exportações. Com a assinatura do acordo, o Chile será o terceiro país da América Latina – depois de Argentina e Uruguai –, que passará a adotar o Certificado de Origem Digital (COD) nas relações comerciais com o Brasil. O COD consiste na emissão do certificado de origem preferencial, emitido atualmente em papel, por registro eletrônico. Isso agiliza, diminui custos, dá mais segurança, fornece informação para os processos de certificação e validação da origem de mercadorias negociadas entre os países.
O sistema COD pode reduzir o tempo de emissão do documento de 24 horas para 30 minutos, baixando os custos diretos de emissão em quase 35%. Tal implementação é vista pela Confederação Nacional da Indústria como um caminho para aproximar o Mercosul e a Aliança do Pacífico, já que os dois blocos assinaram no ano passado um entendimento chamado Hoja de Ruta (Mapa do Caminho, em português), no qual constam diretrizes que gravitam em torno da facilitação do comércio, o que, aliás, é um dos capítulos do acordo assinado entre Brasil e Chile.
Tudo isso gera um cenário duplamente positivo. Em primeiro lugar, a aproximação do Brasil ao bloco Aliança do Pacífico vai permitir com que ele venha a ser membro num futuro próximo. Inclusive, essa é a perspectiva do futuro Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que afirmou: “No Itamaraty aprendemos ao longo das décadas a evitar, a todo custo, qualquer submissão do Brasil a um bloco, de modo a preservarmos a capacidade de desenvolver uma política externa autônoma. Queremos relacionar nos com todos os blocos, mas sem fazer exclusivamente parte de nenhum deles”.
Em segundo lugar, os países membros da Aliança do Pacífico possuem acordos comerciais bilaterais com praticamente todos os grandes players mundiais. Eles não possuem a amarra que o Brasil tem com o Mercosul. Essa alteração criaria as condições favoráveis ao Brasil pactuar acordos de mesma natureza, intenção já declarada pelo futuro Ministro da Economia. Paulo Guedes afirmou que o Mercosul não é mais uma prioridade para o Brasil, o que está em consonância com a afirmação de Ernesto Araújo.
Com essa mudança de cenário, em que o Brasil deixa de pactuar acordos única e exclusivamente no âmbito da América Latina, as empresas brasileiras passarão a se expor às regras de origem dos produtos exportados, que exigem maior nível de controle. A participação de grandes players nos acordos está aliada à adoção de certificado de origem digital nas transações comerciais, assim como a incidência de investigações de origem. Ambas visam a confirmação da concessão do benefício tarifário - e que atualmente não ocorrem com tanta frequência, mas se tornarão ocorrências regulares. Isso irá criar desafios para as empresas brasileiras que terão que se adequar ao novo cenário sob pena de perderem oportunidades de negócios em novos mercados.