Autor: PAULO ROBERTO GUEDES*
No setor de movimentação de cargas, principalmente, é cada vez maior o número de operadores que se negam a trabalhar em regiões muito suscetíveis a roubos ou controladas por quadrilhas, cujos níveis de violência são alarmantes. Além do que, há extrema dificuldade para que se realizem, eficientemente, operações com os produtos mais visados pelos ladrões.
Já há algum tempo são operações que, ao ocorrerem, exigem programas de gerenciamento de riscos e apólices de seguro bastante complexas e sofisticadas e, portanto, mais caras. Considerando que este é um fenômeno que afeta todo o país, as empresas que mantêm altos índices de sinistralidade, sejam elas embarcadores, transportadores ou operadores logísticos, ao conseguirem – quando possível – as respectivas coberturas, arcam com prêmios de seguro mais caros ainda.
Essa situação não é nova e tem feito com que um grande número de companhias seguradoras abandone o ramo de transportes de mercadorias e, quando dele participa, além dos “aumentados” preços das apólices, ainda exige o cumprimento de um vasto conjunto de obrigações que, limitante por si só, ainda gera obstáculos e dificuldades operacionais importantes. Em alguns casos até inviabilizando a própria operação (1).
Como consequência, despesas com segurança e adoção de medidas preventivas no transporte de cargas (gerenciamento de riscos) já equivalem entre 13% a 17% dos custos de operação, segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transporte de Cargas & Logística (NTC&L) (2). Não é à toa que a própria NTC&L sugere uma alíquota de 0,3% sobre o valor das mercadorias transportadas para suportar esse custo adicional. Entenda-se gerenciamento de riscos como a adoção de práticas que tem, como objetivo exclusivo, conhecer e aceitar o “risco”, em toda a sua abrangência e dimensões correspondentes. Diferentemente da “incerteza”, que não permite, uma das principais características do “risco” é poder ser calculado e estimado.
O crescimento de eventos com roubos de cargas é um fato indiscutível e inquestionável, sendo que pesquisas recentes estimam que os prejuízos anuais, somente com as mercadorias perdidas, superam a casa do R$ 1,2 bilhão. A Região Sudeste lidera essa triste estatística com 86% dos valores roubados. Os produtos mais roubados são, pela ordem: alimentos, combustíveis, eletroeletrônicos, medicamentos e celulares. O aumento no índice de roubos de cargas nas estradas brasileiras, fez com que o Joint Cargo Commitee Watchlist (comitê formado por representantes da área de avaliação de risco do mercado segurador de Londres) indicasse o Brasil como uma das grandes áreas de risco para transporte de carga.
Por outro lado, sabe-se que operadores logísticos vem, ao longo do tempo, deixando de ter atuações meramente operacionais e passaram a exercer funções eminentemente estratégicas (3), seja no desenho das soluções logísticas ou na subcontratação e no controle dos demais operadores, obrigando-os a desenvolverem relações nas quais sucessos e riscos passaram a ser compartilhados. Com o advento da Indústria 4.0 foi quase que automático o desenvolvimento de uma logística compatível. Alguns a chamam de Logística 4.0, com foco puramente estratégico (4) e que precisa estar inteiramente conectada ao cliente (indústria) e a todas as suas redes de abastecimento e distribuição, de uma forma eficiente, rápida e com um conjunto de informações que reflita a realidade das operações correspondentes.
Óbvio que ao exercer esse papel, o operador logístico precisou ter acesso a um conjunto maior, mais abrangente e mais detalhado de informações, não só operacionais, mas também com relação ao próprio negócio de seu cliente. Em alguns casos, até informações confidenciais relativas às redes de fornecedores, distribuidores e clientes.
Esse acesso às informações, agora ainda mais essencial, exigiu do operador, além de mais conhecimento e maior capacitação, um nível de relacionamento muito mais “íntimo” com o cliente, no qual o comprometimento, a confiança e a lealdade passaram a ser “virtudes” inegociáveis. Inclusive de seu corpo de funcionários. Óbvio, portanto, que esses operadores passaram a lidar, em seu trabalho diário, com um conjunto significativo, novo e muito mais abrangente de riscos. Apenas como exemplo vale lembrar que os chamados “ciberataques” são realidade em todo o mundo e as medidas de proteção digital uma nova realidade (5).
Portanto, se o uso intensivo de dados, a transparência, a precisão, a rapidez e a disponibilidade em tempo real das informações, sempre foram valores imprescindíveis para a realização e o monitoramento de uma eficiente operação logística, mantê-los devida e concretamente protegidos também passou a fazer parte da lista de atribuições do operador logístico. E, consequentemente, das tecnologias voltadas à isso. Embora ainda não muito claro (6), são evidentes os impactos que as novas tecnologias – para o bem e para o mal, pois disponível a todos, “mocinhos e bandidos” - trarão para a sociedade e para as empresas, assim como para toda e qualquer atividade humana, sendo preciso, consequentemente, acompanhar o desenvolvimento e buscar formas de aplicá-las de forma eficiente.
É preciso, consequentemente, que se aproveite com rapidez os avanços tecnológicos (armazenamento em nuvem, Big Data, digitalização, IA, IoT, machine learning e MDVR, por exemplo), agora muito mais disponíveis, não só para melhoria e aumento da segurança operacional, mas inclusive para atender essas novas solicitações de mercado (7). Se os programas de gerenciamento de riscos e suas respectivas apólices de seguros precisam ser adaptadas às operações, à cultura e ao comportamento de seus clientes, isso também é verdade com respeito à administração, ao controle, à preservação e à proteção dos sistemas de dados e informações, cada vez maiores e muito mais complexos.
Em face dessas novas exigências, da nova situação de riscos hoje enfrentada pelas empresas brasileiras e considerando a legislação que trata da responsabilidade civil empresarial, os operadores logísticos, além de se socorrerem de tecnologia mais moderna, precisam alinhar o seu programa de gerenciamento de riscos e de contratação de seguros, aos desejos e às necessidades de seus clientes, às exigências inerentes às suas operações, às circunstâncias de momento ou da região e aos valores da própria empresa.
Todo prestador de serviços logísticos sabe que na eventualidade de uma ocorrência, inclusive quando envolve vidas humanas, que resulte em indenização, estará em discussão o seu próprio patrimônio, pois em muitos casos os valores de indenização requeridos são muito maiores do que o próprio capital daquele prestador de serviços. Como consequência, e considerando que os riscos são inerentes a toda e qualquer atividade econômica, empresarial ou pessoal, é preciso se precaver e evitar que eles se transformem em perdas irrecuperáveis. Tratando-se de vidas humanas, vale ressaltar, não há reparo, recuperação ou valor de indenização possível.
E os riscos de uma empresa, fundamental comentar, não se limitam às operações de transporte ou de logística (roubo, furto, tombamento, colisão ou incorreto manuseio), mas, infelizmente, a inúmeras outras oportunidades nas quais vidas humanas e patrimônios “correm algum tipo de perigo”.
Se por um lado os clientes desejam receber suas mercadorias em bom estado, na hora e no local determinados, os operadores logísticos e de transportes, por outro, têm a responsabilidade de entrega-las nas condições acordadas. E somente quando isso não for possível, e desde que por sua culpa, indenizá-los. Mas isso, obviamente, sem que se coloque em risco o seu próprio patrimônio.
É fundamental, portanto, que antes de se discutir a respeito de apólices ou coberturas de seguro, inicie-se uma discussão séria sobre um programa de gerenciamento de riscos. É preciso inverter o entendimento geral e comum e substituir a frase “não se preocupe, temos seguro”, pela frase “não se preocupe, temos gerenciamento de riscos”. Lamentavelmente essa forma antiga (“temos seguro”) ainda faz parte da cultura de uma grande maioria de empresas prestadoras serviços logísticos e, em muitos casos, também de seus próprios clientes. Suportados por processos eminentemente burocráticos de conferência e aceitação das coberturas previstas nas apólices de seguro, deixam de adotar medidas concretas para diminuição de riscos que, como se sabe, são inerentes a toda e qualquer atividade.
Conclui-se, consequentemente, que a implantação de um programa de gerenciamento de riscos, com visão mais apropriada, e necessariamente mais abrangente, exigirá uma estrutura organizacional adequada e compatível. A transformação da tão conhecida “Área de Seguros” em “Área de Gerenciamento de Riscos e Seguros” é o primeiro passo. Subordinada diretamente à presidência da empresa, ela deverá contar com profissionais capacitados a esse “mister”, que incorporem essa nova cultura e que estejam “antenados” e “receptivos” às novas tecnologias. Comitês de Riscos são muito benvindos, posto que, desde o estabelecimento dos índices de desempenho exigidos pela alta direção, assim como os níveis de serviços acordados entre fornecedor, cliente e seguradora, o monitoramento, o controle e o ajuste constante e permanente, fazem-se necessários.
Atividades de consultoria em gerenciamento de riscos, por sua vez, devem ter participação efetiva e decisiva dos corretores de seguros e das seguradoras. E estes, por sua vez, precisam deixar de se comportarem como simples vendedores de apólices, e virem a trabalhar juntamente com seus clientes, ajudando-os na implantação de “atividades de inteligência”, na elaboração de diagnósticos mais corretos e precisos e na proposição de alternativas que, de fato, objetivem a diminuição de riscos e, por conseguinte, os valores dos prêmios de seguro.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, um eficaz programa de gerenciamento de riscos “preserva e agrega valor econômico à organização, contribuindo fundamentalmente para a realização de seus objetivos e metas de desempenho, representando mais do que um mero conjunto de procedimentos e políticas de controle. Além disso, facilita a adequação da organização aos requerimentos legais e regulatórios, fatores críticos para sua perenidade”.
O escopo desse novo conceito de gerenciamento de riscos – muito mais abrangente e “a priori” - deverá fazer parte da estratégia e da cultura da empresa e ser aplicado em todas as áreas e atividades empresariais. Além de ser uma obrigação individual de cada funcionário da empresa, o cumprimento de um eficaz programa de Gerenciamento de Riscos ultrapassa as barreiras legais e regulamentares, enquanto incorpora princípios de integridade e conduta ética e busca, sem dúvidas, não só a proteção de pessoas e a preservação da imagem, mas a continuidade da própria empresa.
Roubos de cargas e violência não começaram agora, mas o aumento dessas ocorrências, no Brasil e em particular nos últimos anos, está superando até mesmo as projeções mais pessimistas. Está claro que a desorganização do Estado brasileiro, a corrupção, a falta de integração entre as diversas polícias, inclusive entre as polícias estaduais e as próprias Forças Armadas, a falta de uma política nacional de segurança, principalmente de prevenção, a permissividade e a impunidade e a falta de recursos corretamente aplicados nos sistemas judiciário, policial e presidiário, enfraquecem cada vez mais as autoridades responsáveis para que se realize uma política de segurança pública eficaz. Mas é indiscutível, também, que as circunstâncias sociais, econômicas e de infraestrutura brasileiras não tem colaborado muito.
E enquanto as soluções do Estado não vêm de forma completa, espera-se que as empresas, embarcadores ou prestadoras de serviços logísticos, façam sua parte, dando a essas atividades, importância compatível, capacitando seus profissionais, utilizando melhor a tecnologia, promovendo a inovação e buscando entender as exigências de seus clientes e suas redes de abastecimento e distribuição em mercados cada vez mais competitivos.
Nesse cenário os operadores logísticos que quiserem ocupar maiores espaços e aumentar sua competitividade terão muitas oportunidades, mas desde que entendam e atendam essas novas exigências. Para isso é fundamental estar atualizado para se beneficiarem das novas tecnologias e compreender melhor os riscos que envolvem as atividades logísticas, cada vez mais imprevisíveis, sejam eles oriundos dos fenômenos da natureza ou das circunstâncias políticas, sociais, econômicas e financeiras que se apresentam.
É essencial, portanto, que os operadores logísticos invistam no desenvolvimento e na qualificação de seus profissionais, posto que além de uma visão mais analítica precisarão “internalizar” valores que prestigiem as práticas de gerenciamento de riscos, isto é, a “cultura de prevenção de riscos”. É preciso estar preparado.
(1) Relatório Final sobre Roubo de Cargas, da CPI Mista do Congresso Nacional de 2002, já havia concluído: “o aumento em média de 40% do custo do seguro, inviabiliza, em parte, a rentabilidade das empresas. Com o reduzido número de seguradoras oferecendo cobertura contra o roubo de carga, e a imposição de condições quase impossíveis de serem cumpridas, mais de 200 empresas (de transporte) foram à falência nos últimos dois anos”.
(2) Segundo Neuto Gonçalves, diretor técnico da NTC&L, “as atividades de gerenciamento de riscos geram custos que podem ultrapassar 10% do faturamento das empresas, e mesmo facultativo, o Seguro de Responsabilidade Civil Facultativo de Desvio de Cargas (RCF-DC) tem se tornado praticamente obrigatório para determinados tipos de mercadorias”. “A maioria das seguradoras exigem rastreamento e até escoltas armadas dos veículos. Além do mais, o seguro não cobre a totalidade do valor das mercadorias, limitando-se a 75% ou 80%, ficando o restante por conta da transportadora.
(3) O diretor da Transfolha, Alexandre Felix, concorda com o “caráter multifacetário do operador logístico” (Revista Mundo Logística nº 67, Nov/Dez de 2018): “A evolução e o barateamento da tecnologia, bem como a natural maturidade do mercado de operadores logísticos, aumentaram o leque de serviços e soluções para os clientes, que transcendem os serviços básicos de armazenagem, transporte e distribuição”. E complementou: “Atualmente, existem exemplos de operadores logísticos atuando em todos os elos da cadeia de suprimento, partindo da fase de planejamento, controle e programação de fornecedores, desde a otimização de gestão dos estoques de insumos e matérias-primas, chegando a áreas que, no passado, eram inerentes às atividades fins dos clientes, como embalagem, controle de qualidade e montagem de kits. Tais soluções, hoje, viabilizam-se devido ao maior acesso à tecnologia (seja pela simplificação ou o seu barateamento), à evolução do meio como um todo (segurança jurídica, maior robustez nas relações jurídicas) e a maior flexibilização do Estado, nesse assunto.”
(4) A logística moderna (4.0) procura realizar metas e objetivos mais estratégicos do que operacionais. Apenas como informação, lista preparada pela Brasil Maxxi Logística (10.08.18): Estoques zero; Lead time curto; Alta conectividade; Informações em tempo real e al alcance de um clique; Virtualização por meio de sistemas de monitoramento dos processos e operações; Centros de distribuição mais inteligentes; Eficiência operacional na medida em que a IoT (internet das coisas) conecta em tempo real os milhões de embarques rastreados e acondicionados; Gerenciamento e gestão de armazém com sistema moderno e de WiFi/Lan; Visão integrada da cadeia de suprimentos, foco nos serviços e etc.
(5) “A valorização de moedas digitais, cujas transações são difíceis de serem rastreadas, alavancou os ataques cibernéticos, cada vez mais sofisticados. Por isso, investir na proteção digital passou a ser essencial para as empresas. Mais da metade (58%) dos ataques cibernéticos em 2017 tiveram como alvo negócios pequenos, segundo relatório de âmbito global publicado pela Verizon Enterprise Solutions em 2018. Cerca de 60% deles fecham as portas seis meses após a investida, de acordo com a National Cyber Security Alliance. Os ataques mais comuns são os chamados “phishing” e DDoS, cuja sigla em inglês significa “ataque de negação de serviço”. O primeiro “pesca” vítimas para que cliquem em links ou baixem arquivos. O segundo tenta saturar a capacidade de processamento do servidor, reduzindo ou derrubando a conexão e deixando a empresa fora do ar” – Matéria de Renan Marra publicada dia 21.01.19 no Nexo Jornal
(6) “Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes”. Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial.
(7) Tendências no Mercado de Tecnologia, Informação e Comunicação (TIC), segundo o documento “Panoramas Setoriais para 2030 – Desafios e Oportunidades para o Brasil”), elaborado pelo BNDES: Softwares inteligentes e cada vez mais integrados entre si e transmissão de dados de alta performance; IoT (Internet of Things): conexão de objetivos e pessoas em diferentes redes de comunicação; Impactos em quase todos os setores da economia (Segundo a McKinsey Global Institute, movimentará cerca de US$ 10 trilhões até 2025. Em 2015 existiam cerca de 11 bilhões de dispositivos e espera-se, para 2020, mais de 34 bilhões); Hardware: modelo básico e que atenda diversas demandas, cabendo ao software a customização (e o valor desses produtos); Homem e máquina: comando de voz, leitura de sinais cerebrais, etc.; Inteligência artificial: a partir de grandes bases de dados (Big Data); Outros: carros autônomos, impressoras 3D, etc.; Telecomunicação: fibra ótica, tecnologias 5G, etc.