AS GRAVES DEFICIÊNCIAS NA COBRANÇA DOS FRETES RODOVIÁRIOS DE CARGA*

Publicado em
17 de Abril de 2018
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O setor de transporte rodoviário de carga, o TRC, foi fortemente atingido pela situação econômica do Brasil dos últimos quatro anos e mesmo considerando que o ano de 2017 não tenha sido tão ruim para alguns segmentos, ainda não dá para comemorar.

A pesquisa nacional realizada em janeiro de 2018 pela NTC&Logística em conjunto com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), envolvendo quase 2,5 mil participantes, mostrou o desempenho das empresas transportadoras no ano de 2017:

  • 62,0% tiveram queda no faturamento, em média de 8,9% 
  • 58,1% tiveram prejuízo médio de 7,5% do faturamento
  • O valor do frete caiu em média 2,6%
  • 47,6% das empresas diminuíram de tamanho
  • 52,4% afirmam estar recebendo seus fretes com atraso

Contudo, as perspectivas para 2018 são boas para o setor, a ponto de podermos considerar que este poderia ser um ano que teria tudo para ser excelente para as empresas do setor de transporte rodoviário de cargas:

- O período de crise saneou o mercado, muitas transportadoras e autônomos que eram ineficientes fecharam as portas ou mudaram de atividade diminuindo a oferta de transporte;

- Por outro lado, se as previsões dos economistas se confirmarem, o PIB brasileiro deve crescer algo em torno de 3,0%, o que significaria para o TRC um crescimento médio de 8,0% - um acréscimo no volume de carga transportada muito significativo.

Então, porque não afirmamos que 2018 será um excelente ano ou pelo menos um ano muito bom para o setor de TRC?

Não há como garantir este sucesso para o setor, simplesmente, porque a maioria das empresas que atuam nele infelizmente não irá aproveitar esta oportunidade. E os motivos principais são:

1. Os transportadores não valorizam o serviço que prestam. Talvez, por estarem envolvidos na execução a muito tempo, eles acabam não percebendo o quanto a atividade de transporte de carga é importante e fundamental para o bom funcionamento da sociedade;

2. Os gestores das transportadoras e seus acionistas ainda não compreenderam os riscos que este tipo de serviço tem e o quanto eles são altos. 

Por se tratar de uma atividade feita externamente traz como consequência uma total falta de controle do ambiente em que ele se desenvolve, assim, variáveis como: o clima, o tráfego, as condições das estradas entre outros, criam uma condição de risco grande – riscos estes que em boa parte a lei institui como sendo do transportador e os outros que a lei não imputam também acabam, em última análise, sendo impostos aos transportador através de acordos entre as partes (cláusulas contratuais, DDRs, PGRs, etc).

3. Os transportadores não sabem custear de forma adequada o serviço que presta. E, o que é pior acham sempre que o serviço custa menos do que na realidade é.

Não só por isso, mas principalmente por estes três motivos é que o serviço de transporte é mal remunerado e acaba determinando resultados bem abaixo do potencial para as empresas do setor.

Para agravar a situação os custos do serviço de transporte, apesar de terem se comportado relativamente bem em 2017, - o INCT indicou uma inflação de 3,8%, os principais custos, veículo, combustível e mão de obra, apresentam tendência de alta para o ano de 2018

Cobrança no TRC

Analisando a situação em que se encontra o setor fica fácil concluir que de fato o principal problema a ser enfrentado pelo transporte rodoviário de cargas passa, sem dúvida, pela valorização do serviço através de uma remuneração melhor do frete cobrado. Esta valorização é importante,
mas somente isto não basta, deve-se aprimorar a qualidade da cobrança.

O preço cobrado por um produto ou serviço deve ser suficiente para cobrir todos os custos, os impostos devidos e os riscos envolvidos, além de sobrar alguma coisa para que sejam realizados os investimentos necessários, seus acionistas possam ser remunerados e principalmente para
que o negócio seja atrativo para os investidores.

O serviço de transporte rodoviário de carga apesar de ser, aparentemente, algo de execução simples, na prática ele acaba sendo complexo e como já citado apresenta vários riscos. E, ainda que estejamos falando do transporte essencialmente de peso e/ou volume, as cargas têm outras
características que as diferem assim como os custos envolvidos no seu transporte. Portanto, encontram-se variações de:

CARGA

Valor, Sensibilidade, Fragilidade, Periculosidade, Toxidade, Instabilidade, Atratividade ao roubo/furto, Entre outras.

CONDIÇÕES DE TRABALHO

Clima, Relevo, Condições das estradas, Trânsito, Restrições à circulação de veículos comerciais, Formas diferentes de carga e descarga, Entre outras.

Por tudo isto é que a cobrança do serviço de transporte de carga não deve ser feita utilizando apenas um componente tarifário, por exemplo, o quilômetro ou a tonelada transportada ou mesmo um percentual do valor da mercadoria, em suma, cobrando-se apenas o frete peso.
É necessário que a cobrança englobe todas as condições operacionais, suas variações e seus riscos para que o resultado final seja positivo para o prestador do serviço e justo e seguro para quem o contratou.

Uma tabela de frete completa é composta por pelo menos quatro componentes tarifários e caso a operação seja de transporte de carga fracionada deve-se incluir um quinto componente que é a taxa de despacho.

Componentes Tarifários

Frete peso - O primeiro componente tarifário é o frete peso, que é onde efetivamente são cobrados os custos relativos ao transporte da carga em função da distância. E, caso o transporte seja de cargas fracionadas, onde há a necessidade da coleta na localidade de origem e a distribuição no destino, deve-se incluir a taxa de despacho, também chamada e conhecida como taxa de coleta/entrega e frete mínimo, para cobrir os custos envolvidos nesta atividade.

Estes dois componentes fazem parte da cobrança mais comum, a parcela que todos aprenderam a cobrar e pagar, contudo somente o seu recebimento não é suficiente, pois apesar de tratar dos custos da principal atividade do serviço de transporte, eles não garantem o resultado desejado, pois como já foi mencionado há os riscos e as diferenças e variações operacionais.

Frete valor - Quanto aos riscos é importante destacar que o transportador é responsável, por lei (Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966), pela carga durante o período em que esta fica sob sua responsabilidade, ou seja, desde o momento em que ocorre a sua retirada até a sua efetiva
entrega no destino. Em suma, tudo que vier a acontecer com a carga, com exceção de roubo ou furto, o transportador será responsabilizado e, caso seja necessário terá que indenizar o dono da mercadoria. A responsabilidade imposta pela lei não pode ser transferida a terceiros, a não
ser as seguradoras e, sob este aspecto reproduz-se parte do texto da carta-circular 02/2015/SUSEP/DIRAT/CGPRO sobre este assunto:

“a) A carta de direito de dispensa de regresso (DDR) NÃO pode isentar a contratação do seguro Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C) por parte do transportador rodoviário de cargas. O seguro é obrigatório, conforme o Decreto-Lei 73/66, artigo 20, alínea (m), obrigatoriedade reiterada pelo artigo 10 da CIRCULAR SUSEP Nº 354/2007, que regula o serviço de transporte.”

Portanto, como qualquer outro negócio os riscos devem ser avaliados e incluídos no preço, caso contrário, na ocorrência de um eventual sinistro o contratado não terá como arcar com a responsabilidade que a lei lhe impõe. Destaca-se ainda que não são todos os riscos que estão cobertos pelas apólices de seguro, alguns deverão ser arcados pelo transportador e sendo assim, estes devem ser previstos e também incorporados ao frete.

O componente tarifário adequado para a cobrança desta obrigação do transportador é o frete valor. O seu valor é definido em percentual do preço da mercadoria constante na Nota Fiscal, já que é ela que deverá ser indenizada, e é proporcional à distância, ou seja, quanto maior a distância maior será o percentual a ser cobrado, isto decorre do maior risco assumido à medida que o transportador acaba ficando mais tempo com a carga em função da distância superior.

Mas não é só a distância que deve ser levada em consideração na hora de definir a alíquota do frete valor, outros fatores também são importantes, são eles: a fragilidade da carga, a qualidade da embalagem, a dificuldade de manuseio, condições das vias, entre outros.

GRIS - Outro problema enfrentado pelo transportador brasileiro é o alto índice de roubos de cargas que o país tem. Neste caso, o transportador não é responsabilizado diretamente, mas é cobrado para que tome medidas que minimizem o risco de ocorrência dos roubos, fazem parte das providências impostas: rastreamento e monitoramento do veículo, contratar ou ter uma equipe de gestão de risco, colocar iscas na mercadoria a ser transportada, arcar com a franquia do seguro, monitorar as suas instalações, contratar seguro das suas dependências (local onde ficam as cargas), ter seguranças treinados e armados, limitar o valor da carga transportada, fixar rotas e pontos de parada, restringir o horário de trabalho, transportar em comboios, entre outras. Tudo isto envolve custos que não estão cobertos nem pelo frete peso nem pelo frete valor, assim, para que os transportadores sejam ressarcidos destes custos é que se deve cobrar o componente tarifário denominado de GRIS (Gerenciamento de Risco). A forma indicada e praticada pelo mercado é a cobrança do GRIS através de um percentual do valor da mercadoria. Ela difere do frete valor à medida que a sua alíquota é fixa e não varia com a distância, mas deve variar em função de outras condições, tais como: rota, atratividade da carga, restrições impostas pela gerenciadora, índice de roubo, quantidade de exigências, entre outras.

Generalidades do transporte - O fato da atividade relativa ao transporte rodoviário de carga possuir muitas variações e diferenças operacionais faz com que na sua tabela de preço estas, de alguma forma, sejam previstas.

Uma opção seria acrescentar o custo destas variações e diferenças em um dos já comentados componentes tarifários através de um custo médio ou previsão de custo, contudo, esta solução implica em cobranças e pagamentos que muito provavelmente serão maiores ou menores que o efetivamente devido ou justo.

Para não criar estas distorções no preço é que se torna imperativo que a tabela de frete contenha as generalidades do TRC.

Mas, o que são generalidades do TRC? 

Generalidades nada mais são que situações que fazem parte da atividade de transporte, mas fogem da normalidade, ocorrendo eventualmente, desta forma não acontecem em todas as viagens e, portanto, não devem ser calculadas ou incluídas no frete peso e sua cobrança ou pagamento está obrigatoriamente ligada a ocorrência de determinado fato.

Como exemplo de generalidades tem-se: taxa de devolução, taxa de reentrega, estadia ou hora parada, taxa de restrição ao trânsito de caminhões em vias ou regiões, taxa para entregas em áreas rurais, taxa para transporte em regime de DTA, entre outras.

Situação atual do frete

Apesar do valor do frete ter tido uma pequena recuperação em 2017, ela não foi suficiente para recompor a defasagem acumulada nos últimos anos. Sobre este assunto, a pesquisa NTC/ANTT indicou a existência de uma defasagem de 13,95% no frete do transporte de cargas fracionadas e de 20,60% na carga lotação ou fechadas.

Mas esta defasagem constatada pela pesquisa se refere apenas ao frete peso, como foi visto, ele é só um dos quatro componentes tarifários.

Os números apresentados pela pesquisa nos permite resumir a situação do frete do TRC assim:

  • o frete peso está abaixo dos custos incorridos;
  • não se recebe frete valor;
  • não se recebe GRIS;
  • poucas são as empresas que cobram e recebem as generalidades devidas;
  • em geral recebe-se o frete com atraso, comprometendo boa parte do faturamento das empresas.

Se tomarmos a situação do frete valor, as pesquisas feitas junto às empresas transportadoras indicam que só 30% o cobram.

A situação do GRIS é ainda pior, só 20% o recebem e boa parte aquém do que deveria. O que prejudica o pagamento dos custos decorrentes dos procedimentos e das responsabilidades impostas ao transportador antes, durante e após o roubo. Com o agravamento da situação da segurança do país nos últimos anos e a falta de perspectivas de melhora destas condições no curto e médio prazo, o seu impacto aumentou sensivelmente os custos das transportadoras. Portanto, sua cobrança não deve ser em hipótese alguma negligenciada pelos transportadores.

Por outro lado, observa-se que muitos usuários do serviço de transporte ainda não remuneram adequadamente o transportador com relação a situações anormais e aos serviços adicionais, que não estão contemplados nas tarifas padrões (frete peso, frete valor e Gris). Para se ter uma ideia de como a situação é grave, a Taxa de Restrição ao Trânsito (TRT) é recebida por apenas 5% das transportadoras, apesar de existirem mais de 500 cidades (todas as capitais) impondo algum tipo de restrição a circulação de caminhões em suas vias. E, o que é mais sério, quase 70% das empresas desconhecem a própria existência da TRT assim como de outra generalidade a Emex (Taxa de Emergência Excepcional) que foi criada no início de 2017 em decorrência da situação em em que encontra a região metropolitana do Rio de Janeiro com relação ao roubo de carga - que ultrapassou todos os limites do razoável, mesmo para a realidade brasileira.

Olhando pelo lado do embarcador, verifica-se que em função da situação em que se encontra o TRC é provável que alguns setores venham a enfrentar alguma dificuldade de conseguir transporte em 2018, pois, os transportadores que sobreviveram à crise econômica terão grandes dificuldades para atender a maior demanda decorrente da melhora das condições econômicas por não estarem capitalizados suficientemente para assumir tal incumbência - com relação aos investimentos que se farão necessários.

Enfim, vislumbra-se um mercado em crescimento para 2018 com um aumento significativo de demanda para o setor de transporte de carga que pode ultrapassar em alguns segmentos os 10% e ainda, com o transporte tendo que ser feito com as deficiências na infraestrutura logística que continuam sem solução no curto e médio prazo. Em virtude disso tudo é que clama ao transportador para que ele faça suas contas corretamente e adeque sua remuneração considerando os desafios que estão por vir e encontre junto com os clientes o equilíbrio comercial necessário, sobretudo neste momento, sob pena de se verem diante de situações difíceis e com soluções para as suas operações muito mais onerosas.

 

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