As boas práticas anticorrupção das empresas, por Paula Abreu*

Publicado em
06 de Abril de 2010
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Em março de 2010, a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE) lançou um Guia de Boas Práticas em Controles Internos, Ética e Compliance, na forma de um Anexo à Recomendação do Conselho para o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais - "Recommendation of the Council for Further Combating Bribery of Foreign Public Officials in International Business Transactions" - que havia sido lançada em 29 de novembro do ano passado.

A iniciativa é muito bem-vinda em tempos de intensificação das investigações de pagamentos de propinas no exterior pelo Departamento de Justiça (DOJ) americano e da SEC - a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos -, com base na Lei Contra Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês).

Até a criação da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE, em 1997, os Estados Unidos eram o único país no mundo que explicitamente proibia a corrupção internacional. A Convenção da OCDE foi inspirada no FCPA, com provisões semelhantes às da lei americana. Da mesma forma, o Guia incorpora uma série de orientações já emitidas pelo Departamento de Justiça em pareceres recentes. Assim, qualquer orientação adicional de como melhor cumprir as regras da convenção é, por tabela, um bom caminho para evitar violações ao FCPA.

Depois do recado recente de Mark Mendelsohn, da seção de fraudes da divisão criminal do DOJ, de que o departamento lê os jornais brasileiros, as empresas com presença nos Estados Unidos, com papéis negociados na Bolsa de Nova York ou com volume de negócios com empresas americanas e suas subsidiárias brasileiras devem aproveitar as dicas do guia para fazer o dever de casa: fazer auditoria para entender o retrato atual da empresa e seu grau de risco - e de suas subcontratadas - e buscar ajuda profissional para criar e colocar em prática um programa anticorrupção eficaz. O próprio Mendelsohn declarou que o novo Guia da OCDE "tem o endosso do governo americano."

Mas ainda que o programa anticorrupção da empresa atenda às exigências mínimas previstas no Guia, tais como apoio da alta direção, treinamento constante dos funcionários sobre corrupção e revisão periódica do programa, seu cumprimento não garante totalmente a tranquilidade das empresas.

Um bom programa anticorrupção e de cumprimento ao FCPA deve ser especificamente desenhado pensando no perfil de risco e área de atuação de cada empresa. Se, por exemplo, a atividade da empresa depende da atuação de dezenas ou centenas de vendedores espalhados ao redor do mundo, o risco de corrupção é alto.

O tamanho da empresa também influencia no tipo de programa que ela deve ter. Enquanto uma pequena empresa pode cumprir o que dela espera a lei americana de forma menos formal e custosa, aproveitando recursos existentes e sistemas simples. Fazendo treinamentos informais, as grandes empresas devem se estruturar para o cumprimento de maneira mais formal, com funcionários dedicados, sistemas de controle e comunicação eficazes e auditorias periódicas para verificação do cumprimento à política - ou que resultem na sua revisão, se necessário.

O primeiro grande motivo para uma empresa brasileira manter um programa anticorrupção eficaz é a possibilidade de redução de eventual multa aplicada pelo DOJ em até 90%. No universo das multas multimilionárias tanto do DOJ quanto da SEC, a redução pode literalmente garantir a continuidade da empresa pós-investigação.

Além disso, o costumeiro conforto dos executivos brasileiros, que muitas vezes se consideram fora do alcance da Justiça Americana, caiu por terra. No fim de janeiro deste ano, o Departamento de Justiça Americano anunciou a prisão de 22 executivos e funcionários de empresas da indústria de produtos voltados para as forças armadas e de combate ao crime.

A maioria dos executivos - inclusive os estrangeiros, dentre eles peruanos, britânicos e israelenses - foi presa em Las Vegas, enquanto participava de uma feira de negócios. Nenhum deles fazia a mais remota ideia de que estava sendo investigado, interagindo com agentes do FBI à paisana e sendo gravados em vídeo e áudio há mais de dois anos. Todos pisaram em solo americano sem desconfiar do que os esperava por lá.

O cerco está prestes a apertar também em casa. Embora as leis anticorrupção brasileiras sejam, até o momento, majoritariamente territoriais, o Projeto de Lei nº 6.826, de 2010, que tramita em regime de prioridade e em fase conclusiva no Congresso Nacional, está prestes a mudar esse cenário. Na esteira da longa mão do FCPA, o Projeto traz novidades como a responsabilidade de pessoas jurídicas por atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e deixa bem claro que a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual dos executivos ou diretores envolvidos nos atos ilícitos.

E o projeto traz, inclusive, inovações ao próprio FCPA, ao estabelecer a responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas por atos ilegais cometidos em seu benefício por qualquer de seus agentes, mesmo que tenham agido sem ordem ou autorização da empresa e mesmo que os atos não resultem em vantagem efetiva, direta ou exclusiva. Como se vê, estar com o programa anticorrupção em dia está se tornando cada vez mais essencial.

As três perguntas que uma grande empresa deve se fazer são simples: tenho um programa anticorrupção e de cumprimento a FCPA bem planejado? O programa está sendo cumprido com seriedade e boa-fé? O programa funciona? Um funcionário do DOJ, em declaração recente, dá a dica: se a empresa é grande e faz negócios internacionalmente, ela "deveria estar encontrando violações".

No momento existem 140 investigações em curso sendo conduzidas pelo DOJ, em parceria com o SEC e com o FBI, inclusive com adoção de técnicas de investigação policial tais como agentes à paisana, gravações e filmagens ocultas. Se as empresas não estão encontrando as violações, pode ser que o DOJ esteja.

*Paula Abreu é advogada, sócia do Veirano Advogados, especialista em anticorrupção e FCPA com LL.M. pela Columbia University School of Law

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