Artigo - Uma agenda e ‘tanto’ para o novo Governo, por Paulo Roberto Guedes*

Publicado em
31 de Maio de 2016
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A crise brasileira atual é muito maior do que se imagina e teremos um longo e difícil caminho pela frente, independentemente de quem esteja exercendo a Presidência da República. O estrago foi grande demais e não estamos falando de uma simples recessão. Os números são incontestáveis. Com algumas exceções (balança comercial, por exemplo), a maioria dos índices econômicos se mostra muito ruim. No ano de 2014 não houve crescimento, em 2015 houve queda no PIB de 3,8% e para este ano está prevista uma queda entre 3% a 3,6%. Portanto, no final deste ano nosso PIB será cerca de 8% menor do que aquele de 2013. Considerando que nossa população continuou crescendo, nossa renda per capita, inevitavelmente, será menor do que aquela de 2013. Estamos mais pobres. “Andamos para trás”.                               

Soluções econômicas, entretanto, dependem da credibilidade e da confiança que os governantes – dos três poderes – tenham no momento de propô-las. O País precisa acreditar que as medidas são corretas e adequadas, que aqueles que as irão colocar em prática são competentes e que justificam os sacrifícios, de todos e ainda maiores, que sem dúvida virão.

Infelizmente alguns dos benefícios já conquistados estão sendo perdidos, seja por causa da inflação (que diminui significativamente o poder aquisitivo de quem ainda trabalha), do desemprego (que ‘zera’ o poder de compra de um contingente extraordinário de desempregados – mais de 10 milhões atualmente!) ou dos péssimos serviços públicos prestados (que deixam a população próxima ao desespero, na medida em que ela não é atendida nos hospitais, nas escolas ou na segurança pública).

Sem dúvida vivemos, atualmente, a maior crise de toda a nossa história. E se crises servem para alguma coisa, é para obrigar todos nós a agir. Não foi por outro motivo que a maioria da população tem se manifestado contra o governo, desde 2013. E se não bastassem todos os erros cometidos, tanto na condução da política como da economia brasileira, o desgoverno Dilma também foi responsável por crimes de responsabilidade fiscal. As famosas ‘pedaladas fiscais’ e a fraude nas contas públicas, como fartamente demonstradas, constituiram-se em concretos e reais crimes e, quanto a isso, não há a menor dúvida. O desgoverno Dilma, por conta própria, produziu as provas que faltavam para o impeachment.

Como se percebe, solucionar os problemas do Brasil, neste delicadíssimo momento, não será uma tarefa fácil, posto que qualquer progresso que se obtenha, será lento e pouco visível para a maioria da população. Isto, por si só, causará desconfiança de grande parte desta população perante a nova administração, sendo quase impossível imaginar o que ocorrerá num futuro próximo, considerando-se, ainda, que o PT e seus grupos de apoio, contrários ao impeachment, continuarão nas ruas com disposição para dificultar ainda mais.

Talvez o maior desafio econômico do momento, seja a equalização das contas (¹) e da dívida (²) públicas, pois isso inibe o próprio governo, sempre o maior investidor da economia, a reagir de forma contundente e, até mesmo, mais eficaz. O rápido crescimento da dívida pública (66,5% do PIB em 2015 e com possibilidades de chegar, até o final deste ano, acima dos 80%) fez com que o governo passasse a gastar cada vez mais com juros e amortizações (US$ 416 bilhões em 2015 e que representaram 10,8% do PIB), intranquilizando os agentes econômicos e dificultando a diminuição da própria taxa de juros, que tão mal faz aos devedores, como bem faz aos credores. E tudo isso num momento no qual, além de ter pouca eficiência (³), aumentar impostos é contrário ao desejo de expressiva maioria da sociedade brasileira.

(¹) O déficit primário do governo, em 2015, foi de R$ 115 bilhões, já incluindo R$ 57 bilhões das ‘pedaladas fiscais’ de 2014. O déficit nominal (que inclui os juros e as amortizações) chegou a R$ 531,2 bilhões, segundo dados do Tesouro Nacional. Para este ano, estima-se um déficit primário de aproximadamente R$ 120 bilhões e um déficit nominal de R$ 670 bilhões, caso o montante de juros e amortizações seja de R$ 550 bilhões.

(²) A dívida pública de 2014 foi de R$ 3,252 trilhões (57,2% do PIB), em 2015 foi de R$ 3,927 trilhões (66,5% do PIB) e em 2016 projeta-se chegar a R$ 4,578 trilhões (80,3% do PIB).

(³) O tamanho da carga tributária brasileira atual não tem estimulado, de forma eficiente, o crescimento da economia e, sem dúvida, causará mais problemas no longo prazo. O sistema tributário atual, complexo, burocrático, oneroso e injusto, tem estimulado a informalidade, a sonegação e a queda de competitividade das empresas brasileiras. O simples aumento da carga tributária manterá esse processo perverso e, como consequência, diminuirá a eficiência do tributo como instrumento de política econômica e de incentivo à produção.

O peso do governo em nossa economia é bastante exagerado se considerarmos que além da carga tributária, cerca de 36% do PIB, há um déficit orçamentário de 10%. Isto é, o governo brasileiro atual administra 46% de tudo o que é produzido no Brasil. Há estudos que mostram a faixa percentual entre 33% e 35% do PIB, como limites máximos, posto que, a partir dessa faixa, a queda das atividades econômicas é iminente, o pagamento de tributos em dia, também diminui, e quedas ainda maiores da arrecadação, passam a ser simples consequências.

Neste assunto – crise das contas públicas -, deve-se fazer uma justa observação: além do governo federal, a maioria dos governos estaduais e municipais brasileiros, também contribuiu, e muito para esse desastre. No Estadão do úlitmo domingo, segundo o economista Raul Velloso, estudioso das contas públicas, está claro que “os gastos com pessoal (4) e serviço da dívida extrapolam os limites desejáveis para manter as contas em dia”.

(4) Para que se tenha uma ideia de como os gastos com funcionários públicos aumentaram no País, é só observar os dados do Ministério do Planejamento: em 2015 o gasto com funcionário público chegou a 5,3% do PIB, o maior desde 1995. Aliás, com respeito a isto, informações do Ministério do Trabalho dão conta de que, enquanto todas as empresas do setor privado, em todos os setores econômicos da economia, estão dispensando trabalhadores no início deste ano, a administração pública vem contratando!

Ainda, de acordo com Raul Velloso, “se o comprometimento (de gastos) for acima de 85% da receita (...), o Estado terá margem zero para inovar e ampliar a prestação de serviços”. Segundo Velloso, “21 Estados comprometeram mais de 65% das receitas com pessoal e serviço da dívida em 2015. Enquanto isso a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que os Estados deveriam gastar, da receita, 60% com pessoal e mais 5% para serviço da dívida. E os governadores ainda querem transformar seus contratos de emprestimos, junto ao governo federal, de juros compostos para juros simples(5). Isto resultará em ‘jogar’ nas costas do Tesouro Federal, de acordo com cálculos feitos por Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, cerca de R$ 313 bilhões.

(5) “O método de capitalização (por juros compostos) se tornou tão natural quanto o céu e a terra. Aplica-se no cálculo da caderneta de poupança, do crédito, dos planos de previdência, das vendas a prazo, da inflação e por aí afora. Se os estados ganharem a parada, voltaresmos à Idade Média”, comenta o ex-ministro Maílson da Nóbrega em artigo escrito para a Revista Veja em 27/04/16. 

As necessidades são imensas e as mais diversas possíveis (Reformas Política, na Previdência e nas leis trabalhistas, controle do gasto Público e contingenciamento das despesas obrigatórias, diminuição e seletividade de isenções tributárias, diminuição do papel do Estado, enxugamento e aumento da produtividade da máquina pública, privatizações, estabelecimento de regras claras para as PPP e os programas de concessões, simplificação tributária, investimentos em infraestrutura, maior abertura da economia (6) e melhorias nos programas de financiamento do comércio exterior, fortalecimento das agências reguladoras, diminuição do custo Brasil etc), mas será obrigatório que se estabeleçam prioridades e se recomponha a moralidade no trato da ‘coisa pública’, através da manutenção da operação Lava Jato e da instalação de auditorias específicas, notadamente nos casos do BNDES, dos Fundos de Pensão e dos ‘fantasmas’ do Incra, do Bolsa Família e do Funcionalismo.

(6) Simulações feitas pela FGV para a AMCHAM, e que foram publicadas no site do Valor Econômico, através de reportagem de Marta Watanabe, no dia 17/05/16, mostram que caso o Brasil não participe dos Acordos Internacionais constantes no que se chamou de “Mega Acordo de Parceria Transatlântica”, com EUA e UE, até o ano de 2030, nossas exportações diminuirão 0,57%, nossas importações 1,46% e nosso PIB, como impacto, perderá 0,34%. E pelo contrário, caso o Brasil participe desse acordo, as exportações poderão crescer 19,62%, até 2030, as importações crescerão 25,48% e o impacto no PIB será de um aumento de 4,26%. Essas simulações consideraram ‘zeragem de tarifas e redução de 40% nas barreiras não tarifárias’. Apenas com os EUA os impactos são os seguintes: + 6,94% nas exportações (agro + 9,9%, manufaturas + 15%, extratavo – 0,5% e serviços + 1,8%), + 7,46% nas importações (agro + 8,4%, manufaturas + 8,6%, extrativo + 5,1% e serviços + 5,6%). As simulações, somente com relação com a Unidade Européia indicam: aumento nas exportações de 12,33% (agro + 60,8%, manufaturas + 2,1%, extrativo – 3,1% e serviços – 4,3%) e aumento nas importações de 16,93% (agro + 34,4%, manufaturas + 17,5%, extrativo + 9,1% e serviços + 17,7%).

Precisamos, portanto, a partir de um novo governo, desenvolver um pacto entre todas as lideranças nacionais - políticas, empresariais, sindicais e da sociedade como um todo –, que possibilite a elaboração e a execução desse projeto. Projeto que seja convergente (pelo Brasil e sem revanchismo), simples (não será possível resolver tudo neste momento), provisório (com sinais claros de que se constitui um mandato tampão), transparente (claro e com ampla difusão) e objetivo (que priorize os principais problemas brasileiros, notadamente, a geração de empregos, o equilíbrio fiscal e a retomada do crescimento econômico).

Sem isto, nosso empobrecimento, inclusive moral, será ainda maior e com consequências sociais imprevisíveis. Há que se evitar o pior!

* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.

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