* Artigo escrito por Deborah Cardoso Corrêa[1]
De acordo com o art. 235-C, § 14º, CLT, é dever do motorista a anotação correta, verdadeira e sem rasuras dos dados relativos à jornada por ele realizada em diários de bordo, papeleta, ficha de trabalho externo ou sistema e meios eletrônicos instalados nos veículos, pois, considerando-se ser impossível a fiscalização pelo empregador, haja vista a execução de trabalho longe de seus olhos, não haveria como imputar à empregadora esta responsabilidade.
Diz o citado artigo que o “empregado é responsável pela guarda, preservação e exatidão das informações contidas nas anotações em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, ou no registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo, ou nos rastreadores ou sistemas e meios eletrônicos, instalados nos veículos, normatizados pelo Contran, até que o veículo seja entregue à empresa.”
Evidente, entretanto, que o empregador deve demonstrar ter cumprido com a legislação vigente, adotando sistema de controle de jornada, orientando o motorista sobre a obrigatoriedade dos registros e exigindo cumprimento da regra legal.
Cabe ao motorista profissional lançar, no meio adotado pelo empregador, seja ele eletrônico ou não, sua jornada de trabalho, incluindo início de jornada de trabalho, intervalo intrajornada, intervalo entrejornada, tempo de espera, folgas, fim de jornada, assim como pode o motorista anotar tempo dispendido em trânsito lento, acidente, carga, descarga, fiscalização e outras situações vivenciadas ao longo da jornada de trabalho.
Dentre as obrigações do empregador está evidenciar que orientou, treinou, exigiu do profissional do volante o registro do ponto, assim como noticiou ao empregado, quando do descumprimento, por meio de advertência ou suspensão, de seu comportamento ilícito e das implicações decorrentes da reincidência. A advertência ou a suspensão do contrato de trabalho tem a finalidade de resgatar o bom comportamento, cumpridor de seus deveres e obrigações, como é o registro da jornada de trabalho.
Importante notar ainda que a Lei n. 13.103/2015 tem suas peculiaridades, as quais interferem diretamente na apuração da jornada de trabalho e haveres do trabalhador, especialmente aquelas contidos no artigo 235 – C, da CLT, quais sejam:
1 - Tempo de espera;
2 - Descanso após 2 horas ininterruptas em tempo de espera;
3 - Cumulatividade do descanso semanal (3 descansos consecutivos);
4 - Coincidência do intervalo de 1 hora com o tempo de parada obrigatória;
5 - Fracionamento do repouso semanal em 2 (dois) períodos, sendo um destes de, no mínimo, 30 (trinta) horas ininterruptas, a serem cumpridos na mesma semana e em continuidade a um período de repouso diário, que deverão ser usufruídos no retorno da viagem;
6 - Flexibilidade de horário.
Inegável que a Justiça vem reconhecendo os termos da Lei e os aplicando no caso concreto, conforme abaixo se observa, todavia a empresa deve evidenciar o fidedigno controle de jornada por meios legais.
Veja-se:
“A ré, por sua vez, se insurge contra o deferimento do intervalo entrejornadas de 11h ao argumento que a sentença não considerou a possibilidade de fracionamento previsto no artigo 235-C, §3º, da CLT, bem como as hipóteses em que o tempo de espera superou 2h na forma do artigo 235-C, §11, da CLT. Requer a reforma da sentença para que seja excluído da condenação o intervalo entrejornadas. Analiso. O intervalo entrejornadas do empregado motorista está previsto no artigo 235-C, §3º, da CLT, consoante redação dada pelas Leis 12.619/2012 (vigência de 17.06.2012 a 16.04.2015) e 13.103/2015 (vigência a partir de 17.04.2015): § 3o Será assegurado ao motorista profissional intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, além de intervalo de repouso diário de 11 (onze) horas a cada 24 (vinte e quatro) horas e descanso semanal de 35 (trinta e cinco) horas. (Incluída pela Lei nº 12.619, de 2012) § 3o Dentro do período de 24 (vinte e quatro) horas, são asseguradas 11 (onze) horas de descanso, sendo facultados o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecida pela Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, garantidos o mínimo de 8 (oito) horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 (dezesseis) horas seguintes ao fim do primeiro período. (Redação dada pela Lei nº 13.103, de 2015). Assim, da admissão do autor em 10.12.2012 a 16.04.2015, quando vigente a Lei 12.619/2012, tem-se a obrigatoriedade do intervalo entrejornadas ser fruído em 11h ininterruptas. Já do período de 17.04.2015 até a rescisão operada em 21.07.2016, quando vigente a Lei 13.103/2015, tem-se a possibilidade de fracionamento do intervalo entrejornadas desde que garantido o mínimo de 8h ininterruptas no primeiro período e o remanescente dentro das 16h seguintes. Sobre o tema, ainda, dispõe o artigo 235-C, §11, da CLT que o tempo de espera superior a 2h ininterruptas pode ser considerado para fins de intervalo entrejornadas: § 11. Quando a espera de que trata o § 8o for superior a 2 (duas) horas ininterruptas e for exigida a permanência do motorista empregado junto ao veículo, caso o local ofereça condições adequadas, o tempo será considerado como de repouso para os fins do intervalo de que tratam os §§ 2o e 3o, sem prejuízo do disposto no § 9o. (Incluído pela Lei nº 13.103, de 2015). De acordo com o exemplo dado na sentença, observo que no dia 23.07.2015 houve o correto respeito ao intervalo entrejornadas de 11h que foi fracionado em um primeiro período das 22h36 do dia 23.07.2015 às 07h12 do dia 24.07.2015 (fruindo intervalo de 8h36 ininterruptas) e em um segundo período das 15h às 18h (tempo de espera superior a 2h, fruindo o autor o intervalo remanescente de 3h), totalizando intervalo entrejornadas de 11h36 (fl. 365), sendo indevida a condenação em intervalo entrejornadas. Logo, e considerando que o autor não apontou outras diferenças nos autos, reputo correta a fruição do intervalo entrejornadas de 11h por toda a contratualidade, levando-se em consideração as peculiariedades das Lei 12.619/2012 e 13.103/2015. Por sua vez, saliento que o "intervalo de 35h", na realidade, se refere à soma entre o intervalo previsto no artigo 66 da CLT (descanso de 11h entre o fim da jornada de um dia e o início da jornada seguinte) e o descanso semanal previsto no artigo 67, caput, da CLT (descanso de 24h entre o fim da jornada de uma semana e o início da jornada da semana seguinte): Art. 66 - Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso. Art. 67 - Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte. Assim, somente quando ocorrer a folga semanal é que se deve verificar se entre o final do labor em uma semana e o início do labor em outra semana (após a folga usufruída) o intervalo entre eles foi superior ou não a 35 horas (descanso semanal de 24h seguido de intervalo entrejornadas de 11h), por força do que dispõem os arts. 66 e 67 da CLT, somente sendo devido como hora extra aquele tempo suprimido a completar a somatória dos intervalos (24h + 11h = 35h). No caso, entretanto, o próprio autor da prova emprestada dos autos 0000945-36.2017.5.09.0129 afirmou que não trabalhava em domingos, o que foi corroborado pelas testemunhas ouvidas. Assim, corretamente fruído o descanso semanal remunerado previsto no artigo 67 da CLT bem como o intervalo entrejornadas, rejeito pedido recursal do autor. Reformo a sentença para excluir da condenação o pagamento do intervalo entrejornadas previsto no artigo 235-C da CLT. Acolho pedido recursal da ré. Rejeito pedido recursal do autor.” Autos n. 0000945-21.2017.5.09.0129 – TRT 9o Região
“Quanto ao intervalo entrejornada de 11 horas, com o advento da lei no 13.103/2015, vigente a partir de 17/04/2015, foi autorizada a possibilidade de seu fracionamento, nos termos do §3o e 11 do art. 235-C, acima transcrito, o que deve ser respeitado e considerado para fins de apuração da violação intervalar no momento da liquidação.
Entretanto, mesmo assim, remanesce a condenação imposta na sentença pois, da análise dos cartões de ponto, se constata violação ao intervalo de 11 horas. Por exemplo entre os dias 10/05/2014 e 11/05/2014 (fl. 408), em que finalizou a jornada às 21h:38min. e iniciou no dia seguinte às 06h, época em que vigente a lei 12.619/2012 e ausente previsão legal de fracionamento. O recibo de pagamento relativo ao mês de competência (fl. 224) não indica pagamento a título de supressão intervalar.
Diante do exposto, reformo parcialmente a sentença apenas para que, no período de vigência da lei no 13.103/2015, seja observado o artigo 235-C, § 3o e §11 quanto a possibilidade de fracionamento do intervalo de 11 horas para fins de apuração da violação intervalar.” Autos n. 0001541-44.2016.5.09.0095 – TRT 9o Região
MOTORISTA PROFISSIONAL. FRACIONAMENTO DO INTERVALO INTERJORNADA. POSSIBILIDADE. O legislador ordinário, na esteira do que já vinha apontando a jurisprudência pátria, recentemente inseriu no diploma celetista nova regra admitindo a possibilidade de fracionamento do intervalo interjornada dos motoristas profissionais, ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais do trabalho a que são submetidos (Lei 13.103/2015). O art. 235-C da CLT, em seu § 3º (com redação determinada pela Lei 13.103/2015), impôs como condição ao fracionamento a garantia do mínimo de 8 horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 horas seguintes ao fim do primeiro período. Assim, verificado que a reclamada promoveu o fracionamento do intervalo interjornada em atenção a esses termos, impõe-se reconhecer a regularidade da concessão da pausa, não havendo falar em horas extras pela supressão de parte do período. (TRT18, ROPS - 0010841-48.2016.5.18.0008, Rel. SILENE APARECIDA COELHO, 3ª TURMA, 16/11/2016)
(TRT-18 - ROPS: 00108414820165180008 GO 0010841-48.2016.5.18.0008, Relator: SILENE APARECIDA COELHO, Data de Julgamento: 16/11/2016, 3ª TURMA)
Por derradeiro, gerenciar riscos trabalhistas inegavelmente passa pelo controle dos registros de jornada de trabalho dos profissionais, assim como a conferência, assinatura do empregado e por fim o arquivo digital ou físico, a fim de que injustiças não sejam instaladas.
[1] Advogada, com especialização em direito empresarial, MBA Executivo em Gestão Empresarial, atuante no transporte rodoviário de cargas há 21 anos, Diretora do SETCEPAR – Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas no Estado do Paraná, Conselheira no DER – PR e Gerente Nacional na PIZZATTOLOG.