Artigo: O desafio de gerir uma cidade brasileira*

Publicado em
30 de Janeiro de 2015
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Tenho pensado muito sobre como gerir e desenvolver uma cidade brasileira alinhando a política e a gestão, apesar da prisão onde os prefeitos estão colocados. Não pense que exagero no termo, porque prefeitos são pressionados pelo partido deles, Ministério Público, Tribunal de Contas, Câmara, Judiciário, servidores, conselhos municipais, imprensa e por uma parcela canalha da população que deseja viver às custas do Estado. É uma máquina de moer carne!

Prefeitos também são asfixiados por algumas leis estúpidas que impõem, por exemplo, aumentos indesejáveis de quadros e de custos sem necessidade evidente nos seus municípios. Como ajudá-los? Para começar, vamos entender o problema listando as pedras mais típicas no caminho do executivo municipal:

1. Há gente demais, tanto servidores de carreira quanto cargos em comissão;

2. A palavra PRODUTIVIDADE é proibida. Os gestores da Prefeitura, em qualquer nível, querem invariavelmente mais gente;

3. As Prefeituras possuem patrimônio material desproporcional aos seus orçamentos e a consequência é previsível: o patrimônio público deteriora;

4.Existem mitos soprados por ignorantes nos ouvidos dos prefeitos que inibem cruelmente a boa tomada de decisão e colocam todos os assuntos no nebuloso “âmbito político”;

5. Prefeitos precisariam aumentar todos os custos internos se atendessem a todas demandas de servidores e secretários. Precisariam também investir, atendendo as necessidades da cidade e não deveriam aumentar impostos, sendo pressionados para isto por toda a população. Obviamente esta é a equação da LOUCURA! O Prefeito deverá aumentar investimentos, custos e despesas, reduzir impostos e taxas, não diminuir pessoal e fazer todo mundo feliz;

6. Alguns patrimônios públicos, que deveriam ser vendidos conforme qualquer cartilha básica da boa gestão, são considerados de “inestimável valor sentimental pela população”, que paradoxalmente não ajuda a prefeitura a tomar conta destes patrimônios.

7. O Estado é incapaz tecnicamente de responder ao Governo e a reeleição quase sempre está seriamente ameaçada;

8. Formam-se algumas corporações internas, caracterizadas por identidade própria e busca de vantagens, sem considerar o todo;

9. A luta na Câmara Municipal por vezes é desumana. Alguns vereadores sentem-se à vontade para exigir tudo dos prefeitos e posar como defensores quixotescos do povo. São os demagogos de sempre, figuras nocivas e que rejeitam a civilização;

10. Prefeitos vivem o paradoxo da demência: dirigem uma organização em um sistema financeiro capitalista onde boa parte da comunidade exige mentalidade “comunista-demagógica”, algo incompreensível até mesmo para mentes brilhantes. Talvez nem Marx, Stalin ou Gramsci, embora fora e longe do meu conceito de “mentes brilhantes”, entendessem a equação.

A consequência é que não temos uma cidade sequer no país de “classe mundial”. A tarefa do prefeito, em uma dedução simples, é dura demais e sozinho ou somente com seus secretários é inviável. Apesar disto, como a única alternativa de que não dispomos é a desistência de construir uma civilização mais avançada para nossos descendentes, proponho ações simples e com resultados inquestionáveis:

 

1. O prefeito precisa definir “uma causa”, uma “visão” para a cidade e que seja capaz de MOBILIZAR a parte decente da sociedade. Gente boa atrai gente boa, enquanto gente ruim atrai gente ruim. Há homens e mulheres especiais em todos os segmentos e em todas as cidades. Precisamos encontrá-los, apresentar nosso sonho e trazê-los para junto de nós. Por exemplo, se precisarmos pintar uma escola, os pais pintam no final de semana. Ganham reconhecimento público e os filhos começam a entender o que é o amor pelo trabalho e pelo bem comum. Criamos filantropos e não sanguessugas. Nossos prefeitos não precisam ser os pais de ninguém. Este vício vem lá de longe, da época de Getúlio Vargas, o chamado "pai dos pobres". Queremos apenas cidadãos, não queremos nem pais nem pobres. Estas ações fundamentadas na decência e na boa vontade gerarão para um prefeito o marketing positivo, limpo e honesto de que ele necessita para não depender de vampiros para implantar seus projetos e legitimamente se reeleger. Quem conseguir esta mobilização da parte boa da população, será imbatível.

2. Prefeitos devem entender que precisam trazer para junto deles as mentes mais brilhantes das suas cidades e de fora delas. Precisam estimular o trabalho voluntário, trazer gente de boa vontade para auxiliar a Prefeitura da mesma forma que as pessoas fazem nas igrejas e nas comunidades desenvolvidas.

3. A gestão mais moderna do mundo dispõe de muitas ferramentas e implantá-las é um dever. Gestão moderna em nossas prefeituras significa o uso de indicadores, planos de ação, técnicas de planejamento estratégico, processos, padronização, fluxo de caixa, liderança, RH, matriz de risco etc. Estimo que 99% de nossas Prefeituras tenham sistemas de gerenciamento atrasados em mais de 50 anos.

4.Fazer grupos de melhoria contínua (Kaizen) nas prefeituras. Espalhar as boas práticas de gestão. Implantar os 5 S nas cidades. Reduzir desperdícios. Aumentar receitas de forma equilibrada. Além dos benefícios naturais destas ferramentas, MOBILIZAÇÃO e EDUCAÇÃO vêm juntas. Isto também significa treinar em cascata. Uns vão treinando os outros. E é importante também descobrir os inúmeros talentos, por vezes adormecidos, que estão nas fileiras dos servidores públicos, gente de valor e que entende a grandeza de prestar serviços para uma cidade. Há muitas destas pessoas e nós precisamos buscá-las e integrá-las ao trabalho, uma a uma. Em meus trabalhos no Tribunal de Contas RS e nas Prefeituras de Gramado, Guararema (SP), Bento Gonçalves e Canela encontrei alguns profissionais que poderiam trabalhar nas mais exigentes empresas privadas do mundo.

Temos um número maior de obstáculos para remover do que na iniciativa privada, mas a tarefa está longe de ser impossível.

O próximo passo? Transforme este texto em um plano de ação e vá em frente.

Paulo Ricardo Mubarack

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