O chamado “custo Brasil” tem sido, dentre outros, um dos principais obstáculos para que se obtenham menores custos e um melhor desempenho das atividades produtivas brasileiras. Inúmeros estudos comprovam que há no Brasil, custos desnecessários e burocracia muito acima do razoável, afetando a capacidade das empresas locais de oferecerem produtos e serviços com maior rapidez, maior eficiência e preços muito mais competitivos.
Uma das consequências, por exemplo, é a baixíssima participação dos produtos e serviços brasileiros no contexto do mercado global, como indicam diversas pesquisas: há mais de 15 anos e apesar de ter um PIB que representa 2,4% do PIB mundial, o Brasil tem apenas 1,2% das exportações. México, com PIB 35% menor exporta 100% mais; Bélgica com PIB 75% menor, exporta 110% mais; e a Tailândia com PIB 80% menor, exporta 10% mais.
E as pesquisas realizadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em conjunto com a EAESP/FGV (“Desafios à competitividade das Exportações Brasileiras”), em 2016, confirmou o que muito já se sabia (1): empresas brasileiras encontram um conjunto enorme de dificuldades para exportar, desde os altos custos do transporte, passando pelas altas tarifas cobradas por órgãos anuentes, até o excesso de leis e documentos complexos e conflituosos existentes na enorme burocracia que envolve as atividades empresariais brasileiras, notadamente aquelas relativas ao comércio exterior (2).
Estudos elaborados pelo antigo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), agora incorporado ao Ministério da Economia, por exemplo, corroboram e comprovam o fato de ser, a burocracia brasileira, um dos maiores fatores de inibição das exportações brasileiras, dando conta que, incluindo-se aqui as exigências aduaneiras, o prazo médio para a exportação de mercadorias, nos portos brasileiros, é de 13 dias, e das importações, 17 dias. A CNI, em estudo específico, juntamente com o Banco Mundial, mostra que esses atrasos representam custos adicionais médios entre 13% e 14%, para todas as exportações e importações brasileiras.
Numa escala de 1 a 5, na qual a nota 1 indica pouco entrave e a nota 5 entrave crítico, a pesquisa EAESP/FGV e CNI demonstrou que, dentre os 62 principais itens listados, o mais crítico é o custo do transporte, que obteve a nota 3,61. Elevadas tarifas cobradas nos portos e aeroportos ficaram em segundo com a nota 3,44. No transporte, segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), uma das explicações é a má qualidade das rodovias brasileiras, nas quais trafegam, calculado com base no TKU (tonelagem por quilômetro útil), mais de 61% do total de cargas movimentadas do Brasil. A própria CNI estima que apenas uma queda de 10% no custo do transporte poderia gerar mais de 30% de acréscimo nas exportações brasileiras! O estudo ainda mostra que a precariedade de nossa infraestrutura logística (rodovias, ferrovias e portos) faz com que cerca de US$ 1,5 bilhão em produtos manufaturados deixem de ser exportados para países vizinhos todos os anos.
Não é à toa, portanto, que o Índice de Desempenho em Logística (LPI -“Logistics Performance Index”) brasileiro, regularmente publicado pelo Banco Mundial, e desde que publicado pela primeira vez, coloca o Brasil entre as últimas posições quando comparado com os dez maiores países de renda média-alta. O LPI é montado com base na avaliação dos seguintes parâmetros: a) eficiência do processo de desembaraço aduaneiro; b) qualidade do comércio e infraestrutura relacionada com o transporte; c) facilidade para contratar o transporte com preços competitivos d) competência e qualidade dos serviços logísticos, e) capacidade de rastreabilidade da carga, e f) cumprimento dos prazos de entrega. Posições alcançados pelo Brasil: 2007, 61, entre 150 países analisados; 2010, 41 em 155; 2012, 45 em 155; 2014, 65 em 160; 2016, 55 em 160; e 2018, posição de número 56 em 160 países analisados.
O Fórum Econômico Mundial, ao analisar a competitividade de 141 países em 2019, coloca o Brasil na 71ª posição no item de Avaliação Geral. Aqui também a infraestrutura de transporte é um dos problemas de baixa pontuação obtida. E em todos os modais! Já a pesquisa, relativa ao ano de 2019, a respeito da facilidade de se fazer negócios (“Doing Business”), o Banco Mundial, analisados 190 países, classificou o Brasil na 124ª posição
No que diz respeito à qualidade da infraestrutura de transportes, em nota que varia de 1 a 7, em 2017 o Brasil obteve a nota 3,7 (CNT e Fórum Econômico Mundial – 2018). A própria CNT, ao avaliar a “qualidade das estradas”, em 2018, classificou com regulares, ruins ou péssimas, 57% delas.
E agora, mais recentemente (07/06/2021), publicou as 10 estradas mais perigosas do Brasil. Semelhança entre elas: deficiências de infraestrutura, principalmente com respeito ao “traçado ruim” e à “sinalização precária”.
Portanto, são diversos os estudos que comprovam a baixa competitividade das empresas brasileiras, notadamente aquelas voltadas ao comércio exterior, como resultado de um serviço logístico ainda precário.
Infraestrutura insuficiente e demasiadamente dependente do modal rodoviário, ausência de políticas de integração entre os diversos modais, falta de marcos regulatórios e de planejamento, baixos índices de investimentos, pelo menos nos últimos 20 anos, e modelo de gestão ultrapassado, caracterizado pela baixa integração das diversas agências reguladoras que interferem nessas atividades, são alguns dos itens que compõem e explicam o precário desempenho logístico nacional.
Necessário, portanto, que haja decisão política no sentido de se buscar soluções para os problemas ligados à logística. Se está evidente que a solução para a crise instalada no Brasil atual, depende de um programa sério de combate à pandemia, de geração de empregos e de retomada de investimentos, torna-se evidente também que políticas e investimentos voltados à expansão da infraestrutura e ao desenvolvimento logístico, com significativa e decisiva participação do setor privado, são extremamente necessários (3). Não se pode esquecer que foram os sucessivos superávits comerciais em nossa balança de comércio exterior, os principais responsáveis pela estabilidade da moeda, pela garantia das importações e pela geração de divisas, fatores que diminuíram, e muito, a vulnerabilidade brasileira.
Por isso, foi bem-vinda a criação do Ministério de Infraestrutura (4) que, além de ter tomado uma série de providências importantes (5) para melhoria e desenvolvimento do setor, elaborou e apresentou para discussões, o Plano Nacional de Logística 2035, que contempla, para os próximos 15 anos, investimentos de R$ 480 bilhões, o que equivalem a 0,45% do PIB por ano. É muito menos do que se exige, pois especialistas calculam a necessidade de investimentos na ordem de 2% do PIB ao ano, durante mais de duas décadas para que o Brasil tenha, instalado e operando, uma infraestrutura de transporte compatível. De qualquer forma, a retomada do planejamento, a forma integrada de se tratar esses problemas e os investimentos previstos são um bom sinal.
Considerando portanto, algumas das principais tendências mundiais (6), bem como maiores cuidados com a saúde das pessoas e da sociedade de uma forma geral, será fundamental manter políticas que deem ao Brasil uma infraestrutura moderna e de maior qualidade, contribuindo direta e efetivamente para a diminuição de custos e aumento da competitividade do produto brasileiro. Mas é muito mais do que isso, pois operações logísticas eficazes contribuem direta e indiretamente para diminuir tensões sociais e a própria desigualdade, na medida em que possibilita menores custos na produção e na movimentação de pessoas, gera crescimento e empregos. Uma logística eficaz contribui, efetiva e concretamente, para o desenvolvimento econômico.
(1) Infelizmente esse “estado de coisas” não é novidade. Já no início deste novo século, ao publicar o artigo “Impacto do custo da logística nas exportações brasileiras”, o professor Manoel Reis, da EAESP da FGV (Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo), apontava como alguns dos principais obstáculos para crescimento das exportações brasileiras, as deficiências de infraestrutura de transporte (rodovias, ferrovias, hidrovias interiores, portos e sistemas de armazenagem), resultado dos baixos investimentos, tanto para expansão das redes como para eficiente manutenção do sistema existente. Também citava, entre outros, a alta idade média da frota de veículos rodoviários de carga, a carência nos demais modais de transporte e excesso de burocracia, notadamente para a exportação. Resultado? Custos acima das médias mundiais, baixa competitividade dos produtos brasileiros e dificuldades para atender prazos. E concluiu Manoel Reis: “todos esses fatores explicam, de forma cabal, as dificuldades enfrentadas pelo Brasil para crescer seu comércio exterior, ao menos na mesma velocidade do crescimento do comércio mundial como um todo, onde o ponto crítico é o custo logístico”.
(2) A CNI (Confederação Nacional da Indústria) estimou que o Portal Único, cujo desenvolvimento iniciou-se no antigo Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC, agora fazendo parte do Ministério da Economia), ao resolver os problemas de excesso de burocracia, poderão gerar ganhos adicionais, até 2030, de US$ 75 bilhões no PIB e US$ 68 bilhões no comércio exterior brasileiro!
A mesma CNI, com base nesses dados e em estudo específico (“Estudo de Impacto da Facilitação de Comércio para a Indústria de Transformação no Brasil”), mostrou que esses atrasos representaram, em 2013, um custo adicional médio, de 13,04% para todas as exportações brasileiras e 14,20% para as importações. Outro estudo da CNI, indicam, para que se realizem exportações, um total de 46 procedimentos diferentes, administrados por 12 órgãos e que tiveram impactos em 23% das exportações de 2017. Nas importações, foram 72 obrigações controladas por 16 órgãos do governo, com impacto de 59% nas importações.
O Portal Único de Comercio Exterior, citado anteriormente, é um esforço conjunto de governo, no qual 22 diferentes órgãos governamentais participam, para a criação de uma ‘janela única’ para promover a simplificação e revisão de todos os processos de comércio exterior, identificando os gargalos e elaborando um fluxo mais racional e simplificado. Através de atuação coordenada, busca-se a eliminação de etapas e documentos, aumento da previsibilidade e clareza das exigências do governo. O que se quer é solicitar informações uma única vez e utilizar documentações digitalizadas e eletrônicas. Um dos principais objetivos é diminuir os tempos para realização das exportações, de 13 dias atuais, para 8 dias e das importações, de 17 dias atuais, para 10 dias (Médias da OCDE) e, ao mesmo tempo, aumentar da corrente de comércio exterior de 6% a 7% ao ano;
(3) Dados fornecidos pela InterB Consultoria, de Claudio Frischtak, de 24.05.21, indicam claramente a queda nos índices de investimento em infraestrutura de transporte: média de 1,26% entre 1981 e 1990; 0,57% entre 1991 e 2000; 0,59% entre 2001 e 2010; 0,51% entre 2011 e 2016; 0,56% em 2017; 0,53% em 2018; 0,45% em 2019; e 0,42% em 2020;
(4) Decreto nº 9.660/2019, publicado no Diário Oficial da União do dia 02.01.19, subordinou a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), a ANAC (Agência Nacional da Aviação Civil), a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), a INFRAERO (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuário) e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), ao Ministério da Infraestrutura;
(5) Artigo elaborado por Carlos Cesar Meireles, ex-presidente da ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos), aborda com precisão algumas dessas providências, dois quais vale citar: a) Arco Norte, que facilitará o escoamento das safras produzidas mais ao Norte do Brasil; b) Expansão ferroviária com a Norte-Sul, Malha Central e a própria Ferrogrão; c) FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), entre Ilhéus/BA e Figueirópolis/TO; d) BR do Mar, voltada à cabotagem (“A eficiência logística e seus desafios em um país paradoxal” – Site da LogWeb de 02/06/21;
(6) Aumentos nas demandas por energia, alimentos e infraestrutura social, impacto crescente da tecnologia nos processos produtivos, na vida e no comportamento do cidadão, processos produtivos mais avançados, maior urbanização, necessidade de se buscar maior equilíbrio ambiental e maiores exigências por segurança.
Paulo Roberto Guedes