Artigo: Atalhos para uma logística just in time*

Publicado em
11 de Setembro de 2014
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Neste país-continente, um dos maiores desafios é fazer chegar a tempo, mercadorias, pessoas e serviços aos seus pontos de destino/consumo.

Como a logística tem por missão a disponibilização nos seus respectivos locais de consumo, dos bens e serviços corretos, entregues em tempo hábil e na condição que o cliente deseja, ao menor custo possível, é essencial entender que nenhuma empresa ou país pode funcionar sem executar atividades logísticas e, portanto, reduzir custos nestas atividades é fundamental a fim de aumentar a competitividade na área.

O custo dos transportes representa, por si só, perto de 2/3 do custo logístico total1.

As dificuldades logísticas brasileiras ocorrem principalmente, devido à concentração urbana e populacional em apenas algumas poucas regiões do país. Só como exemplo, na Região Metropolitana de São Paulo, que considera São Paulo e municípios limítrofes, havia segundo dados do IBGE, IGC e Emplasa de 20072, quase 20 milhões de habitantes, o que correspondia nessa comparativamente pequena área geográfica, a 10,5 % da população brasileira!

No Censo de 2000, a área brasileira apurada3 era de 8.514.876,599 km2 enquanto que a Região Metropolitana de São Paulo4 com 8.051 km2, não chega portanto a 0,1 % da área nacional.

Essas aglomerações urbanas exigem esforços hercúleos para mantê-las abastecidas em gêneros alimentícios e industriais. É praticamente um cenário de guerra, onde os soldados estão aglomerados em algumas poucas partes e a intendência precisa criar verdadeiros milagres para atendê-los, vindo os suprimentos das mais diversas regiões geográficas.

As distâncias são fenomenais e convenhamos, nossos modais de transporte são bastante limitados pela decisão brasileira de, a partir da década de 50 do século XX, focar-se no transporte rodoviário, notadamente um dos modais mais caros, perdendo apenas para o transporte aeroviário.

Sem entrar nos méritos políticos e econômicos que essa decisão envolveu, hoje sentimos na pele o preço a pagar por essa decisão equivocada.

Para ilustrar esse descompasso em nossa “Matriz de Transporte”, basta informar que, em um país pouco acidentado como o Brasil, com a maior bacia hidrográfica do mundo e ampla região costeira, utilizamos 3 vezes mais o transporte rodoviário do que o hidroviário! Em relação ao transporte ferroviário, a coisa é ainda pior: 5 vezes mais de uso do transporte rodoviário5!

Como as regiões produtoras ficam distantes das regiões consumidoras, nossa operação logística é uma verdadeira epopéia. Num país tão grande, a saída seria investir mais no transporte multimodal.

Esses investimentos infelizmente são altos e demorados e o governo não sinaliza que esteja interessado em investir.

Apesar do Brasil focar-se essencialmente em transporte rodoviário, é deprimente a situação de nossa malha:

Em 2004 o Brasil possuía 1.610.075,9 km de malha, dos quais 1.414.982 km não pavimentados, ou seja, quase 88% do total eram de terra6!

A maior parte de estradas de terra, aliada às péssimas condições de nossas estradas asfaltadas, por falta de manutenção, cobram um alto preço em vidas humanas, além da óbvia deterioração dos veículos o que obriga sua manutenção constante e dos riscos à carga, seja pela condição das estradas ou pelo perigo de roubo, decorrente da insuficiente fiscalização, o que onera em muito o seguro.

Por sua vez, a malha ferroviária brasileira é de apenas 29.817 km7. Irrisória diante de nossa extensão territorial. Após seu quase sucateamento nos decênios anteriores, só a partir da desestatização ocorrida em meados da década passada o quadro começou a reverter. Muito devagar infelizmente, pois não devemos esquecer que em 1960 a malha chegou a ter 38.287 km.

Por sua vez a malha hidroviária é de somente 13.000 km, mas poderia chegar a 63.000 km desde que realizados os investimentos necessários8.

O transporte marítimo brasileiro, excetuando–se o de longa distância (país a país) é denominado de transporte de cabotagem. O transporte de petróleo e gás predomina com 66% do total transportado em toneladas-quilômetro, enquanto o transporte de grãos e outros granéis sólidos são responsáveis por 28% enquanto os outros 6% são de carga geral (produtos diversos na forma acondicionada)9. Em 2004, foram movimentadas 148 milhões de toneladas via cabotagem segundo a ANTAQ enquanto que por via rodoviária movimentaram-se em 2006, segundo a FIPE, 1.104 milhões de toneladas10.

Uma outra modalidade de transporte existente é a dutoviária, ou seja, através de tubos. Bem mais barata que as modalidades rodoviária ou ferroviária para produtos como petróleo e gás natural, tem ganho destaque principalmente com o gasoduto Bolívia – Brasil, com 2.593 km na parte brasileira. Oleodutos como o da encosta da Serra do Mar em São Paulo e o de Guararema são outros exemplos de seu uso. Infelizmente são apenas 30.000 km de tubos no Brasil, enquanto nos EUA a malha dutoviária é 13 vezes maior11.

Vale lembrar que os valores dos fretes rodoviários são significativamente maiores que os de quaisquer outras modalidades, exceto a aeroviária, conforme comparativo abaixo12:

comparativo

Geraldo Vianna, presidente da NTC & Logística afirmou que “O frete rodoviário que se pratica no Brasil é um dos mais baratos do mundo, para quem o paga; mas o custo final do transporte acaba sendo caríssimo para a sociedade.” 5

Essa declaração está baseada em que há uma alta oferta no mercado de transporte rodoviário, existe pouca regulamentação para o setor, além de baixa fiscalização, o que reduz obviamente os preços do serviço, mas também, afeta em muito sua qualidade. Aumentar os preços, nas atuais circunstâncias é infelizmente impossível, apesar de que o custo do transporte rodoviário no Brasil está com uma defasagem à menor segundo o CNT, de 42%!

Para compensar o alto custo e o baixo preço do frete, o transportador de carga faz alguns sacrifícios realmente temerários: reduz as manutenções do veículo, aumenta excessivamente a jornada de trabalho, carrega o veículo acima do peso máximo tolerado e muitas vezes, fica inadimplente com o fisco.

Essa negligência no transporte nacional gera um alto custo para a sociedade brasileira. Vejamos alguns dados alarmantes na última pesquisa da CNT/COPPEAD5:

- O número de mortes por quilômetro em estradas brasileiras é de 10 a 70 vezes superior ao dos países desenvolvidos;

- A produtividade do transporte de carga no Brasil é de apenas 22% da norte americana;

- Para cada US$ gerado no PIB brasileiro pelo setor de transportes, são gastos 84.000 BTUs (unidade de medida de energia americana) contra 65.000 BTUs nos EUA;

- frota rodoviária com idade média de 17,5 anos e locomotivas com idade média de 25 anos; estradas com condições péssima, ruim ou deficiente em 78% dos casos;

- cerca de R$ 118 bilhões de excesso de estoque são mantidos pelas empresas brasileiras ao longo das cadeias produtivas como forma de se proteger das ineficiências do transporte, conseqüência de atrasos, acidentes e roubos de carga.

Esse excesso de estoque representa capital investido e sua liquidez depende do mercado. São literalmente “bilhões parados em caixa”.

Além disso, verificamos que apenas por existirem, os estoques geram uma série de custos adicionais chamados de custo de posse do estoque:
- aluguéis, manutenção e impostos das áreas de armazenagem ou depreciação do imóvel;
- seguros;
- mão-de-obra para controle dos estoques;
- obsolescência e perdas.

Um dimensionamento errado do volume de estoques fará com que a empresa fique sem produtos para atender seus processos fabris e/ou seus clientes ou, por outro lado, perderá dinheiro com o possível encalhe desses estoques mal planejados.

Torna-se, pois, estratégico para qualquer empresa, o controle adequado de seus estoques de forma a reduzir os custos gerados pela existência deles.

O ideal para as empresas seria efetuar as aquisições de estoques somente para atender os pedidos de seus clientes ou efetuar compras ou produção nos chamados lotes econômicos e, assim, obter a redução dos custos envolvidos.

Infelizmente, a assim chamada entrega just in time (a tempo) é muito difícil de obter no país. Em primeiro lugar por depender de que o fornecedor atenda no prazo estipulado, além de todos os problemas logísticos envolvidos entre as partes. Qualquer planejamento prévio que tenha sido feito por uma empresa ficará bastante prejudicado.

Na situação atual, parece que o Brasil está perdendo a guerra logística e isso dificulta sobremaneira sua competitividade no cenário mundial globalizado, por afetar a competitividade das empresas brasileiras que tem de arcar com esses altos custos, sem possuir muita margem de manobra.

Algumas possibilidades

Num mundo ideal, as cidades seriam planejadas conforme a disponibilidade de recursos e não haveria problemas maiores com a logística. Como não podemos simplesmente abandonar as metrópoles atuais e “mudar-nos para o campo”, temos de trabalhar com o que se apresenta.

Não sejamos ingênuos em acreditar que esse cenário poderá ser revertido facilmente. Há dezenas (para não falar em centenas) de anos de decisões erradas e interesses políticos que nos separam de uma logística de primeiro mundo.

O CNT junto ao COPPEAD elaborou alguns possíveis planos de ação para o transporte brasileiro em geral5.

Em relação ao transporte rodoviário, eles propõem o estabelecimento de regras para a entrada e permanência no mercado, dos prestadores do serviço de transporte rodoviário de carga. Isso permitiria uma concorrência mais leal nesse mercado.

Melhoria nos mecanismos de controle da legislação é outra proposta. Não basta haver regras, elas precisam ser seguidas e para isso, necessita-se de fiscalização. Além disso, essa fiscalização precisa ser bem mais ampla e muito mais rápida do que a existente hoje.

Regulamentar o pagamento de estadia ao transportador, visando agilizar os processos de carga e descarga, onde hoje são comuns esperas de mais de 24 horas, é outra proposta.

Só nesses três planos citados, notamos a necessidade de um envolvimento maior dos poderes legislativo, executivo e judiciário nas esferas federais, estaduais e municipais, a fim de, não só gerar novas legislações, como fazer cumprir as já existentes. Não é coisa fácil.

Caso a legislação permita, o uso de equipamentos eletrônicos (como as etiquetas de identificação por rádio freqüência – RFID, por exemplo) poderia agilizar a fiscalização, a carga e a descarga, sem um acréscimo exponencial em pessoal, como já ocorre em muitos portos que lidam com containers. Barreiras eletrônicas, espalhadas pelo país, fariam a leitura e o peso da carga quando da passagem dos veículos e a comparariam com as notas fiscais e os conhecimentos de transporte inseridos, num grande banco de dados nacional de cargas e despachos. Para divagar mais um pouco, tal tecnologia poderia servir inclusive, de disparo à fiscalização humana quando houvesse divergência substancial de peso, por exemplo.

Outro plano da CNT é o de modernização do transporte rodoviário. Segundo eles, o estabelecimento de linhas de financiamento para a modernização da frota e o incentivo ao desenvolvimento da qualidade no setor são os fatores chave. Isso passa pela fusão de empresas de transporte, da mesma forma que ocorre com os bancos. A verdadeira competição passaria a ser entre modais e não mais entre as empresas de transporte rodoviário. A inovação tecnológica mais uma vez é a chave.

Por fim, o plano de melhoria da infraestrutura existente. O Brasil já concedeu à iniciativa privada, em troca de investimentos no setor, a exploração do pedágio em diversas rodovias do país. Pedágio esse, entretanto, ainda muito caro para a realidade nacional.

Por sua vez, a grande maioria das estradas, ainda em poder do Estado, precisa urgentemente de um programa efetivo de manutenção, priorizando as rodovias que favorecem a intermodalidade. Investimentos nessas rodovias propiciariam a médio prazo, sua concessão à iniciativa privada.

O transporte ferroviário a seu turno, precisa ser incentivado. Apesar de caro em sua implantação, sua manutenção é baixa quando comparada com a do transporte rodoviário. Explorando a intermodalidade, centros de transporte ferroviário poderiam ser criados em regiões estratégicas do país, que recebessem por rodovia a produção agrícola, mineral ou industrial das imediações e utilizando o sistema piggy-back (carretas rodoviárias sobre vagões ferroviários) levá-la até próximo dos centros consumidores e daí, por rodovia, às cidades. Por comparação, as ferrovias seriam as artérias de escoamento, enquanto as rodovias os capilares de suprimento.

A cabotagem precisa de investimentos para crescer, igual à malha ferroviária. Novos navios precisam ser adquiridos a fim de atenuar a freqüência limitada de partidas e para isso, são necessários principalmente financiamentos governamentais para sua construção ou aquisição. Modernização e ampliação dos portos existentes e de rotas ferroviárias até eles também é prioritário para poder se aproveitar a intermodalidade proposta anteriormente.

A navegação interior infelizmente esbarra em questões ambientais, pois para aumento da malha existente, fazem-se necessárias intervenções no curso natural dos rios, o que além de caro é questionável do ponto de vista ecológico. São necessários estudos honestos e concretos que deixem clara a relação custo x benefício nessa empreitada. À primeira vista, os benefícios do uso dos rios para o transporte, principalmente agrícola, no Brasil é indiscutível. Como vimos no comparativo dos valores de frete, o modal aquaviário (cabotagem + fluvial) é um dos mais atraentes.

As dutovias, por sua vez, tem seu uso limitado a produtos líquidos e gasosos, notadamente petróleo e gás natural, embora minerodutos sejam utilizados também, ao agregar-se água ao minério. Não podemos esquecer que o próprio transporte de água dos mananciais às cidades é feita por tubos, o que barateia bastante sua distribuição. As dutovias devem ser muito bem planejadas e considerar, sempre que possível, o uso da gravidade para o escoamento, reduzindo assim a energia necessária para bombear / pressurizar as substâncias até seus destinos. Por se tratar do modal mais barato em questão de frete, vale muito a pena estudar a ampliação de seu uso no Brasil.

Uma outra modalidade que merece observação, é o da esteira transportadora. Só por curiosidade, a mais longa do mundo foi colocada em operação em 2005 na Índia, levando por 35 km, calcário de uma mina indiana para uma fábrica de cimento em Bangladesh13. No Brasil ela está presente em mineradoras e agroindústrias, para citar alguns usos. Há planos de construção, pela MRS Logística, de uma esteira que ligará o pátio da empresa em Santo André ao terminal da Cosipa em Cubatão.

Conclusão

Aquilo que hoje é nossa deficiência pode passar a ser nosso diferencial. As grandes distâncias citadas fazem o Brasil ser um desafio para os transportes. Parece ser impossível solucionar esse dilema diante do quadro atual. Mas isso mudará se o governo e as empresas derem a devida atenção ao setor.

Não é coisa para vinte, ou mesmo cinquenta anos, é para começar já e ir crescendo junto com a nação. As inovações que podem ser geradas no Brasil, decorrentes das dificuldades encontradas, além de propiciarem economias substanciais ao país, criarão também uma nova fonte de receitas, seja pelo desenvolvimento de tecnologias ou pela criação de metodologias revolucionárias, bem como pela geração de empregos e melhorias na qualidade de vida. É toda uma indústria, hoje subexplorada, esperando que empreendedores de visão surjam e a aproveitem. Isso não é impossível de ocorrer. Basta haver vontade.

O Brasil pode tornar-se um modelo mundial em logística e vencer a “guerra” da globalização.

 Artigo escrito por Henrique Montserrat

Referências

1. Santos, Almir G. Logística, FGV, 2002.
2. Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano SA.
3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
4. Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano SA.
5. Confederação Nacional do Transporte.
6. Guia do TRC.
7. ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres
8. ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários
9. Alvarenga, Antônio Carlos; Novaes, Antônio Galvão N. Logística Aplicada, Edgard Blücher, 2000
10. FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
11. Brasil Energia
12. Adaptado de apresentação do Engº Renato Casali Pavan
13. ConveyorBeltGuide

 

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