A 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos de ação anulatória promovida pela RCT - Transportes de Cargas e Locação de Veículos Ltda. contra a Prefeitura Municipal de São Paulo, a exemplo do que já fora decidido pela 6ª e 10ª Câmaras da Alta Corte estadual, acolheu, por unanimidade, recurso interposto em face de decisão monocrática que lhe era desfavorável.
O Acórdão declarou nulas as multas por não indicação do condutor (MULTAS NIC) aplicadas pelo DSV de São Paulo em face da circulação de Veículo Urbano de Carga – VUC, de propriedade da RCT, na Zona Máxima de Restrição à Circulação de Caminhões – ZMRC.
Todavia, não se trata apenas de mais uma decisão da Alta Corte estadual que chancela a tese que sustentamos desde 2012. Trata-se de Acórdão que, dentre outras preciosidades, aponta para um princípio constitucional da intransferibilidade da pena que vem sendo transgredido sistematicamente pela municipalidade desde que a MULTA NIC foi erigida a inesgotável fonte de receita do erário público, ingressando nos cofres municipais sob a epígrafe “receitas correntes - multas à legislação de trânsito”.
O voto do desembargador Souza Meirelles, relator do Acórdão, só não foi melhor porque não veio antes, haja vista tratar-se de ação distribuída em 2013. As razões que alinhou somam-se ao repertório jurisprudencial que se vai avolumando, de modo a descortinar uma realidade que já enxergávamos e nos credenciara a patrocinar diversas ações do setor de cargas e passageiros. Todavia, muitas destas medidas judiciais só agora aportam no Tribunal de Justiça de São Paulo, quando muitos empresários, com justa razão, pelo decorrer do tempo, delas já se haviam desencantado.
Há muito que se refletir sobre esse desencanto. Embora o Judiciário seja o reduto insubstituível no Estado Democrático de Direito para dirimir as controvérsias oriundas das recorrentes violações promovidas pelo Poder Público, verifica-se que as suas decisões, em muitos casos, acabam sendo extemporâneas e por isso ineficazes para fazer cessar a violação a tempo de evitar o dano, servindo apenas, e não é pouco, para revelar o direito daquele que se insurge contra a aplicação ilegal de multas de trânsito.
Por outro lado, o sistema recursal administrativo encontra limites rígidos não só na deficiente formação dos membros de colegiados, como também na força da ideologia pró-Estado que permeia parte das decisões. Afirmo com experiência pessoal de ex-membro do CETRAN durante cinco mandatos.
Sem embargo, cabe transcrever trechos da equilibrada decisão prolatada na 13ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Senão vejamos:
“As circunstâncias factuais e as energias literais do art. 257, §3º, do Código de Trânsito Brasileiro, modificam substancialmente as reflexões no tangente a esta matéria porquanto se estabelece que ao condutor do veículo caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.
Se assim é, resulta relativamente óbvio e linear que do condutor, aqui ressabidamente um empregado da empresa proprietária, não se pode exigir que preencha cadastro do veículo e obtenha a autorização especial de tráfego junto ao órgão municipal de trânsito, exigência que não se confina à formalização mesma do cadastro, mas se estendendo ao imperativo de mantê-lo atualizado, do contrário a infração estará do mesmo modo caracterizada.”
O voto unânime discorreu sobre a questão da indissociabilidade da figura do infrator com a infração que lhe é atribuída. Quer dizer, não pode o órgão autuante atribuir a alguém uma infração que não lhe pertence no plano da responsabilidade legal. Veja a forma brilhante com que o relator aborda essa crucial questão:
“A distinção entre infrações praticadas na esfera de imputação pessoal do condutor e aquelas que são indissociáveis da condição de proprietário tem sido adotada pela jurisprudência em outras infrações catalogadas no CTB.
Disto resulta que o condutor assalariado, como todo concidadão, acha-se adstrito às regras gerais de circulação, mas não tem a menor condição de saber se as licenças burocráticas específicas, concernentes ao patrimônio e inseparáveis da atividade econômica da empregadora, estão em ordem ou não, de molde que a tentativa de irrogar àquele alguma espécie de punição a esse título está a significar a perspectiva de a pena transcender efeitos para além da personalidade do real infrator, com o quê qualquer sistema de sancionamento não pode se compadecer sem tangenciar as sombras da iniquidade.”
Iniquidade. Esse foi o adjetivo utilizado pelo desembargador Souza Meirelles. Não poderia valer-se de outro qualificativo. Iniquidade, vale lembrar, é o injusto, o mau, o cruel. Assim é no caso vertente. O DSV, pelo menos nos últimos cinco anos, agiu de forma iníqua em face dos legítimos interesses dos setores de carga e passageiros que operam na Zona Máxima de Restrição. Diga-se, a bem da verdade, algumas empresas, de menor porte, não resistiram ao baque representado pela ganância do DSV nessa matéria. Literalmente, fecharam as portas. Afinal, de que forma arrostar a aplicação de multas originárias de infrações lavradas em cerca de 10, 20 ou 30 dias, mas que muitas vezes alcançavam cifras acima de R$50.000,00? E sem o menor embasamento legal?
Para finalizar, registro que há várias demandas em andamento impugnando as MULTAS NIC aplicadas pelo DSV a transportadores que transitaram nas ZMRC ou ZMRF. Algumas das quais são acompanhadas por este advogado com brilho próprio. É que algumas empresas, desiludidas, perderam o interesse. Muitas simplesmente pagaram as MULTAS NIC para licenciar seus veículos. Outras fecharam as portas. Essa é a realidade.
De qualquer forma, trata-se de mais um capítulo em nossa longa jornada de advogado de transportador. Não é a primeira e nem será a última vez que os resultados aparecem depois de consumado parte do prejuízo. E, nesses casos, a reparação nunca será integral. Fica a sensação de que poderíamos fazer mais. Mas, isso não depende só deste advogado.
Em 06.03.2017
Dr. Moacyr Francisco Ramos
Especialista em Direito de Trânsito e Transporte
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