Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes
A terceirização dos serviços logísticos é um fenômeno crescente, não só no Brasil como em todo o mundo. E isso acontece na medida em que os usuários desses serviços, além de estarem satisfeitos com os serviços adquiridos, também passaram a entender ser este um dos caminhos mais curtos e eficientes para aumentar a eficiência logística de suas cadeias de suprimentos, reduzir seus estoques, melhorar o atendimento de seus clientes e diminuir seus custos.
Dados da Armstrong & Associates relativos a 2017 dão conta que de um total de US$ 8,8 trilhões gastos em logística no mundo todo (cerca de 11% do PIB mundial), aproximadamente 10% foram através de serviços terceirizados, ou seja, quase US$ 900 bilhões. O Brasil, em termos de terceirização dos serviços logísticos está na média mundial. Entre 10 e 11% da logística brasileira é realizada pelos operadores logísticos (mais ou menos US$ 25 bilhões). Os custos logísticos no Brasil, segundo estudos do Instituto de Logística (Ilos) também relativos a 2017, estão próximos dos 12% do PIB nacional. Segundo estudos da Fundação Dom Cabral (FDC) e da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol), para esse mesmo período, a Receita Operacional Bruta dos 269 operadores logísticos que compõem o setor foi de R$ 81,4 bilhões (ao câmbio médio de R$ 3,2, tem valor equivalente a US$ 25,4 bilhões).
Observa-se, como demonstram diversas pesquisas que se no começo do processo esses empresários “compravam” serviços logísticos mais simples, agora terceirizam atividades mais complexas e sofisticadas. Sempre buscando a melhoria de seus processos, notadamente aqueles voltados à geração, produção e tratamento rápido e fidedigno dos dados e das informações pertinentes, as empresas querem operadores logísticos que primam, cada vez mais, pelo desenvolvimento tecnológico, por programas de gerenciamento de riscos mais eficazes (1) e, claro, qualidade.
Como resultado, a terceirização das atividades logísticas passou a ser cada vez mais comum, não só em volume como em quantidade de serviços prestados. E em quase todos os segmentos da atividade econômica. Não é à toa, também como indicam os últimos levantamentos, que tem aumentado o número de operadores logísticos em atividade, assim como o faturamento médio de cada um deles.
Sabe-se que são diversos os motivos pelos quais as empresas terceirizam suas atividades logísticas, sendo a busca pela redução de custos, um dos principais. Mas variáveis relativas à qualidade, à segurança, à garantia de entrega dos serviços contratados (2), ao relacionamento (3) e à ética, também passaram a ter suas importâncias aumentadas em todo e qualquer processo seletivo. A busca por maior eficiência operacional, redução de investimentos em ativos, foco no seu próprio “core business”, maior flexibilidade operacional e acesso junto às tecnologias mais avançadas, também passaram a ser apontados como itens importantes de avaliação.
Por outro lado, quando são realizadas pesquisas a respeito dos motivos pelos quais os operadores logísticos são dispensados e substituídos por outros, os resultados chamam a atenção. Pesquisa realizada pelo Ilos em 2017 indicou que 94% dos entrevistados trocaram de operadores em face da má qualidade dos serviços prestados. 56% porque consideravam o operador logístico pouco flexível a mudanças e 52% porque ele tinha baixa capacidade de propor novas soluções. Analisando-se o estudo mais detalhadamente, verifica-se que no momento de se decidir sobre a rescisão de um contrato com um operador logístico, os motivos que mais evoluíram foram a ‘dificuldade de relacionamento’, ‘pouca capacitação tecnológica’ e ‘problemas éticos’.
Em outra pesquisa, sobre Parâmetros de Performance, realizada pela Frota & Cia e a Logweb, “nível de serviço”, “gestão da qualidade”, “custo-benefício” e “tecnologia da informação” foram os itens com as maiores notas. A pesquisa foi feita junto a 299 embarcadores de cargas de sete segmentos econômicos diferentes (automotivo, calçados, cosméticos e higiene, eletroeletrônico, farmacêutico, químico e metalurgia/siderurgia). Coincidentemente esses setores são alguns dos que mais terceirizam suas atividades logísticas, conforme pesquisa realizada em 2018 pela FDC e a Abol.
Também quando se analisam os resultados a respeito das atividades que mais os operadores logísticos precisam melhorar, sob o ponto de vista dos usuários, ficam patentes as contínuas exigências para melhorias na qualidade dos serviços prestados, na capacitação de seus funcionários e na inovação, notadamente aquelas voltadas à tecnologia de informações (4).
Foi com base nessas e outras pesquisas – motivos para contratar, parâmetros para avaliar o desempenho e motivos para dispensar um operador logístico – que conclui, em artigo aqui já publicado (5), o fato de que já há, no setor, uma clara compreensão de que é preciso considerar o conceito da “relação custo-benefício”, quando se quer escolher um novo operador logístico. Isto é, as avaliações feitas pelas empresas contratantes, ao mesmo tempo em que comparam custos (preços oferecidos pelos operadores), também levam em consideração outras variáveis, tais como qualidade e benefícios. E incluindo, agora de forma mais explícita, a forma de ‘relacionamento’ e a ‘ética. Em resumo, é fundamental que se avalie que valores poderão os operadores contratados agregarem (ou não) ao produto ou ao serviço da empresa contratante.
Como se vê, essas pesquisas reforçam o fato, como já salientado, que usuários de serviços logísticos terceirizados têm cada vez mais em conta, a chamada relação “custo-benefício” como conceito necessário para a aquisição desses serviços. Corrobora-se com o entendimento, principalmente nos mercados mais maduros e para uma parcela significativa de empresas, que os tomadores de serviços estão dispostos a terceirizar suas atividades, inclusive aquelas mais complexas, mesmo com preços maiores, posto que o relevante a ser considerado, e que de fato é o que justificará a terceirização, são os benefícios que essa contratação poderá gerar.
Não é sem importância, portanto, que os pesos dados a outros itens, que não o preço dos serviços a serem contratados, tem sido cada vez maior no momento em que se selecionam fornecedores. Os compradores precisam estar totalmente seguros da continuidade de suas operações no momento de “entregarem nas mãos de terceiros” a logística de suas empresas. É preciso ter certeza que está sendo escolhido o prestador de serviços mais adequado e com condições de oferecer respostas eficazes aos problemas logísticos da sua empresa e de toda a sua cadeia de abastecimento e distribuição. É neste momento que ‘confiança’ no operador logístico e ‘comprometimento’ junto a ele, passam a ser fundamentais na construção de uma parceria que busca êxito operacional e a geração de um relacionamento de sucesso. Essas são as variáveis que, de fato, determinarão concreta lealdade do operador junto ao seu cliente.
Não se pode esquecer que, geralmente, contratos firmados entre usuários e operadores de serviços logísticos dificilmente são de curtíssimo ou curto prazos. Na sua maioria, a menos que algo grave aconteça, esses contratos são de médio e longo prazos, o que obriga, tanto ao contratante como ao contratado, manter relacionamentos diários. O professor Peter Wanke, coordenador do Centro de Estudos em Logística, Infraestrutura e Gestão (Celig) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) não deixa por menos quando afirma que antes de contratar um operador logístico é preciso “ter em mente que as parcerias logísticas, por mais benefícios que possam gerar e por mais histórias de sucessos que sejam divulgadas em revistas especializadas, são relações comerciais caras em função do tempo e do esforço consumido para sua operacionalização no dia a dia”.
Consequentemente, variáveis como “experiência do operador” e “qualificação de seu pessoal”, tem tido lugar importante nos processos de seleção. E não é à toa, também comprovado por pesquisas recentes (6), que a quase totalidade dos operadores logísticos investem percentuais significativos no desenvolvimento de seus funcionários, de seus colaboradores terceirizados, em certificações de qualidade e em investimentos para desenvolvimento tecnológico, inovação e modernização e melhoria de suas instalações, infraestrutura e equipamentos operacionais e/ou administrativos. De fato, os operadores logísticos tem plena consciência de que, respeitando sempre as melhores práticas de governança, precisam contribuir para a preservação do meio ambiente, para elevação da qualidade e da segurança dos serviços prestados. Não há que se correr riscos conhecidos. Apenas como ilustração: pesquisa global de gerenciamento de riscos da Aon tem indicado, nos últimos anos, que no setor de transporte terrestre o “risco” mais temido por todos é aquele que pode prejudicar a marca ou a própria reputação da empresa.
Dentro desse cenário, é imprescindível que a logística seja colocada no topo da hierarquia das empresas, alinhada à própria estratégia dessas empresas (7) e não se limitando a instituir processos de compra que avaliem somente os preços dos serviços a serem adquiridos (8). Esta é a forma de consolidar, junto aos tomadores de serviços, a compreensão de que a compra de serviços logísticos é muito mais complexa do que a compra de “commodities”. E, para os operadores logísticos, o entendimento de que é condição “sine qua non”, para sua sobrevivência no mercado, oferecer serviços com custos competitivos, mas, sobretudo que agregue valores aos clientes, que exigem, qualidade, excelência operacional, segurança, atitudes inovadoras e respeito ao meio ambiente, à ética e à legalidade.
(1) No dia 11 de março, aqui mesmo na Tecnologística, publiquei artigo específico: “As operações logísticas atuais exigem programas de gerenciamento de riscos mais eficazes e apólices de seguro compatíveis. Mas isso só não basta”.
(2) “A garantia do nível de serviço acordado é importante não apenas por estabelecer os níveis mínimos, mas, principalmente, por garantir coerência do desempenho da operação com a estratégia da empresa contratante, evitando que sejam disponibilizados serviços em qualidade inferior ou superior à necessária” (prof. Marco A. Paletta, da Faculdade de Tecnologia Prof. Luiz Rosa).
(3) “Relacionamento pessoal contribui para o sucesso e a terceirização?”. São diversos os estudos que indicam os aspectos comportamentais, tais como confiança e comprometimento, como necessários para uma relação de lealdade, fidelidade e expansão dos negócios. Aqui mesmo no Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela Tecnologística, em 2010, o item confiança chegou a 73% das respostas, enquanto o comprometimento ficou na casa dos 62%. Pesquisas de universidades americanas (Arkansas, John Carrol e Ohio State), da mesma época, também demonstraram que ‘confiança’ e ‘comprometimento’ são características que determinam a lealdade dos operadores logísticos junto aos seus clientes.
(4) Pesquisa realizada pelo Ilos (“Sofisticação na Logística Brasileira”) em 2017, indicou que o maior ‘gap’ (36%) entre Empresas Referência (aquelas que adotam os processos e as tecnologias mais modernas e avançadas) e a Média do Setor, está na atividade de TI.
(5) “A Abol e os Operadores Logísticos exercem papéis fundamentais para o crescimento e desenvolvimento econômicos” – Portal Tecnologística, em 12/11/2018
(6) “Perfil dos Operadores Logísticos no Brasil”, de 2018, elaborado pela FDC (Fundação Dom Cabral) e Abol (Associação Brasileira de Operadores Logísticos)
(7) Tenho chamado esse alinhamento – da logística à estratégia empresarial – de “Cultura Logística”. Artigo, abordando esse assunto, foi publicado na Revista Mundo Logística nº 37, em setembro de 2013. Chopra e Meindl definem ‘alinhamento estratégico’ como sendo a busca dos mesmos objetivos, isto é, compatibilidade de prioridades entre contratante e contratado (Sunil Chopra e Peter Meindl, “Gerenciamento da cadeia de suprimentos: Estratégia, Planejamento e Operação”. São Paulo, Prentice Hall, 2003).
(8) Artigo específico que trata sobre as características dos operadores logísticos modernos (“O momento econômico e os operadores logísticos”) foi publicado, inicialmente, na Revista Mundo Logística nº 46, em maio de 2015 e, posteriormente, no Portal Guia do TRC, em novembro de 2015.