Agravamento do trânsito altera o comportamento dos motoristas

Publicado em
29 de Maio de 2013
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De acordo com o Detran-RS, o excesso de velocidade (851.093) é a multa com maior incidência

O agravamento das condições de trânsito traz uma nova realidade às ruas das principais capitais do País. Em Porto Alegre, no apagar das luzes, em dezembro, e no amanhecer de janeiro foi cercada pelo início de pelo menos dez obras. De lá para cá, mais quatro foram iniciadas. São corredores de ônibus, elevadas, viadutos, duplicações de pista entre outras melhorias realizadas para a Copa do Mundo em 2014. Essa situação determina uma alteração no comportamento dos motoristas gaúchos, em especial, os da Capital. Os reflexos podem ser sentidos na alteração das infrações de trânsito.

A realidade é nova para alguns, mas há uma pergunta onde as respostas não permitem singulares: qual é a pior prática dos gaúchos no trânsito? De acordo com o Detran-RS, o excesso de velocidade (851.093) é a multa com maior incidência, seguida pelos veículos com características adulteradas (241.083), estacionamento em locais impróprios (170.615), não utilização do cinto de segurança (122.418). O ranking das infrações ainda é complementado por atender o telefone (92.921), avançar com o sinal vermelho (90.433) e ultrapassar pela contramão (51.408).

Os dados de Porto Alegre dizem muito sobre a atitude dos condutores gaúchos. Isso porque na cidade onde o menor intervalo de tempo é calculado entre a abertura do sinal e a buzina do carro que está atrás, o mau comportamento impera. No Rio de Janeiro, especialmente nos horários de rush, há carros parados sobre a faixa de pedestres, pessoas atravessando entre veículos, bicicletas na contramão, motos em cima de calçadas e motoristas fechando o cruzamento. Na cidade de São Paulo, onde os engarrafamentos batem recordes, e a frota de veículos é quase três vezes maior, os motoristas parecem andar mais na linha, segundo os especialistas e pessoas que viveram nas duas capitais.

Os cariocas parecem não gostar mesmo de sinal fechado. As multas por avanço com a luz vermelha, em 2012, chegaram a 301 mil. Em São Paulo, houve cerca de 100 mil autuações a menos por esse tipo de infração no mesmo ano, de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP). Isso, apesar de a rede de fiscalização do Rio ser menor: são 313 radares e lombadas eletrônicas, além de 1.200 guardas municipais nas ruas. Em São Paulo, há 582 radares e 3.150 agentes com poder de multar.

Em São Paulo, as multas por estacionamento na calçada caíram 3,5% de 2011 para 2012 e totalizaram 83,4 mil. A quantidade é a metade da registrada no Rio, que teve 169,9 mil multas em 2012, um aumento de 13% em relação a 2011. Para especialistas, comparar a civilidade dos condutores cariocas e paulistanos é difícil, pois é necessário levar em conta a frota — no Rio é de 2.636.264 veículos e em São Paulo, de 7.379.534 —, a quantidade de fiscais e radares e o enfoque dado a multas de determinadas infrações. Em Porto Alegre, a frota já é de 1,2 milhão de veículos.
Autor do livro Fé em Deus e pé na tábua — Como e por que o trânsito enlouquece no Brasil, o antropólogo Roberto DaMatta diz que em São Paulo, assim como em Porto Alegre e Brasília, a discussão sobre educação ocorre há mais tempo. “São Paulo aprendeu primeiro na prática que é melhor o igualitarismo para resolver o problema do que bater. Em São Paulo, há mais cordialidade e cautela. É o bom senso: é melhor que eu pare na esquina para o outro passar do que bater”, afirma.

O sociólogo e consultor de programas de educação no trânsito para o Deteran-RS, Eduardo Biavati, identifica uma regressão no comportamento dos porto-alegrenses ao volante. Apesar de a Capital gaúcha apresentar um índice de mortes por 100 mil habitantes abaixo da média nacional, a relação com São Paulo é bastante desproporcional. “É uma impressão de que em São Paulo, por incrível que pareça, em termos de morte por 100 mil habitantes é o mais baixo do Brasil entre as capitais. Por incrível que pareça, apesar da fama, a capital paulista é o lugar mais seguro para circular no trânsito. A probabilidade de atropelamentos é menor do que em outras capitais”, comenta. Por aqui, os atropelamentos encerraram 2012 com 2,1 mil mortes, o equivalente a 22% das vítimas fatais no trânsito.

O taxista Marco Teixeira afirma que o motorista gaúcho tem por cultura algumas características agressivas ao volante. Ele destaca a não utilização e o desrespeito aos sinais e o tráfego em baixa velocidade na faixa da esquerda. “O pior problema é a falta de educação. O pedestre também é agressivo. Nunca vi um pedestre tão sem educação quanto os daqui. É claro que existe a faixa de segurança e que temos que respeitar. O motorista tem que respeitar, mas o próprio pedestre não respeita”, comenta.

Para Teixeira, essa não é uma realidade recente. “O gaúcho se acha e tem essa cultura louca de que é o melhor. Todo gaúcho deveria sair um tempo do Estado para perceber que isso não é realidade”, defende o policial aposentado que morou 12 anos na Capital paulista, antes de adquirir um taxi em Porto Alegre. Roberto daMatta confirma. “A cordialidade no trânsito é o reconhecimento do outro como tal, como uma pessoa como você. Se está com pressa, tem que pensar que os outros também estão. Se não, você vai morrer e não vai a lugar nenhum”, resume.

Taxista prefere usar ônibus para se deslocar na Região Metropolitana

A nova realidade no trânsito de Porto Alegre alterou a rotina de Marino Oliveira Lima. Morador de Viamão, o motorista profissional tem preferido deixar o carro na garagem e utilizar o transporte público, diariamente, para chegar e sair da Capital. Segundo ele, a opção é responsável por economizar cerca de 30 minutos no trajeto que “em outros tempos” não levaria uma hora se feito de automóvel. “Hoje é impossível fazer Viamão-Porto Alegre em menos de uma hora, mas os ônibus utilizam os corredores e chegam meia hora antes. Por isso, meu táxi tem ficado em Porto Alegre e meu carro na garagem em Viamão” revela.

Para Lima, alguns caminhos corriqueiros foram alterados e prejudicam ainda mais os deslocamentos na Capital. “Quem vem de fora se depara com uma obra monstruosa pela frente. É só sair do itinerário e pronto, já se está perdido e aí acabam atrapalhando outras vias de circulação em busca de retomar o caminho. Se obrigam a parar e trancam o trânsito, pois já não sabem o que estão fazendo. Isso pode ser visto, principalmente, nas entradas da cidade”, afirma. O taxista aponta as avenidas Protásio Alves, Assis Brasil, Osvaldo Aranha, além dos trechos em obras no Aeroporto Internacional Salgado Filho e na Rodoviária como os principais focos de transtornos.
“Quem chega à cidade pela rodoviária com a intenção de acessar a avenida Voluntários da Pátria se depara com uma obra e acaba caindo na Osvaldo Aranha. E como eles fazem para voltar? Para chegar à rodoviária, muitos não sabem nem para onde ir e acabam se perdendo. Não acho que faltou planejamento. Todos sabiam das obras. Só que Porto Alegre é a capital do Estado e recebe muitos visitantes e quem vem de fora não tem essa noção e acaba atrapalhando ainda mais”, sintetiza Lima.

Sistema de monitoramento evita abusos de motorista profissional

A frota brasileira se aproxima dos 2 milhões de veículos de carga, que convivem diariamente com 70 milhões de automóveis e motocicletas nas avenidas e estradas do País. No entanto, apenas uma parcela ínfima destes motoristas profissionais passa por algum tipo de monitoramento, mesmo no que se refere ao roubo de cargas. A estimativa da Associação Brasileira de Prevenção de Acidentes de Trânsito é de que as perdas por furtos representem apenas 25% da perda de cargas por tombamentos – fruto na maioria dos casos de imprudências ao volante. Segundo a entidade, cerca de 90% dos acidentes têm como causa principal o comportamento dos condutores.

Eduardo Meirelles, gerente de desenvolvimento da 3T Systems, empresa que oferece soluções de monitoramento, diz que para cada roubo de carga há em média oito tombamentos. “Toda a carga tombada é saqueada ou inutilizada, portanto, o efeito é até mais grave do que o roubo, pois no roubo ainda se consegue recuperar”, analisa.

Com experiência em empresas de seguro, Meirelles, começou a desenvolver, há cerca de cinco anos, um produto que além de medir os riscos fosse capaz de influenciar o comportamento. Como nem 10% da frota utiliza mecanismos como tacógrafo e perimetrias, ele criou uma medição de intensidade e frequência das manobras, freadas, acelerações e curvas, por meio de análises sobre o tempo de permanência nas diversas faixas de velocidade.

Com informações de um GPS a cada 0,25 de segundo, o sistema mensura gastos reais e riscos de acidentese avalia o perfil do condutor pela estatística das manobras. Em seguida, a performance é comparada ao perfil de um condutor padrão, escolhido entre os motoristas da frota e os infratores são facilmente identificados pela ferramenta. “Este método é ideal para a criação de um modelo de gestão de melhoria continua”, garante.

Empresas investem em educação para reduzir efeitos dos acidentes
Com as alterações comportamentais que envolvem o trânsito, muitas empresas passam a valorizar as ações educativas. Isso porque os acidentes já constituem boa parcela dos afastamentos no ambiente organizacional e ampliam os gastos de atendimento médico hospitalar e as ações trabalhistas. Nem a Petrobras escapa desta nova realidade. Conforme o sociólogo, Eduardo Biavati, os incidentes sobre rodas já superam o número de mortes em acidentes de trabalho entre os mais de 200 mil funcionários da estatal petrolífera brasileira.

O cenário, segundo Biavati, é fruto da motorização da massa trabalhadora, sobretudo na faixa entre 20 e 30 anos de idade. As motocicletas, que já superam a marca de 20 milhões nas ruas do País, complementam o panorama de risco. “Um dos problemas é que a maior parte dos trabalhadores vem motorizando o seu deslocamento. Muitos deles em motocicletas. Há uma mudança nesse sentido. Mesmo nas empresas que oferecem transporte em micro-ônibus e táxis, as pessoas têm preferido os veículos particulares. Isso torna esse trajeto de casa ao trabalho um problema para as empresas”, revela.

O fato tem determinado uma ampliação da demanda por conscientização nas empresas. Especialista no assunto, o sociólogo diz não haver outra abordagem possível senão a exposição das fragilidades do corpo e a importância de pequenas mudanças comportamentais. “São atitudes simples, o cinto de segurança, o capacete que não foi prendido embaixo do queixo, aqueles 20 km/h ou 30 km/h a mais no velocímetro e acabam fazendo toda a diferença na hora de prevenir acidentes”, alerta.

Essa lição foi aprendida na prática por Pedro Azevedo de 26 anos. Em uma madrugada de julho de 2012, na volta de uma festa, depois de ter ingerido bebida alcoólica, ele colidiu com um poste na avenida Ipiranga, em Porto Alegre. Depois de dois meses internado para tratar da perfuração de órgãos e traumas em quatro costelas, no braço e na perna direita, ele ainda necessita de uma cadeira de rodas para se locomover.

Afastado do trabalho desde então, Azevedo, vivencia o outro lado do volante. “Para vencer trajetos simples no Centro da Capital necessito da ajuda da minha mãe. Fico pensando em como deve ser a vida de um cadeirante. Por sorte estou na etapa final do reforço muscular e, em agosto, devo recomeçar a caminhar”, projeta.

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