Com pelo menos 76 ocorrências até ontem, acidentes com cargas perigosas crescem em Minas e tendem a ultrapassar média histórica anual. Imprudência, excesso de trabalho e veículos sem manutenção aumentam o risco.
O risco que envolve cargas perigosas nas estradas de Minas cresceu em 2017 diante do aumento dos acidentes registrados na malha viária do estado com esse tipo de material. Prova disso é que, enquanto a média anual histórica de emergências ambientais rodoviárias com produtos tóxicos é de 95 casos, somente nos sete primeiros meses deste ano o número já chegava a 74, o que representa 77% do total de 12 meses, e pode chegar a 126, se a média de 10,5 ocorrências/mês for mantida.
A estatística não engloba duas batidas ocorridas ontem no estado, em que houve vazamento de carga tóxica, e que chamam ainda mais atenção para o aumento dos acidentes. O pior é que, além do dano ao meio ambiente e o risco para a saúde humana diante da exposição a esse tipo de produto no solo, no ar ou em cursos d’água, as polícias têm constatado um agravante em operações fiscais: imprudência ao volante, falta de manutenção dos veículos e excesso de horas trabalhadas pelos motoristas, sem descanso.
“Em 70% dos caminhões em geral fiscalizados é constatado algum tipo de irregularidade, como falta de manutenção, especialmente nos freios, pneus e parte elétrica. Também percebemos muita imprudência e irresponsabilidade dos motoristas, com excesso de velocidade e desrespeito ao tempo de descanso e que eles dirigem até 15 ou 16 horas seguidas. Com os veículos que transportam cargas perigosas, isso não é diferente”, afirma o tenente Pedro Henrique Alves Barreiros, comandante do Policiamento do Anel Rodoviário de Belo Horizonte. De acordo com o policial, há casos em que os caminhões estão com pneus carecas ou recauchutados, lanternas e faróis queimados e o motorista é flagrado sem o cinto de segurança, dirigindo com excesso de velocidade. “Isso tudo aumenta as chances e a gravidade de um acidente”, afirma.
Os casos de ontem foram registrados em duas rodovias federais. Na BR-040, a batida envolveu duas carretas e ocorreu às 7h, na altura do km 575, em Itabirito, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Um dos veículos transportava diisocianato de tolueno, também conhecido como TDI 80/20, produto considerado perigoso e, em tese, cancerígeno, usado na fabricação de espuma para colchões. O Corpo de Bombeiros usou terra e areia para fazer a contenção do produto, que é líquido e volátil. Depois de ser fechada, a pista foi parcialmente liberada por volta das 11h e assim permaneceu até o início da madrugada desta terça-feira. Segundo a PRF, o trânsito foi liberado à 0h30 de hoje, após o transbordo da carga e limpeza da pista.
Batida envolvendo duas carretas na BR-040 ontem provocou derramamento de produto perigoso e volátil usado na fabricação de colchões na pista, que teve que ser coberto com terra e areia
Já na BR-381, em Lavras, na Região Sul de Minas Gerais, um grave acidente matou duas mulheres e deixou soda cáustica espalhada na pista. As vítimas estavam às margens da pista pedindo carona quando acabaram atingidas pela carreta carregada com produtos corrosivos. Outros dois veículos de cargas se envolveram na batida, que ocorreu no sentido São Paulo/Belo Horizonte. Um homem foi encaminhado para um hospital da cidade com ferimentos. As causas da batida ainda estão sendo investigadas.
O fechamento de rodovias nos casos acidentes que envolvem produtos perigosos tem revelado ainda outro problema: o longo tempo em que as estradas permanecem fechadas para cumprimento de protocolo de segurança. O tenente explica que diante do risco de contaminação do meio ambiente e das pessoas é preciso seguir regras rígidas de identificação da carga, isolamento da área – alguns num raio de até um quilômetro – além de contenção e posterior transbordo do produto, para finalmente limpeza da pista. “Muitas vezes, a empresa responsável pela carga não tem nem mesmo um plano de emergência. Em outros casos, ela não é de Belo Horizonte ou de Minas e é preciso vir um caminhão de outro estado”, afirma.
LEGISLAÇÃO
O Batalhão de Polícia Militar Rodoviária é um dos órgãos que compõem um comitê que desde o mês passado trabalha para elevar o rigor no transporte de cargas perigosas em Minas. De acordo com a superintendente de Controle e Emergência Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ana Carolina Miranda, o grupo está discutindo e propondo medidas para evitar acidentes e também diminuir o impacto dessas tragédias para o meio ambiente, para as pessoas e, consequentemente, os transtornos que elas geram ao trânsito.
“As propostas devem incluir a exigência, às empresas, de uma plano de emergência, e a possibilidade de que elas tenham bases e equipamentos para fazer o atendimento em casos de acidentes em áreas situadas próximas à Região Metropolitana de Belo Horizonte, e também outras no estado”, explica Ana Carolina. Essa última medida foi adotada pelo município de São Paulo e pode ser seguida também em Minas.
Segundo a superintendente, a Semad já identificou trechos mais complicados para esse tipo de ocorrência, que são a BR-381, no sentido São Paulo, além de estradas da Zona da Mata e Triângulo Mineiro e da Grande BH. As proposições vão compor um projeto de lei que deve ser enviado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) até outubro.
Os trabalhos para a criação do PL são resultado de audiência pública convocada pela Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia. Membro da comissão, o deputado João Vítor Xavier (PSDB) destaca a importância da mudança na legislação. “O que a gente quer é uma legislação estadual que dê mais garantia de que o trabalho seja feito com mais segurança. Tem muita coisa que nem está prevista em legislação e é possível incluir para que a fiscalização seja mais rígida. Isso vai resultar em menos acidentes e também num menor impacto caso eles ocorram”, disse. Procurado, o assessor de segurança do Sindicato que representa as empresas de transporte de cargas em Minas não atendeu a ligação.
ALTO RISCO
Confira alguns dos acidentes com cargas perigosas em Minas neste ano
Uma carreta que transportava estireno monômero estabilizado, líquido altamente inflamável e asfixiante, tombou na BR-116, em Dom Cavati, na Região do Rio Doce. O acidente ocorreu por volta das 14h de um domingo e a pista só foi liberada 28 horas depois. O veículo saiu da pista e ficou pendurado às margens da rodovia. As causas não foram informadas.
tombamento de uma carreta que transportava 18 bombonas de ácido para uso na mineração fechou a BR-040 por mais de 12 horas em Nova Lima, na Grande BH, causando uma fila de mais de 22 quilômetros na estrada. O condutor sofreu ferimentos leves e foi levado para o hospital. As causas também não foram informadas.
O acidente com uma carreta bitrem carregada com 44 mil litros de óleo diesel fechou a BR-262, em Juatuba, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, por quase 24 horas. Duas pessoas morreram. O motorista da carreta perdeu o controle do veículo no sentido Belo Horizonte/Uberlândia, saiu da pista e caiu no canteiro central.
Uma carreta que transportava ácido sulfúrico tombou na AMG-150, na altura do km 2, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A carga começou a vazar, mas foi contida antes de se espalhar pela pista, que ficou bloqueada.
Uma carreta bitrem com cerca de 48 toneladas de resíduos usados para alimentar fornos de uma fábrica de cimento ficou sem controle e parte da carga tombou no Anel Rodoviário. Segundo os bombeiros, o produto é tóxico e pode se tornar corrosivo em contato com a água, o que motivou o fechamento do trânsito no sentido Vitória por quatro horas.
Acidente com uma carreta de cilindro carregada de oxigênio, na BR-356, na Serra de Itabirito, na Região Central de Minas Gerais, fechou a rodovia por cinco horas. O caminhão seguia no sentido Itabirito/Belo Horizonte quando o motorista perdeu o controle da direção. O condutor alegou problemas no sistema de frenagem do veículo