Artigo escrito por Francisco Assis Souza
A importância do segmento logístico no cotidiano da sociedade ganhou relevo nesse momento atual pelo qual passamos, em meio à pandemia do Corona Vírus, ante a necessidade de se manter o abastecimento regular dos gêneros considerados como essenciais à população, por meio das empresas transportadoras.
Todavia, nesse novo cenário atípico e de grandes desafios em que foram submetidas as empresas transportadoras, há um outro desafio não muito menor a ser enfrentado por elas, e que se sobreleva por conta da diminuição de mão-de-obra dos seus colaboradores em decorrência das medidas de distanciamento social determinadas pelas autoridades administrativas, qual seja: a malfadada burocracia fiscal.
Referida burocracia remanesce mesmo após a instituição dos chamados “documentos digitais”, uma vez que a legislação que disciplina a geração dos documentos eletrônicos por não acompanhar a dinâmica e evolução do seguimento logístico, acaba lhe impondo verdadeiro “engessamento”, criando entraves que dificultam a fluidez necessária, vital e peculiar da atividade.
Ademais, apesar de eletrônicos e de serem gerados em formato digital com acesso online por toda a fiscalização dos Estados, as normas tributárias ainda impõem às transportadoras a obrigatoriedade de imprimirem e portarem cópias físicas, ou seja, impressas em papel dos documentos digitais; verdadeiro contra-senso!
Nesse particular, se tomarmos como exemplo o caso de uma transportadora de grande porte, atuante no seguimento do e-commerce (comércio eletrônico), que normalmente costuma gerar uma média de 50 a 70 mil conhecimentos diários, a impressão destes documentos equivale a um “volume de carga”, além de contribuir negativamente com a preservação ambiental, ante o alto consumo de papel utilizado, sem contar o custo financeiro e operacional que tal procedimento representa!
Em outras palavras, embora ao longo de quase duas décadas as empresas tenham realizado maciços investimentos em seus sistemas eletrônicos de processamento de dados para a viabilizar a geração dos documentos digitais a partir das customizações determinadas pelo Fisco, não houve simplificação nos processos de geração dos documentos, tampouco supressão da necessidade de se imprimir e portar os documentos também em papel!
No transporte rodoviário de cargas, a empresa transportadora é obrigada a portar os seguintes documentos fiscais:
a) Nota Fiscal Eletrônica (NF-e);
b) Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e); e
c) Manifesto Fiscal de documentos Fiscais (MDF-e).
d) Nota Fiscal Eletrônica emitida pelo embarcador: Responsabilidade solidária da transportadora e obrigatoriedade de portar via impressa
Embora a nota fiscal seja emitida pelo embarcador da mercadoria, a legislação atribui a responsabilidade de a empresa transportadora exigir o arquivo eletrônico do documento fiscal do seu cliente contendo todos os requisitos legais. Eventual descumprimento de algum requisito legal pelo embarcador acaba resvalando na transportadora, pois neste caso a fiscalização costuma enquadrar o documento como “inidôneo”, ou seja, sem validade fiscal, apreendendo a mercadoria e autuando a empresa pela falta cometida pelo seu cliente (embarcador).
Além disso, apesar de o documento no formato digital ser disponibilizado de forma online à fiscalização e ao destinatário da mercadoria, o transportador é obrigado a imprimir em papel a cópia da Nota Fiscal Eletrônica (impressão do DANFE – Documento Auxiliar da nota Fiscal Eletrônica) e portá-la durante todo o trajeto do transporte para eventual exibição ao fisco e entrega ao destinatário.
Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) – O Conhecimento de Transporte constitui documento fiscal de emissão obrigatória para todos os transportadores que prestam serviço de transporte de natureza intermunicipal (entre Municípios de um mesmo Estado) e/ou interestadual (entre Municípios localizados em Estados diferentes).
Essa obrigatoriedade é prevista na legislação cível (Código Civil Brasileiro), ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e, principalmente, na legislação tributária (Regulamento do ICMS dos Estados brasileiros).
Na esfera tributária ele representa o principal documento emitido por uma transportadora, pois é com base nas suas informações que a Secretaria da Fazenda fiscalizará e cobrará o ICMS de todos os participantes da cadeia do transporte.
Atualmente temos por modelo adotado pelos Estados o CT-e, ou seja, o Conhecimento de Transporte Eletrônico, cuja emissão e armazenamento se dão de forma eletrônica, mas com obrigatoriedade de a carga ser acompanhada por um documento físico, intitulado de DACTE (Documento Auxiliar do Conhecimento de Transporte Eletrônico), contendo parte das informações que são disponibilizadas no arquivo eletrônico.
No que tange à geração desse documento, em síntese: a empresa transportadora gera um arquivo eletrônico contendo as informações fiscais da prestação de serviço, e o assina digitalmente para garantir a integridade dos dados e a sua autoria como emissor do documento;
– após essa etapa, o arquivo eletrônico do conhecimento de transporte será transmitido para a Secretaria da Fazenda, via internet, para aprovação;
– a Sefaz realiza uma validação do arquivo e devolverá uma Autorização de Uso para que o contribuinte possa utilizar o arquivo;
Sem essa autorização o transportador não poderá transitar com a mercadoria, tampouco iniciar a prestação do serviço de transporte.
O arquivo autorizado pela Sefaz será transmitido pela Secretaria de Fazenda para a Receita Federal do Brasil, que será o repositório de todos os CT-e emitidos (Ambiente Nacional) e, no caso de uma operação interestadual, para a Secretaria de Fazenda de destino da operação.
Para acobertar o trânsito da mercadoria e a efetiva prestação de serviço de transporte de cargas a transportadora deve imprimir uma representação gráfica do Conhecimento de Transporte Eletrônico de cargas, intitulado de DACTE (Documento Auxiliar do Conhecimento de Transporte de Cargas Eletrônico), em papel comum.
MDF-e – Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais – O terceiro documento que deve ser utilizado pela transportadora se refere ao Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e), que é também gerado e armazenado eletronicamente, e possui as seguintes finalidades:
– vincular os documentos fiscais utilizados na operação e/ou prestação, à unidade de carga utilizada no transporte; e
– agilizar o registro em lote de documentos fiscais em trânsito e identificar a unidade de carga utilizada e demais características do transporte.
Em termos práticos, o Manifesto Eletrônico reúne em um documento eletrônico todas as informações da carga transportada (dados das notas fiscais emitidas pelos remetentes), sua rastreabilidade (informações dos locais de carregamento e de descarregamento), bem como identificação da real participação da transportadora na execução do transporte (utilização ou não de veículo próprio na prestação) e do envolvimento de terceiros na operação (transportadores subcontratados, por exemplo). A transportadora gera o arquivo eletrônico, através do seu banco de dados, contendo informações como:
Dados do percurso:
– identificação do Estado e Município do Carregamento (origem);
– identificação do Estado e Município do Descarregamento (destino);
– sigla das Unidades da Federação do percurso do veículo.
Informações dos documentos fiscais vinculados ao manifesto:
– informações dos Municípios de descarregamento (destinos);
– chave de acesso dos CT-es;
– código de barras.
Totalizadores da carga transportada e seus documentos fiscais:
– quantidade total de CT-e relacionado no Manifesto;
– quantidade total de conhecimentos;
– valor total da mercadoria/carga transportada;
– código da unidade de medida do peso bruto da carga/mercadoria transportada;
– peso bruto total da carga / mercadoria transportada;
Dados do veículo:
– código interno do veículo;
– placa do veículo;
– tara;
– capacidade em KG;
– capacidade em M3;
– proprietários do veículo (preencher quando o veículo não pertencer à empresa emitente do MDF-e);
– Etc.
Recebida a autorização da Sefaz para formalizar o MDF-e como documento fiscal, além da obrigatoriedade de manter o arquivo eletrônico em seus arquivos fiscais pelo prazo mínimo de cinco anos, a transportadora deverá ainda gerar o DAMDFE (Documento Auxiliar do Manifesto Eletrônico de documentos Fiscais).
A exemplo do DACTE impresso quando da geração do CT-e, o Documento Auxiliar do MDF-e consiste na impressão em papel A4 de um resumo das informações constantes do arquivo eletrônico, e que servirá para acompanhar a carga durante o transporte e possibilitar às unidades federadas o controle dos documentos fiscais vinculados ao MDF-e, apesar de o sistema disponibilizar eletronicamente a cópia do documento.
Não obstante, cabe ressaltar que a tecnologia e estrutura atualmente empregada na geração dos documentos digitais já congrega no Manifesto Eletrônico, por exemplo, todas as informações fiscais e logísticas do transporte, pois, nele são relacionadas as chaves de acesso eletrônico do CT-e que, por sua vez, traz a chave de acesso da NF-e, de modo que por esse documento fiscal, e de forma digital, o fisco tem acesso a todas as informações necessárias às verificações decorrentes dos processos de fiscalização, tornando, na nossa visão, desnecessária a impressão de todos os documentos fiscais utilizados no transporte.
Por fim, mas não menos importante, destaque-se que insere-se nesta verdadeira “rede de ineficiência burocrática”, mais um instrumento promotor de burocracia, que definiria, de imediato, os procedimentos para cadastramento da Operação de Transporte e correspondente geração do Código Identificador da Operação de Transporte (CIOT), emissão esta, suspensa pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a partir de sexta-feira (3/4), via Portaria Suroc n. 19/2020.
Não nos parece crível, que um país que pretende ser expoente de crescimento econômico, produza tanta burocracia inibidora do próprio desenvolvimento econômico.
Por essa razão, essa estrutura complexa e burocrática que assola demasiadamente o cotidiano das empresas transportadoras nos convida, no cenário atual, à reflexão sobre a necessidade urgente de uma mudança fiscal, tributária e de processos operacionais, reduzindo-se, abruptamente as obrigações acessórias e emissão de documentos, que se alinhe a dinâmica operacional das empresas logísticas, de modo a permitir a fluidez das operações sem entraves, de forma simplificada, ágil, desonerada, seguindo a própria tônica da era digital, e sem os penosos reflexos do chamado “custo Brasil”.
(*)Francisco Assis Souza é sócio da LogTributos Consultoria Fiscal e Tributária e é consultor da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos