Carlos vinha do setor de transportes de carga e precisou de imbuir do "espírito" de startup para trazer inovação a um ramo bem tradicional.
Carlos vinha do setor de transportes de carga e precisou de imbuir do "espírito" de startup para trazer inovação (e alguma irreverência) a um ramo bem tradicional.
O Fórum Econômico Mundial anuncia, desde 2011, que “dados são o novo petróleo”, pelo seu valor na economia. Se a conclusão for mesmo esta, a TruckPad está construindo um império considerável ao concentrar as informações de motoristas de caminhão no Brasil. Fundada em 2013, a startup chegou para conectar motoristas autônomos (aqueles que trabalham usando o próprio caminhão, sem uma empresa por trás) à carga que precisa ser transportada.
Por enquanto, o aplicativo foi baixado 700 mil vezes e 50 mil condutores utilizam, de fato, a plataforma diariamente. O objetivo, no entanto, é ir mais longe: garantir que todos os motoristas de caminhão do país usem o sistema, alcançando cobertura total desta frota que é estimada em 2,7 milhões de veículos pela Confederação Nacional dos Transportes e em 3,5 milhões pela própria TruckPad.
O serviço é pago sempre pelas companhias que contratam o frete em um modelo de assinatura da plataforma (que custa até 5.000 reais por mês, dependendo do pacote fechado) ou pagam um percentual à startup por cada operação (varia de 2,5% a 5%). Com o desenvolvimento do número de usuários e da base de dados, a empresa percebeu outras possibilidades para monetizar. A primeira delas é com inteligência de mercado, como conta Carlos Mira, 50, fundador do app:
“Sei tudo sobre o caminhoneiro: as rotas que faz, onde gosta de parar, quantas horas trabalha por dia e, claro, qual modelo de caminhão ele tem”
Estes dados, valiosíssimos para empresas que atuam no setor de transporte de carga, sustentam outras duas frentes de negócio. Uma delas é de mídia digital, em que companhias pagam para que a TruckPad faça anúncios para sua base. “Posso enviar desconto para o motorista fazer um serviço em uma concessionária quando ele passa perto dela”, diz. A outra área é a de mobile commerce, com a sugestão de produtos que o condutor precisa, que podem ser comprados diretamente na plataforma. “É possível fazer ofertas muito direcionadas”, diz o empreendedor.
ELE SENTIA NA PELE O PROBLEMA, FOI MAIS FÁCIL CRIAR UMA SOLUÇÃO
De tão essencial, a solução que a TruckPad traz parece até um tanto óbvia. Um dos motivos para ela não ter sido criada antes é que a ideia precisou partir justamente do setor de transportes, não do mundo do empreendedorismo e da tecnologia. Carlos Mira conhecia exatamente a dor que queria curar quando criou o aplicativo: ele mesmo era sócio de uma transportadora, a Mira Transportes, um negócio de família com 40 anos de história. Depois de um desentendimento com o irmão, decidiu vender a participação na empresa.
Colocou o dinheiro no bolso e, no lugar de tirar um período sabático ou pensar em aposentadoria, foi atrás de resolver um problema maior do que só transportar carga de um ponto ao outro: ele queria desatar nós e deixar o setor mais fluído. “A ideia inicial foi melhorar a jornada do motorista, oferecer soluções focadas nele”, diz. Carlos fala mais a respeito: “Os terminais de carga são um caos, com um monte de gente berrando oferecendo frete e os motoristas disputando. E o caminhoneiro ainda paga taxas para o agenciador”
E prossegue: “Conversei com motoristas que chegavam a rodar semanas para encontrar frete de carga dentro da rota dele”. Vendo tantas fricções pelo caminho, o fundador conta que decidiu começar a melhorar a vida do caminhoneiro justamente facilitando o acesso dele ao próprio trabalho.
Hoje, 50 mil caminhoneiros autônomos utilizam o app da TruckPad todos os dias para buscar fretes.
Mas nem todos acreditaram que o projeto vingaria. “Quando conversava com meus amigo do setor de transportes, todos me diziam que o plano não tinha sentido, que era roubada. Um dia fui na Endeavor e me falaram justamente o contrário, que era a oportunidade mais clara que eles já tinham visto”, afirma Carlos que, ainda bem, decidiu levar em conta apenas a segunda opinião.
Quando começou a estudar como transformar a ideia em negócio, mergulhou no universo das startups e entendeu que precisaria deixar para trás resquícios da vida de empresário dos transportes. Dispensou luxos como escritório próprio e secretária e juntou um time pequeno que acreditava no negócio e estava disposta a trabalhar de graça até colocar o app para rodar. “Meu investimento inicial foi de menos de 100 mil reais na plataforma porque, de resto, cortamos tudo o que foi possível. Brinco que o nosso escritório era a Starbucks porque vivíamos lá fazendo reunião.”
FOI PRECISO ENTENDER O “ESPÍRITO” DE STARTUP
A ideia da startup era promissora, mas no começo a TruckPad enfrentou algumas barreiras. A primeira delas foi que, até bem pouco tempo atrás, nem todos os caminhoneiros tinham smartphones para instalar o aplicativo. “As coisas evoluíram rápido. Hoje, nos pontos de parada, o wi-fi chega a ser mais valorizado que o chuveiro”, diz.
E também houve certa desconfiança com a novidade. Nesse ponto, Carlos afirma que o fato de ter intimidade com a indústria de transportes ajudou. Com o tempo, os motoristas foram incorporando o aplicativo, animados com a perspectiva de se livrar de agenciadores de carga – o empreendedor calcula que os condutores ganhem até 50% a mais em alguns casos.
Em 2013, ainda com os negócios em fase inicial, a empresa conquistou um prêmio da Startup Weekend e, aos poucos, foi ganhando visibilidade. No ano seguinte o negócio foi selecionado para passar por aceleração na Plug and Play, no Vale do Silício. Carlos fez as malas e foi morar no polo de inovação por seis meses. No fim desse período, a empresa saiu de lá como destaque do programa, eleita a startup mais inovadora, e voltou ao Brasil pronta para ganhar escala. Uma das das primeiras metas foi atingir 500 downloads. Quando isso aconteceu, Carlos quis logo mais:
“Me tornei uma das maiores transportadoras do Brasil sem ter nenhum caminhão. Se mantivesse a cabeça de empresário do passado, teria parado ali. Mas aprendi que temos que mirar em Marte”
A visibilidade atraiu investimentos para financiar essa expansão “interplanetária”. O negócio recebeu aportes da Plug and Play, que comprou uma fatia da startup de menos de 5%, da LBS Local, grupo dono da Maplink e do Apontador, e ainda da Movile, que controla o iFood. Carlos não revela valores nem a participação exata de cada companhia e justifica que prefere não deixar que possíveis concorrentes descubram o quanto é necessário para fazer um negócio do gênero dar certo. “Vira e mexe ouço falar de gente interessada em entrar nesse mercado com soluções muito parecidas com as nossas. Não quero entregar informações de bandeja”, diz.
COMO DESPERTAR O INTERESSE DE UMA GRANDE MONTADORA
Ao longo de 2015, a TruckPad firmou uma série de parcerias para fazer publicidade na plataforma. Começou com a Mercedes-Benz e chegou a outras fabricantes de caminhão, como a MAN, que faz os pesados da marca Volkswagen, com quem Carlos fechou contrato de exclusividade por um ano. “As campanhas davam resultados muito legais, mas eu não queria ser apenas um canal de comunicação. Meu plano era buscar parcerias mais amplas”, conta. Ele tentou desenvolver essa conversa na MAN, mas não conseguiu e decidiu, então, interromper a parceria quando o contrato chegou ao fim.
A parceria firmada com a Mercedes-Benz, que tem participação na startup, acelerou o crescimento da TruckPad.
Na Mercedes-Benz, no entanto, achou um caminho na área de negócios e inovação. As empresas começaram a trabalhar juntas a partir de 2016, com a montadora explorando as potencialidades da plataforma.
No fim daquele ano, a TruckPad foi selecionada para participar do programa de aceleração da montadora na Alemanha, o Startup Autobahn.
Lá, a empresa conquistou espaço e ganhou mentoria com Dieter Zetsche, o chefão global da companhia, presidente do conselho de administração do Grupo Daimler, que detém o controle da Mercedes-Benz. “Sem pedir nada em troca, ele me perguntou no que poderia me ajudar. Sentei ali pensando em pedir investimento, mas conversamos sobre tantas coisas interessantes que saí com a sensação que ele me ajudou muito mais do que se simplesmente me desse dinheiro”, conta Carlos, que acredita ter construído ali mais integração com a montadora, pedindo acesso a dados e desenhando meios de aprofundar a cooperação.
De volta ao Brasil, as duas empresas colocaram algumas coisas em prática. Uma delas foi rever o clube de fidelidade da Mercedes-Benz, que vinha perdendo força. “O mailing estava desatualizado. Muitas vezes, eles enviavam comunicação para caminhoneiros que nem tinham mais veículos da marca. Conseguimos fazer algo mais eficiente com a nossa plataforma”, diz.
Com a parceria indo bem, a montadora decidiu intensificar a cooperação ao comprar ações da startup, em dezembro de 2017. O valor envolvido na negociação não foi revelado. “Para mim, esse investimento corporativo vale mais do que dinheiro porque nos pluga no DNA da companhia”, diz Carlos. O empreendedor conta que segue sócio majoritário do negócio, com 40% de participação. Segundo ele, as duas empresas enumeraram mais de 20 frentes que podem ser potencializadas com o trabalho em colaboração. Ele fala:
“Antes de pensar em investimento, entregamos valor para a Mercedes-Benz. Foi isso que nos abriu as portas e fez com que as coisas dessem certo”
Do outro lado, a montadora precisou sair da caixa para fazer o negócio ir para frente. A companhia nunca tinha investido em uma startup no Brasil até então. “Percebemos o valor estratégico da TruckPad e defendemos essa ideia lá fora”, conta Ari de Carvalho, 53, diretor de vendas e marketing da Mecerdes-Benz para o país. Ele diz que as possibilidades da associação com a TruckPad são tão variadas que ainda é difícil medir o seu alcance e afirma que o mais relevante é a forma como esse sistema permite à montadora se aproximar do cliente e ousar. “A relação com a startup nos leva de volta para a garagem, nos dá uma cabeça ágil, de experimentação.”
CRESCER, INTERNACIONALIZAR E, QUEM SABE, SE TORNAR UM UNICÓRNIO
Carlos lembra que a parceria com a montadora não é exclusiva, o que permite que eles prestem serviço a outras empresas do setor ou até que vendam participação em termos parecidos para outras marcas – neste caso, só não pode ser uma outra montadora. Encontrar novos sócios e investidores é justamente o plano. “Agora, prefiro pensar em investimentos corporativos, que nos conectem a uma empresa. Isso começa com uma boa relação comercial”, diz Carlos, garantindo que é justamente isso que a TruckPad está cultivando.
Enquanto trabalha para firmar sociedades relevantes, o negócio desenvolve estratégias agressivas de crescimento para 2018. O plano é intensificar a presença nas empresas com uma solução chamada internamente de Easy Truck, lançada em novembro do ano passado, em que a startup fica responsável por localizar e contratar caminhoneiros para as grandes empresas, com altíssima necessidade de transportar carga. Em paralelo, quer ampliar o número de caminhoneiros cadastrados na plataforma. Quando a TruckPad alcançar mais maturidade no Brasil, Carlos considera a internacionalização.
A meta é criar soluções escaláveis, mantendo a estrutura enxuta. Hoje, o negócio conta com 50 funcionários, sem previsão de grandes saltos no futuro próximo. Carlos não diz qual é o faturamento, mas fala que ainda não atingiu o break-even e a intenção é continuar assim por algum tempo. “Se eu quisesse poderia parar novos desenvolvimentos e dar lucro agora, mas não é esse o nosso DNA. Queremos crescer mais. A meta é valer 1 bilhão de reais, virar um unicórnio”, conta. Afinal, para chegar a Marte é só seguir em frente.