A responsabilidade social das empresas neste mundo cada vez mais incerto

Publicado em
23 de Março de 2022
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22-03-22

A pandemia, e agora a guerra na Ucrânia, obrigaram quase todos os países do mundo a reconhecerem quão frágil é a situação econômica e social, e consequentemente política, do mundo atual (1). É o que se nota, considerando mobilizações cada vez maiores a favor da vida, do meio ambiente, da saúde e da igualdade e contra o racismo e todos os tipos de discriminação.

Apesar de alguns “retrocessos” e as exceções de sempre, muitos são os posicionamentos de especialistas, políticos e líderes nos mais diversos setores da atividade humana a favor da sustentabilidade, da proteção dos direitos humanos, do crescimento econômico e da melhoria do bem-estar de todos.

A própria ONU, na Assembleia Geral que comemorou seu 75º aniversário, ao desenvolver o tema “O futuro que queremos”, não teve dúvidas ao estabelecer suas prioridades. Pela ordem são: (a) acesso a serviços de saúde, água, saneamento e educação, (b) mais solidariedade internacional e apoio aos lugares mais impactados pela pandemia, (c) enfrentamento às mudanças climáticas, (d) combate à pobreza, à corrupção, à violência e ao desemprego e respeito aos direitos humanos.

Faz parte da Agenda 2030 da ONU, por exemplo, difundir ao máximo o conceito de “economia circular”, que implica em desenvolver modelos de produção e consumo que reduzam a dependência em relação a recursos naturais não renováveis e ainda auxilie na diminuição da degradação ambiental e da produção de resíduos.

Investidores e empresários, inclusive, já defendem vários desses conceitos, tais como “economia circular”, “economia da vida”, “capitalismo consciente” e “ESG”, enquanto os consumidores, principalmente os mais jovens, preferem adquirir bens e serviços de empresas que, além de valores morais e éticos já consagrados pela sociedade, também pratiquem atividades que podem ser caracterizadas como de “responsabilidade social” (2). São consumidores que se dispõem, inclusive, a pagar mais por produtos e serviços oriundos de empresas com essas características.

Não à toa, bolsas de valores em todo o mundo divulgam índices para classificar as empresas, por exemplo, com base na aplicação do conceito “ESG”, posto que há uma clara exigência dos investidores para que as empresas passem a praticá-lo (3). São diversos os exemplos em todo o mundo de bancos que apenas emprestam, financiam ou realizam investimentos em empresas com o “Green Bond”, isto é, selo de sustentabilidade.

Conclui-se, portanto, se já era essencial que investidores avaliassem os riscos econômicos e financeiros de suas aplicações, agora passou a ser fundamental também, optar por investimentos que consigam dar algum tipo de resposta às demandas aqui comentadas.

Nota-se, consequentemente, que as providências que defendem esses valores, além de atitude correta, passaram a ser um excelente negócio e fundamental para aumento de competitividade. Não há dúvidas, pois se nos planos de negócios é necessário considerar, por exemplo, o risco climático ou a eventualidade de novas pandemias ou guerras, essencial é ocupar-se de tarefas que diminuam essas possibilidades ao máximo (4). Motivos mais do que suficientes para transformar a governança socioambiental em assunto estratégico. É o mundo empresarial, espera-se, fazendo a sua parte!

Sabe-se, por exemplo, que o aumento da temperatura, as inundações e os deslizamentos de terra ou a falta de água quase sempre são causados pela ação do ser humano, assim como o aumento da emissão de COe outros gases de efeito estufa, do desmatamento e dos incêndios florestais. O aumento do calor, por exemplo, gera baixa produtividade dos trabalhadores que operam ao ar livre, enquanto que inundações, seja pelo excesso de chuvas ou do avanço dos oceanos, implicam em danos físicos irreversíveis ou cuja recuperação é de altíssimo custo.

Óbvio que as correspondentes interrupções dos processos de produção, com impactos e frequência maiores, desestruturam as cadeias de abastecimento e desorganizam quase toda a economia. Aumentos de custos e de preços, e certa generalização no processo inflacionário serão sentidos por todos.

Não há dúvidas pois, que esses aspectos, talvez diferentemente de outras épocas, precisarão ser devidamente considerados quando as empresas forem planejar o futuro. Temas voltados à proteção e à segurança das pessoas (5), à descarbonização, ao aumento da resiliência, à necessidade de se reduzir as exposições as riscos, apenas como alguns exemplos, alcançarão, em quaisquer agendas, importância muito maior do que antes.

Será necessário revisar, inclusive, os sistemas de seguro, de financiamento, de auditoria e de controle, de tal forma que se introduzam indicadores para retratar os temas aqui abordados. E em especial quando relativos aos próprios funcionários, posto que manter trabalhadores bem cuidados, além de ser uma atitude correta e digna, também aumenta a produtividade empresarial.

É cada vez mais perceptível que essas novas práticas precisam atender as exigências dos stakeholders, uma vez que fazer o que é certo está no radar de acionistas, funcionários, clientes, fornecedores e de toda a sociedade. Aliás, pelo que demonstram algumas pesquisas, os líderes e executivos empresariais de todo o mundo, principalmente os brasileiros, percebem que “ocupar-se com a sustentabilidade” é uma forma de “impulsionar os negócios e ganhar mercado”. Isso tem direcionado mais investimentos na defesa da sustentabilidade, o que implica dizer, na busca da diminuição dos eventuais impactos negativos de suas atuações, sob todos os aspectos.

Como corrobora a afirmação de Mauro Mariz, diretor executivo de Gente e Sustentabilidade da Riachuelo, em entrevista concedida ao Estadão dia 17/03/2022 (6): “essa agenda faz parte da estratégia de negócio de grandes empresas há muito tempo, mas, recentemente, o tema vem ganhando tração também por uma imposição de mercado”. “Cada vez mais as empresas direcionam seus investimentos para tecnologia, inovação, pesquisa e desenvolvimento, visando a mitigar impactos sociais e ambientais”.

Entretanto, se bem que não se pode ignorar as considerações feitas com relação a importância econômico/financeira dessas práticas, uma vez que implicam em aumento de competitividade empresarial (7), vale ressaltar os aspectos éticos, morais e de responsabilidade social envolvidos.

No artigo “Três chaves para uma recuperação pós-pandemia resiliente”, escrito por Klaus Schwab e Bob Sternfels e publicado no site das Mckinsey dia 18/02/22, fica claro que “além de construir resiliência nos negócios e na economia, os líderes públicos e privados também devem construir resiliência social”. Ora, o que isso significa? Que o crescimento sustentável e inclusivo está muito “além da melhoria do desempenho empresarial e econômico”, posto que é preciso contribuir “para a reparação e o sustento do ambiente natural”, na medida em que isso enriquece “países de baixa renda e realmente melhora a vida e os meios de subsistência de segmentos populacionais historicamente marginalizados”.

Já escrevi por diversas vezes que não há qualquer dúvida quanto aos impactos diários causados pelas ações de executivos empresariais, sejam eles nos aspectos sociais, econômicos, tecnológicos, políticos ou ambientais, mas é essencial que, no mínimo, esses executivos os compreendam (8) e tenham plena consciência de seus efeitos na sociedade como um todo. É necessário eliminar, sempre que possível, todo e qualquer impacto negativo.

Executivos e dirigentes empresariais, além de “compreender o quanto é grandioso trabalhar para o sucesso e para a sobrevivência de seus subordinados, seus familiares, suas empresas e seus países” (9), também precisam “entender os reais impactos de nossas ações junto a toda sociedade, e não somente junto às nossas empresas”, pois ao final de tudo, de um jeito ou de outro, essas ações impactam – para o bem ou para o mal – a vida de milhões de pessoas.

Maximizar o valor da empresa, agora e no futuro, é um dos principais objetivos empresariais, mas é dever compreender a respeito dos problemas que estão além, posto que os riscos de um pequeno desleixo, notadamente com relação aos temas aqui expostos, poderão provocar danos ainda maiores. Mas muito maiores.

 

(1) Como tenho comentado, a pandemia, além de agravar muitos deles, mostrou de forma clara e objetiva, problemas que já existiam e que muitos, por ignorância, ‘desinteresse’ ou má fé, preferiam ignorá-los. E além de aumentar a desigualdade, não conseguiu ‘despertar’, pelo menos da forma como eu gostaria, maior solidariedade ou maior consciência a respeito das dificuldades que afligiam as populações mais desprotegidas. Inevitavelmente, as camadas mais pobres das populações em todos os países, assim como os países menos desenvolvidos do planeta, foram os que mais sofreram.

(2) Pesquisa da Mckinsey aponta que 85% dos brasileiros sentem-se melhores quando compram produtos sustentáveis. Pesquisa global mostra que 97% dos entrevistados esperam que as marcas solucionem problemas sociais.

(3) Pontuação B3 considera: capital humano, governança corporativa, modelo de negócios e inovação, capital social, meio ambiente e CDP (programa de transparência em emissões de carbono). Estimativas da “Climate Bonds Initiative” indicaram que somente em 2020 foram emitidos cerca de US$ 257,5 bilhões em títulos de dívidas voltadas ao “ESG”. Crescimento de 36% quando comparado com no ano anterior. E já são diversos os fundos de investimentos que consideram os critérios e os princípios “ESG” em suas análises, posto que o mercado tem maior “apreço” às empresas que difundem e praticam atividades voltadas a esses temas. Em pesquisa global realizada pela BlackRock, alguns indicadores importantes: 54% dos participantes consideraram o investimento sustentável como essencial para os resultados dos investimentos; 88% definiram o meio ambiente como a principal prioridade entre todas as demais; e a integração ESG é a abordagem mais popular ao investimento sustentável, com 75% dos participantes integrando ou considerando integrar o ESG nas suas decisões de investimento. A própria BlacRock considera que o “risco de sustentabilidade – e o risco climático em particular – é um risco de investimento”. O conceito ESG está incorporado à sua estratégia empresarial.

(4) Em entrevista concedida dia 02/10/20, portanto há quase 1,5 ano, a analista da XP Inc., Marcella Ungaretti, já havia sido enfática: “As gestoras já estão se movimentando para considerar os critérios ESG nos investimentos” e esse tema, tendo o coronavírus como principal ‘catalisador’, colocou a prioridade de todos com relação às questões sociais e ambientais. Sem dúvida, “o assunto tem entrado cada vez mais na pauta dos investimentos e todos os olhos estão voltados para essas três letras”. E concluiu: “as gestoras, além de concordarem que o tema deve se tornar cada vez mais relevante, estão engajadas e já se movimentam no sentido de incorporar os critérios ESG no processo de tomada de decisão para alocação de recursos, bem como no desenvolvimento de novos produtos”, “Seja porque elas estão de fato alinhadas com os princípios ESG ou simplesmente por reconhecerem que para captar recursos esse é um fator imprescindível”.

(5) Apenas como ilustração, a Organização Mundial da Saúde já reconhece oficialmente a existência da “Síndrome de Burnout” (estresse crônico no trabalho, caracterizado em três circunstâncias: exaustão ou esgotamento de energia; distanciamento mental do trabalho; e menor eficácia profissional).

(6) Pesquisa global da consultoria Russell Reynolds Associates dá conta que: a) 58% dos líderes de alto escalão das empresas no Brasil se comprometem na busca de melhores resultados em suas atividades ambientais e sociais, enquanto a média dos outros países é de 40%; b) 50% dos líderes brasileiros desejam que a empresa incorpore a sustentabilidade em seus negócios, enquanto a média de outros países chega a 39%; c) enquanto a média mundial é de 23%, no Brasil cerca de 37% dos executivos e líderes empresariais já estabeleceram parcerias para avançar com atividades voltadas à sustentabilidade. É ressaltado, também, que os “novos profissionais, que são mais engajados em causas socioambientais, provoca uma mudança interna nas empresas”. Flávia Lafraia, coordenadora da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), concorda que o Brasil está adiantado em relação aos demais países e isso porque as empresas estão ouvindo mais o seu público de interesse. “Preocupação de executivos brasileiros com sustentabilidade supera média global” é o artigo publicado por Shagaly Ferreira no Estadão dia 17 pp. O artigo foi elaborado com base nos estudos da Russel Reynolds Associates.

(7) Estudo da Universidade de Nova York “apontou que 58% das empresas que seguem os princípios de sustentabilidade registraram melhora dos resultados operacionais e performance financeira”. E o Fórum Econômico Mundial estimou entre 25% a 36% o aumento na lucratividade, 20% nas taxas de inovação e 30% na habilidade de identificar e reduzir riscos nos negócios (“ESG, da teoria à prática”, Estadão de 22.06.21).

(8) Publicado dia 15/02/2019, no Portal da Tecnologística, artigo com o seguinte título: “Executivos precisam entender que suas ações impactam a vida de milhares de pessoas. Compreenderem e capacitarem-se para esse novo papel são exigências mínimas”.

(9) Dia 02/11/2021 no Portal da Tecnologística, eu publiquei artigo com o seguinte título: “Eficácia nas atividades logísticas e foco no ser humano ajudam na redução das incertezas logísticas e empresariais atuais”.

Paulo Roberto GuedesPaulo Roberto Guedes

Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.

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