Anualmente o “Oxford Dictionaries”, da Universidade de Oxford, escolhe uma palavra para ser a “palavra do ano”. Para 2016 a palavra escolhida foi pós-verdade que, em resumo, e conforme publicado por André C. Fábio, no Nexojornal (1), é “um adjetivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Nada mais atual, no Brasil e no Mundo
Ainda, segundo Fábio, a “palavra é usada por quem avalia que a verdade está perdendo importância no debate político”. Exemplo citado no artigo: “o boato amplamente divulgado de que o Papa Francisco apoiava a candidatura de Donald Trump não vale menos do que as fontes confiáveis que negaram esta história”. Outras exemplos de mentiras repetidas à exaustão pelo então candidato Trump: o presidente Obama nasceu no Quênia; o desemprego entre os jovens negros nos EUA é de 58%, quando na verdade não chegava a 28%.
As campanhas políticas para eleger Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América e para aprovar a saída da Grã-Bretanha do Mercado Comum Europeu (Brexit), foram dois dos mais marcantes exemplos da atualidade, nos quais a mentira, utilizada de forma corriqueira e indiscriminada, fez com que o termo - “pós-verdade” – fosse rápida e facilmente aceito pelos principais meios de comunicação e entre a maioria dos jornalistas e cientistas políticos que se propunham a analisar esses dois extraordinários eventos.
Casper Grathwohl, presidente da Oxford Dictionaries em entrevista para o “Washington Post” disse que “a leitura de muitos acadêmicos e da mídia tradicional é que as mentiras fizeram parte de uma bem sucedida estratégia de apelar a preconceitos e radicalizar posicionamentos do eleitorado. Apesar de claramente infundadas, denunciar essas informações como falsas não bastou para mudar o voto majoritário”.
“Apoiar-se em afirmações que parecem verdadeiras, mas que não estão baseadas em fatos” foi a definição dada pela revista The Economist ao termo “pós-verdade”.
“Pós-verdade” não é apenas a exploração da mentira. É algo mais complexo. É quando a sociedade deixa de concordar com um conjunto de fatos em comum, se espatifa em grupos, e cada um enxerga a realidade por um filtro muito próprio. É neste universo que explodem sites “independentes” que, embora de alcance médio, têm muito engajamento, leitores leais e apaixonados, posto que ali eles encontram o conforto de sua realidade”, comentou o jornalista da CBN, Pedro Dória, no último dia 18 (2).
O pior nisso tudo, à semelhança do que escreveu a jornalista Patrícia Campos Mello (3), é que a pós-verdade venceu. O Brexit (4) e a eleição de Donald Trump (5) são apenas alguns dos exemplos.
No caso brasileiro, além dos diversos discursos do ex-presidente Lula, ao se defender das acusações que lhe são feitas, os melhores exemplos da “pós-verdade” foram dados pela ex-presidente Dilma quando de sua campanha para a reeleição.
De acordo com José M. Diogo, especialista em “Media Intelligence” (JN de 20/11/16), nós estamos n’A era da pós-verdade, posto que, “depois de tantos anos a ouvir mentiras, as vantagens da verdade foram ultrapassadas na nossa consciência por uma simples aparência de credibilidade”. Ainda, segundo Diogo, “o sucesso da palavra, no último ano, está diretamente relacionada com o Brexit e a eleição de Trump. Mas estes dois acontecimentos, onde a linha que separa verdades e mentiras não foi bem desenhada, não são uma coisa nova. Há décadas que as mentiras fazem parte do discurso político oficial. O que havia era menos gente a dar por isso” (6).
Aqui mesmo neste espaço (“Informação, conhecimento e democracia, custe o que custar”, publicado em 06.09.2016), eu comentei que “não viver de forma alienada exige que as pessoas se mantenham minimamente informadas”, e que “boas ou não, corretas ou não, fidedignas ou não, falsas ou não, todas as informações e notícias transitam livre e rapidamente pelo sistema instalado. E por ser impossível estar a par e gostar de tudo, a seleção é inevitável”, principalmente “diante das bobagens que diariamente são divulgadas ou postadas, da superficialidade com que são tratados assuntos sérios ou da demasiada profundidade com que se discutem assuntos banais”.
Comentei, inclusive, que a falta de pudor e de desrespeito junto aos leitores, telespectadores e ouvintes, principalmente no caso do Brasil, são demonstrações inequívocas de que grande parte de nossos governantes, políticos, intelectuais e imprensa, “trabalham fortemente com o objetivo de transformar os brasileiros em idiotas”.
Para a maioria dos políticos, mentir e enganar seus eleitores são os objetivos principais, pois como apenas se ocupam da resolução de seus problemas pessoais, e jamais aqueles que afligem a nação brasileira, sem qualquer constrangimento, “mentem com uma “cara-de-pau” e desfaçatez de tal ordem que, caso não se esteja preparado, passa-se a acreditar em qualquer coisa que eles dizem.”
É sabido que, mesmo sobre as mesmas e até verdadeiras informações, as pessoas discordam do seu significado e têm compreensões diferentes, seja por ignorância, por conveniência ou mesmo má fé. Imaginem o nível e a quantidade de divergências existentes quando a análise dos fatos se faz com base em informações mentirosas, pela metade ou dúbias (7)?
Todos nós sabemos que o Brasil vive uma crise sem precedentes, agravada pelo excesso de informações falsas, distorcidas, mentirosas e que são divulgadas a todo o momento. Todos nós sabemos que as soluções para a crise serão “dolorosas”, notadamente para os mais pobres, e que os resultados somente trarão resultados efetivos a partir dos próximos dois ou três anos (8).
Contas públicas descontroladas, inclusive nos Estados que estão, em sua maioria, falidos (em junho pp, após receber R$ 2,9 bilhões do governo federal, o governo do Estado do Rio de Janeiro decretou “calamidade financeira” e hoje foi a vez do Estado do Rio Grande do Sul), problemas na segurança, na educação, na saúde e em quase todo o serviço público e mais de 12 milhões de desempregados, são ingredientes contundentes da crise vivida atualmente que, sem medidas saneadoras e urgentes, que no mínimo recuperem a confiança e a credibilidade nas instituições e nos poderes constituídos, poderão levar o País ao completo caos.
Na economia, por exemplo, é fundamental a retomada dos investimentos que, diante de um estado falido como o brasileiro, dependerá, e muito, dos investimentos privados. Entretanto estes, antes de serem realizados, também aguardarão melhores momentos, posto que, diante das incertezas do momento atual (9), a maioria das empresas está se reestruturando e conta, ainda, com endividamento significativamente alto. Segundo Paulo Leme, presidente da Goldman Sachs do Brasil, em entrevista dada para o Estadão no último dia 20, “a dívida corporativa brasileira chega a R$ 3,6 trilhões, isto é, 22% maior que toda a dívida doméstica e externa do Tesouro Nacional”.
Porém, “apesar de não haver tempo a perder”, e como demonstra de forma farta o noticiário, nossos políticos, como se vivessem em outro mundo, trabalham e se ocupam para resolver outros problemas. Como aqui já comentado, seus próprios problemas.
Vendo que a Operação Lava Jato, dado o aprofundamento das investigações, está cada vez mais próxima dos políticos, inclusive daqueles mais graduados, são cada vez mais insistentes as notícias de que políticos de todos os partidos, e em todos os níveis, mobilizam-se para desmoralizar o Ministério Público e a própria Operação Lava Jato e quaisquer outras investigações que procurem combater a corrupção governamental (10).
É visível o fato de que Executivo e parte do Congresso Nacional, incluindo os presidentes da Câmara e do Senado, estejam se mobilizando para abafar a Operação Lava Jato e as Medidas contra a Corrupção. Comentários de João Ricardo dos Santos Costa, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, em entrevista para o G1, dentre tantas outras, ilustra o quê estamos dizendo: “o Congresso e algumas lideranças políticas estão se mobilizando para inviabilizar e desestabilizar o Poder Judiciário. É um momento de gravidade, pois estamos na iminência de mais uma delação premiada que vai envolver políticos. Estamos observando que a classe política está se mexendo para abafar, num momento em que precisamos de força institucional para virar essa página da corrupção”.
O ministro do STF, Luís Roberto Barroso, comentou que “é preciso estar atento contra a operação abafa”, pois “interesses revolvidos pela Operação Lava Jato faz com que tentativas de eliminá-la sejam uma possibilidade”.
Nossos políticos – do legislativo e executivo, principalmente – continuam mentindo e enganando o povo, demonstrando, infelizmente, que a era da pós-verdade veio para ficar. A verdade pouco importa. A versão do mentiroso, que não está baseada em fatos, mas que parecem verdadeiras é o que vale! Os exemplos são diversos. Eu não roubei! Eu não tenho conta na Suíça! Essa conta não é minha, eu sou um usufrutuário da conta! Esse apartamento não é meu! Eu não utilizei caixa 2! E quando utilizei, caixa 2 não era crime! O MP, a PF e a Operação Lava Jato utilizam medidas não democráticas e desrespeitam os direitos elementares dos cidadãos! O Juiz Sérgio Moro ‘abusa do poder’ e atua com ‘parcialidade’. O ex-presidente Lula “sofre ataques preconceituosos e discriminatórios”.
Mesmo vivendo na chamada “Era da Pós-Verdade”, na qual a mentira e a hipocrisia continuarão fazendo parte da vida de muitos e mesmo que essas pessoas permaneçam insistindo na manutenção de um sistema político corrupto e atrasado, cujo objetivo maior é manter a população distante da verdade e sem condições de influir coerente e corretamente no processo, temos que continuar insistindo na Democracia e nos poderes constituídos. Não há outro caminho que, ao mesmo tempo em que preserva a liberdade, busca diminuir as distorções naturais de uma sociedade como a brasileira.
(1) Texto de André C. Fábio no Nexojornal de 17.11.16: “segundo a Oxford Dictionaries o termo “pós-verdade”, com a definição atual, foi usado pela primeira vez em 1992, pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Ele tem sido empregado com alguma constância há cerca de uma década, mas houve um pico de uso da palavra, que cresceu 2.000% em 2016”. “Pós-verdade deixou de ser um termo periférico para se tornar central no comentário político, agora frequentemente usado por grandes publicações sem a necessidade de esclarecimento ou definição em suas manchetes, escreveu a entidade no texto no qual apresentou a palavra escolhida”.
Ainda, segundo André C. Fábio, “o uso do termo não mostrou nenhum sinal de desaceleração, portanto eu não ficaria surpreso se ‘pós-verdade’ se tornasse uma das palavras definidoras dos nossos tempos”.
(2) “Neste contexto, porém, o debate se torna inútil, pois nem nos fatos essenciais concordamos. Há mudanças climáticas ou não há. Houve impeachment ou houve golpe. Uma turma entrou na Câmara essa semana garantindo que há um movimento para implantar o comunismo no Brasil. Vivemos um tempo em que não há mais uma verdade comum a todos. Cada grupo tem a sua. E cada grupo soma lá alguns milhões de pessoas. E é evidente que loucos são os outros. Só sobramos nós de sensatos”, complementou Pedro Dória.
(3) “A fragmentação da mídia possibilita que notícias falsas ou declarações mentirosas dos candidatos se alastrem. Segundo pesquisa do Pew, 62% dos americanos se informam pelas redes sociais hoje, sendo 44% pelo Facebook”. Segundo levantamento do Buzzfeed, notícias falsas geraram mais engajamento (compartilhamentos, likes) do que as verdadeiras, nesta eleição. Por exemplo, a "notícia" de que o papa Francisco apoiava Trump foi compartilhada quase 1 milhão de vezes” (Patrícia Campos Mello, site da Folha de São Paulo de 17/11/16).
(4) Quem defendia o Brexit comentou, exaustivamente, que a entrada da Turquia, na União Europeia, levaria milhares de imigrantes para a Europa e que a simples participação da Grã-Bretanha, naquele Bloco Econômico, custava US$ 468 milhões por semana! Mentiras que, mesmo assim, não impediram que o Brexit ganhasse a votação.
(5) Neste artigo, quando se está comentando sobre a eleição de Donald Trump, não se está analisando se ele era ou não melhor candidato que sua oponente, a Sra. Hillary Clinton, pois esse é outra discussão. O que está aqui sendo colocado é o fato de que, conforme comentou Patrícia C. Mello, em artigo já citado, “depois de tanto mentir Trump ganhou o troféu Pinóquio e ‘calças em fogo’ do Washington Post e do Politifact. E qual foi a reação das pessoas? Para os 60 milhões de americanos que votaram nele, não fez diferença”.
(6) A era da pós-verdade, artigo escrito por José Manuel Diogo e publicado no último dia 20 no site JN, vai mas longe: “enganar os outros, nos tempos que correm, parece ser encarado como um simples passatempo. No entanto, cinicamente, ao mesmo tempo que desculpamos as nossas pequenas mentiras, mostramo-nos consternados por haver tanta desonestidade no mundo.
(7) “As causas desses conflitos (no interior ou entre sociedades) não têm se limitado à inexistência de informações ou à incapacidade de compartilhá-las”. Eles têm surgido porque, “embora diante da mesma fonte de material a ser examinada, indivíduos têm discordado sobre seu significado ou sobre o valor subjetivo daquilo que ela descreve”. “Nos casos em que valores, ideais ou objetivos estratégicos estão em contradição fundamental, a exposição e a conectividade podem finalmente tanto alimentar confrontações como amenizá-las”. (Ordem Mundial, Henry Kissinger, Ed. Objetiva, 2015).
(8) Brasília já admitiu que as previsões feitas anteriormente para a economia brasileira serão alteradas para pior: a queda do PIB deste ano, prevista para 3%, tem sua nova projeção para uma queda de 3,5% e o crescimento de 2017, que era de 1,6%, caiu para 1%.
(9) Matéria do The Economist, publicada no Estadão do último dia 20: “Enquanto permanecerem inseguras (as empresas) quanto ao futuro, os empresários evitarão realizar investimentos que não possam ser facilmente revertidos”. “Em 2015, três economistas – Scott Baker, da Kellogg School of Management da Universidade de Northwestern, Nick Bloom, da Universidade Stanford e Steven Davis, da Booth School of Business da Universidade de Chicago – elaboraram um índice de incerteza em relação a políticas econômicas, por meio do qual é possível monitorar essas duas variáveis. O indicador cujos dados remontam aos anos 80, mostra que altos níveis de imprevisibilidade governamental caminham de mãos dadas com baixos níveis de investimento no setor privada e taxas de crescimento econômico menores”.
O economista Amir Khair, em artigo para o Estadão, também deste último dia 20 é taxativo: “Em ambiente político delicado, de recessão, de alto nível de desemprego e tensão social crescente é difícil assumir riscos de investimentos pelo setor privado”.
(10) Diariamente os jornais dão conta de ministros, senadores, deputados, governadores, prefeitos e vereadores, entre outros, envolvidos em crimes de corrupção, malversação do dinheiro público, prevaricação, usurpação de poder, tentativa de suborno etc., mantendo-os, sem dúvida, ocupados e trabalhando, cada vez mais, nos seus próprios interesses. Os problemas e os interesses da nação, por sua vez, podem esperar.
* Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes, consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.