Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes – 28.06.22*
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Banco Mundial e FMI (Fundo Monetário Internacional) foram unânimes ao afirmarem, recentemente, que será muito difícil evitar uma recessão econômica global ainda neste ano e no início do próximo. Os motivos são conhecidos por todos: deterioração do mercado mundial de trabalho (1), índices altos de inflação que aceleram a utilização de políticas de “aperto monetário” (aumentos das taxas de juros acima do que se esperava e ainda com tendência de alta em quase todo o mundo), desaceleração da economia Chinesa, invasão da Ucrânia (que ainda deve perdurar) e, ainda, muitos dos efeitos da pandemia (agora também com a Ômicron), com destaque para a ruptura e a desestruturação de parte da cadeia de abastecimento.
A ser considerado também, o alto grau de incertezas pelo qual passa o mundo atualmente, com aumento de riscos, inibidores naturais de volumes consideráveis de investimentos privados, que, ao buscarem ‘maior proteção’, são muito mais seletivos e cautelosos. E se a falta de investimentos é ruim para toda e qualquer economia, para os países emergentes é quase fatal, como é o caso do Brasil, que ainda conta com moeda desvalorizada, níveis elevados de dívida pública e baixas expectativas de crescimento. São claras, portanto, as perspectivas de aumento da inflação e de ‘desaceleração’ da economia global. Aliás, como constatam os diversos índices que medem o desempenho econômico, em particular a inflação e o crescimento da produção mundial.
Nos últimos vinte dias foram diversos os países que aumentaram suas taxas de juros na tentativa de ‘baixar ou controlar’ a inflação. Tanto o Bando Central do Brasil como o FED (banco central norte-americano), aumentaram suas respectivas taxas de juros: de 12,75% para 13,25% ao ano no Brasil (o maior índice em cinco anos e meio) e aumento de 0,75 ponto percentual nos EUA (o maior aumento desde 1994). A mesma providência foi tomada pelo Banco Central da Inglaterra, que elevou sua taxa de juros a 1,25% (0,25 ponto percentual de aumento) e pelo Banco Central da Suíça, que aumentou a taxa em 0,5 ponto percentual. O Estadão, com tradução de Romina Cácia, publicou dia 18 pp, artigo do New York Times, elaborado por Karl Russel e Jeanna Smialek que confirma o fato de que “pelo menos 45 países já subiram as taxas este ano, reduzindo o poder de compra das famílias e o poder de expansão de empresas”. Combater a inflação é essencial, como já se sabe, pois são lamentáveis as consequências, principalmente quando ela é mais duradoura e com índices “acima do costume”. Aumento do desemprego, da desigualdade, da miséria e da fome, e aumento dos conflitos sociais são inevitáveis.
A queda generalizada dos índices das Bolsas de Valores em quase em todo o mundo (os índices Dow Jones, S&P500 e Nasdaq, na semana que passou alcançaram os menores níveis desde dezembro de 2020), nada mais é do que o receio dos investidores com relação ao aperto monetário praticado e a possibilidade crescente de um período de recessão econômica que, presume-se agora, será mais longo do que se ‘imaginava’.
Portanto, se grande parte dos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, estão se socorrendo mais fortemente, de políticas monetárias “restritivas” como principal instrumento de combate à inflação, não há porque estranhar que o mesmo esteja ocorrendo aqui no Brasil. As projeções de inflação no País ainda são altas e o Banco Central do Brasil, sem qualquer ajuda do executivo federal, que continua praticando políticas populistas e eleitoreiras, continuará praticando arrochos na política monetária. A própria Ata do Copom já prevê novo aumento na próxima reunião do Comitê. Adicione-se a isso tudo, o elevado nível de incertezas gerado pela política, de uma forma geral, e a proximidade das eleições, de uma forma mais particular.
Quando cito a política “de uma forma geral” eu quero me referir à situação política nacional dos últimos dez ou quinze anos, posto que a instabilidade tem sido total. Mensalão, Petrolão, Lava-Jato, judicialização da política, politização da justiça, inoportunas intervenções entre os três Poderes, questionáveis decisões da Justiça e outras incompreensíveis do Executivo e do Legislativo (2), sem qualquer dúvida, tem tumultuado o ambiente nacional de forma ainda maior.
E quando me refiro às eleições, “de uma forma mais particular”, é para ressaltar “desmandos e erros” de política econômica com fins extremamente eleitoreiros que, sem dúvida, empurram os problemas para a frente, agravam a situação fiscal e ‘constroem’ uma bomba de efeitos significativos para os próximos anos. Com crescimento econômico menor do que o necessário (3), manutenção do desequilíbrio fiscal e ‘quase’ uma total impossibilidade de se aumentar tributos, o aumento da dívida pública só aumentará, dificultando ainda mais a realização de investimentos do setor público. Compromete-se, sem dúvida, o futuro.
Como todos sabemos, níveis de investimentos baixos (o investimento público continua em queda e chegou a 2,05% do PIB que, segundo o Boletim Macro da FGV/IBRE, é o “segundo menor nível” desde 1947, quando se iniciou a medição) não propiciam crescimento econômico necessário, nem tampouco sustentável, e dificultam ainda mais a geração de empregos. O valor destinado ao investimento público, R$ 42,3 bilhões para 2023, é o menor da história e, de longe, não consegue suprir as necessidades nacionais. Evidente que os investimentos privados, diante desses cenários, não se fazem presentes nos volumes desejados. Inclusive pelos próprios empresários, que gostariam de aplicar em atividades lucrativas e seguras.
Não à toa o governo brasileiro tem cancelado alguns dos principais leilões de infraestrutura (4). Os baixos índices de investimentos ao longo dos últimos 20 anos (5) são, sem dúvida, um dos nossos maiores problemas, levando a competitividade brasileira aos últimos lugares quando comparado com outros países, como mostra o ranking do IMD (6).
Especialistas e economistas diversos, de quase todos os campos ideológicos, têm alertado, por exemplo, para o fato de que a redução do ICMS dos combustíveis, recentemente aprovado no Senado (7), levarão os “custos inflacionários” de agora para o próximo ano. Ora, isso nada mais é do que, como expressado pelo economista Armando Castelar, pesquisador do FGV IBRE, a confirmação de que “a questão político-eleitoral agora voltou à cena, pesando sobre investimento, risco-país, câmbio, tudo aquilo que não gostaríamos que acontecesse”. Pois é.
A consequência imediata desse desastre econômico, cujos níveis de desemprego (atualmente em 11,15%, segundo a PNAD) são altíssimos desde 2013, isto é, por tempo demasiadamente longo, resulta em gravíssimos problemas sociais, aliás como se constata ao se verificar o indesejável aumento da desigualdade, da miséria e da fome. Mesmo admitindo-se que que o nível de desemprego caia para 8,5% até o final do próximo ano, o Brasil ainda contará com mais de 8 milhões de desempregados. Sem falar nos ‘subutilizados’, ‘desolados’ e da significativa queda do rendimento médio mensal domiciliar per capita. De acordo com o IBGE, em 2021 o Brasil alcançou a menor renda desde que se iniciaram as medições em 2012, com queda de 6,2% se comparado com o ano anterior. Isso explica porque o número de famílias endividadas no País só tem crescido, conforme indica a CNC (Confederação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo): em maio de 2019 constavam 63,4% o percentual de famílias endividadas, agora, em maio de 2022, esse percentual pulou para 77,4%. Nesses três anos o percentual de inadimplentes cresceu de 24,1% para 28,7%, sendo que as dívidas, que representavam 29,3% da renda familiar média, agora representam 30,4%. Sob quaisquer pontos de vista, um verdadeiro desastre econômico com impactos sociais ‘desastrosos’. E sem quaisquer perspectivas de melhoras no curto prazo.
A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, explicita corretamente o que acontece na economia brasileira atual (8): “Não existe atalho para crescimento econômico. Precisamos voltar à discussão da necessidade de equilíbrio macroeconômico, reforçando a mensagem de que ajuste fiscal não é um bem em si, mas o caminho para garantir que o Estado cumpra seu papel”. “Com inflação alta e juro real alto não há crescimento, e não haverá política social capaz de compensar efeitos danosos. Se não seguirmos políticas mais corretas do ponto de vista de eficiência - como a agenda de produtividade - não vamos gerar crescimento e acumularemos mais problemas sociais”. Alguém tem alguma dúvida quanto a isso?
Com relação ao aumento da produtividade, vale ressaltar os ensinamentos do Affonso C. Pastore (9): praticar políticas voltadas ao aumento da competitividade, maior abertura da economia e maior integração junto às cadeias globais de produção, são instrumentos valiosíssimos para que se estimulem os investimentos em novas técnicas e que resultem em aumento da produtividade nacional.
Óbvio, portanto, que o cenário doméstico, mais as dificuldades pelas quais passa quase todo o mundo, não geram perspectivas boas para ninguém. Mas, importante insistir, serão muito piores para o Brasil, mesmo sendo exportador de “commodities” e bastante beneficiado pela alta de preços no mercado internacional que, mesmo que não seja com a mesma intensidade, ainda deverá continuar.
Diante de todo o exposto, e considerando ainda que não foram realizadas algumas das principais e necessárias reformas – Tributária, Administrativa, Político/Institucional, nem tampouco um programa mínimo de privatização, seja qual for o próximo presidente da República, a implantação de um plano razoável de governo encontrará muita dificuldade, considerando que mesmo as próprias projeções do governo atual, no que diz respeito ao orçamento, por si só já são ruins. Déficit primário na casa dos R$ 66 bilhões para 2023 e R$ 28 bilhões para 2024, com respectivos aumentos da dívida bruta do governo (80% do PIB em 2023 e 81% do PIB em 2024). Muitos analistas projetam números ainda piores.
O cenário atual, não há qualquer dúvida, reflete os erros de política econômica adotada, mais notadamente nos últimos oito anos e nos leva a acreditar que as soluções somente serão encontradas no campo político. Mas para tanto, é preciso reconhecer a gravidade do momento e evitar que o desânimo da maioria da população, que sofre mais do que ninguém os efeitos deste momento, não ‘desague’ em aventuras populistas e demagógicas que, infelizmente, somente propiciam discussões radicalizadas e totalmente polarizadas.
Como escreveu o escritor e pesquisador Moisés Naím, em artigo publicado no Estadão dia 27 pp (“Colômbia precisa sobreviver ao populismo”), é preciso evitar a polarização política, principalmente agora que está “potencializada pela pós-verdade (aumento da desinformação, das fake news, da manipulação e da disseminação de mensagens que provocam desconfiança)”, pois isso somente aumentará a “desilusão com a Democracia” e a “perda da esperança nas eleições”.
Não sabemos se os próximos candidatos, tanto a postos do executivo como do legislativo estão dispostos a fazer isso, e muito menos se têm preparo e capacitação para tanto, mas a próxima campanha eleitoral precisa discutir a política e a economia. O Brasil necessita e é o que todos nós esperamos.
1. Em trabalho produzido pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) está claro que houve uma rápida deterioração do mercado mundial de trabalho, mais precisamente no primeiro trimestre deste ano: “o número de horas trabalhadas, por exemplo, ainda está 3,8% abaixo do nível observado antes da pandemia. A recuperação é desigual e tem ampliado a distância entre os países ricos e os pobres. E em boa parte destes as limitações fiscais impedem a adoção de políticas públicas de apoio aos mais necessitados”.
2. Disse o economista Júlio Senna da FGV/IBRE (“Portal da Inflação FGV IBRE): “É com tristeza que vemos o que está em andamento. Executivo e Legislativo deixam claro seu desprezo por elementos tão básicos para o bom funcionamento da nossa economia, e tudo aparentemente em busca de votos”. “Hoje, a única âncora, o mesmo teto de gastos, está sendo dinamitada, e as reformas não estão presentes”.
3. Apenas como comparação: a economia brasileira no primeiro trimestre deste ano, comparada com o último trimestre de 2019, isto é, ainda antes da pandemia, cresceu 1,6%. Enquanto isso, a China cresceu 8,3%, a Índia, 5,9%, os países do G-20, média de 4,8%, a Austrália, 4,5% e a Coreia do Sul, 3,9%. Continuamos perdendo ‘espaço’ na economia mundial.
4. Estadão do último dia 04 (“Muito ajuda quem não atrapalha” – “Amplas incertezas econômicas, agravadas pela produtiva usina de crises do Palácio do Planalto, afastam investidores dos leilões de infraestrutura”. “As consequências mais claras dessa instabilidade têm sido vistas nos leilões de infraestrutura cancelados nas últimas semanas e foram coroadas com a postergação da licitação do Rodoanel Norte pelo governo de São Paulo. Com 44 quilômetros de extensão e previsão de conclusão em agosto de 2025, cortando os municípios de São Paulo, Arujá e Guarulhos, o projeto exigiria investimentos de R$ 4,1 bilhões em obras e despesas de operação e manutenção ao longo de 31 anos de concessão. A Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) justificou o adiamento ao mencionar as incertezas do cenário macroeconômico interno e externo e a alta de preços de insumos.
5. De 1980 a 2019, o País investiu 49 vezes o volume de 1979. No mesmo período, considerando outras nações emergentes, o multiplicador foi de 249 na Índia; 202 na Coreia do Sul; e 66 na África do Sul. Já nos EUA, esse número foi de 81. Os resultados explicam, em parte, o fraco desempenho econômico, a baixa produtividade e a menor competitividade brasileira nos últimos anos. Pior: há pouca expectativa de que esse quadro vá mudar no curto e médio prazos. Levantamento da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) mostra que, em 1979, o Brasil investiu, em valores atualizados, R$ 930 bilhões. Entre 1980 e 2019, o volume somou R$ 45 trilhões.
6. O índice de competitividade, elaborado pela IMD (Instituição Acadêmica Suíça Independente), no qual se analisam quais são os países que oferecem melhores condições de crescimento e prosperidade, tanto no mercado interno daquele país como no mercado internacional, o Brasil, em 2021, alcançou a 57.ª posição dentre 63 países analisados. Neste ano ficou em 59.ª colocação e essa queda foi “explicada” pela pior percepção dos empresários entrevistados como relação à economia doméstica, sistema tributário, produtividade, infraestrutura básica, oferta de mão de obra qualificada e acesso ao ensino superior no País (Estadão, reportagem de Eduardo Laguna, publicada dia 15 pp). O Brasil ficou na frente apenas da Venezuela, Argentina, Mongólia e África do Sul.
7. PLP 18/22 que, além de caracterizar os combustíveis, a energia elétrica, os transportes e as telecomunicações como ‘bens essenciais’, ainda limita o ICMS em 17% para os combustíveis. PEC 16/22, que possibilita a transferência de recursos para os Estados, desde que estes “zerem” o ICMS do gás de cozinha, do gás para veículos e o diesel, de julho a dezembro deste ano. Estima-se que a transferência para os Estados alcançará cerca de R$ 29,6 bilhões. PEC 15/22 que também possibilita transferência de recursos para os Estados que reduzirem os impostos do Etanol à pelo menos 12%.
8. II Seminário de Análise Conjuntural de 2022, promovido pelo FGV IBRE e O Estado de S. Paulo, dia 10 pp.
9. “Indústria e abertura comercial”, artigo de Affonso C. Pastore, ex-presidente do BC, publicado no Estadão do dia 24.04.22.