A missão desafiadora da terceira geração da ALL

Publicado em
13 de Julho de 2010
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Com capacete e óculos de proteção que lhe cobrem quase todo o rosto, o paranaense André de Souza Leone dá passos curtos e rápidos e atravessa a sala da oficina de locomotivas da ALL, em Curitiba. Eufórico, ele aponta para um gráfico na parede que mede a quantidade de dias que as máquinas passaram sem apresentar falhas. "Esse aqui dá orgulho. O desempenho melhorou tanto que o gráfico até estourou", diz.

O engenheiro de 26 anos é um exemplo do perfil dos funcionários da ALL. Ele entrou na empresa há dois anos por meio de um concorridíssimo programa de trainee e já coordena a maior oficina da companhia. Sob sua liderança, trabalham 100 pessoas, entre mecânicos, eletricistas e manobristas. O interesse de Leone pelo mundo dos motores, bitolas e compressores chega a ser admirável - assim como a clara noção que ele tem de sua posição dentro da corporação. "Sou só custo para a empresa. Por isso o efeito do trabalho de manutenção das máquinas tem de durar o máximo possível."

A cultura da busca obsessiva pela eficiência e da ascensão rápida dos funcionários instalada pelo Grupo GP, primeiro investidor da ALL, foi o grande impulsionador do crescimento da ALL desde a sua criação. Em pouco mais de dez anos, a empresa, que surgiu de parte da sucateada estatal Rede Ferroviária Federal, se transformou na maior operadora logística de trens da América Latina com um faturamento de R$ 2,7 bilhões. Agora, essa mesma cultura terá de levar a empresa para um novo patamar. Nos próximos cinco anos, a ALL pretende dobrar o tamanho de seu negócio atual e, em uma empreitada ainda mais ambiciosa, quer entrar em novas áreas, que vão além dos trilhos.

A missão será capitaneada por Paulo Basílio, o próximo presidente da ALL, que deve assumir o lugar de Bernardo Hees até o início do ano que vem. Atualmente no cargo de diretor-superintendente, Basílio, de 35 anos - ele mesmo um produto da cultura peculiar da ALL -, está sendo preparado para a função. Hoje, toda a diretoria já responde para ele.

Novo modelo. Nos Estados Unidos, para cada dólar gasto com o transporte, há dois dólares gastos em serviços relacionados. "Até agora, eu só pego esse primeiro dólar. O nosso salto de valor pode estar em todo o serviço que está em volta da nossa malha", diz Basílio. A intenção da ALL é expandir sua marca e modelo de gestão para atividades como armazenagem, secagem de carga (para reduzir o peso do material transportado) e estufagem (quando a carga é colocada no contêiner). Hoje, serviços desse tipo são realizados pela própria companhia dona da carga ou por pequenas empresas. Nessa toada, a empresa também pretende se expandir em outros modais de transporte.

Em uma segunda frente, a ALL quer ampliar a fonte de suas receitas no negócio em que já atua. No ano passado, as commodities agrícolas representaram cerca de 70% da carga transportada pela ALL no País. Só a soja era metade desse total. Para os analistas, a dependência do setor agrícola é um dos principais riscos da empresa. "Se acontecer algum problema com a safra, a empresa vai ser afetada diretamente. Se a empresa tiver mais produtos industrializados, esse risco vai sendo diluído", diz Daniela Bretthauer, do banco Raymond James.

Existe uma explicação para a atual concentração. As commodities agrícolas são cargas ferroviárias naturais. Para se tornar mais competitivo em relação a outros tipos de transporte, o trem precisa carregar grandes quantidades. Além disso, o processo de carregamento e descarregamento é mais complexo. Antes de ir para os trens, as cargas precisam ser reunidas em terminais - trabalho que tradicionalmente é feito por grandes tradings, como Bunge e Cargill. Agora que a participação de mercado da ALL já é alta no segmento - nos portos em que opera, 69% das cargas agrícolas são levadas pela empresa -, a companhia terá de fugir do óbvio para alcançar suas metas de crescimento.

Uma das estratégias da ALL para ampliar a origem de suas receitas é convencer grandes indústrias a trocar o caminhão pelo trem. Esse foi o caso da fábrica da Fibria em Três Lagoas (Mato Grosso do Sul), já construída próxima a uma ferrovia. A planta vai aposentar os caminhões de vez até o ano que vem, quando as obras de um contorno ferroviário estiverem concluídas. Segundo a companhia, novos casos como esse serão anunciados ao longo de 2010. "Vemos esse esforço com bons olhos, mas não há nenhuma empresa relevante o suficiente para mudar o mix de receita da empresa", diz Vanessa Ferraz, analista do banco HSBC.

Contêiner. O projeto que desperta maior curiosidade no mercado - e, provavelmente, o primeiro grande desafio de Basílio na nova função - é o de transporte de contêineres por trens. Hoje, a empresa tem cerca de 1% de participação no volume de contêineres que chegam e saem do porto de Santos. A maior parte segue por caminhões. Trata-se de um mercado enorme (segundo a ALL, maior que o de soja) e extremamente fragmentado: milhares de empresas recebem ou enviam produtos por esse canal. Como não faz sentido para a ALL sair pelo Brasil juntando contêineres até que se forme uma quantidade justificável a ser transportada, é preciso que alguém consolide a carga em terminais no interior do País. A ALL se encarregaria de manter um fluxo constante de trens entre esses locais e o porto.

Pois é aí que está o problema: não há, hoje, no Brasil, uma empresa com essa atividade. Seria preciso criar uma espécie de "Bunge do contêiner". A ALL tem conversado com empresas de logística, operadores de portos e armadores de modo a chegar a uma solução. Pode ser desde um contrato de prestação de serviço com uma companhia já existente até a criação de uma nova entidade. O resultado dessas negociações deve ser anunciado até o fim do ano. "Independentemente do formato, queremos ter um papel forte e estar muito perto desse consolidador", diz Basílio.

Segundo especialistas consultados pelo Estado, porém, as dificuldades não param por aí. Para que o transporte ferroviário se torne mais barato que o feito por caminhões, é preciso adotar o modelo em que um contêiner é posicionado em cima do outro. Nesse caso, a encrenca é de ordem técnica: como passar esse tipo de carga pelos túneis da Serra do Mar que antecede o porto de Santos? E ainda mais: como fazer as obras de adequação necessárias e manter a ferrovia funcionando? Executivos que analisaram o caso dizem que não é viável fazer esse tipo de transporte em todo o trajeto.

Há, ainda, dúvidas quanto à viabilidade comercial. Os caminhões são mais rápidos que trens no transporte e a distância entre a grande região emissora de contêineres (marcadamente as redondezas da cidade de São Paulo) e o porto não seria longa o suficiente para compensar os custos fixos da logística ferroviária. "Vemos uma probabilidade pequena de esse projeto ser viabilizado", escreveu a analista Vanessa Ferraz, em um relatório recente. "Porém, esse é o projeto que pode adicionar mais valor à companhia se implementado."

A ALL afirma que o projeto é comercial e tecnicamente viável e que as obras poderiam ser feitas em horário reservado à manutenção das vias, sem prejudicar o seu funcionamento. "Ouvimos críticas em todos os nossos projetos. Falem mal ou bem, fomos o único que cresceu fazendo o transporte de cargas dos outros", diz Basílio. "Daqui a cinco anos, quero olhar para trás e ver que temos outros negócios em volta." Como até lá o executivo só terá 40 anos, mesmo que seus planos não deem tão certo assim, ele ainda terá muito tempo para consertar.

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