A má vontade brasileira com os temas relacionados à sustentabilidade, meio ambiente e mudanças climáticas

Publicado em
20 de Maio de 2024
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Já há algum tempo eu venho me ‘ocupando’ de temas que tratam da sustentabilidade, do meio ambiente e das alterações climáticas, posto que as operações logísticas, nas quais estou envolvido há mais de 35 anos, estão dentre aquelas que, mesmo sem querer, mais contribuem para a deterioração do meio ambiente em que vivemos, principalmente em face dos significativos volumes de Gases de Efeito Estufa (principais: Dióxido de Carbono (CO₂), Metano (CH₄), Óxido Nitroso (N₂O), Clorofluorcarbonetos (CFCs) e Vapor de Água (H₂O)), emitidos para a realização das atividades que lhe correspondem. E tenho ‘cobrado’, das autoridades governamentais e empresariais, e de toda a sociedade civil de uma forma geral, providências concretas a respeito (1).

Importante ressaltar que as atividades logísticas são, ao mesmo tempo, algumas daquelas nas quais mais encontramos oportunidades para, caso de fato queiramos, contribuir para a diminuição na emissão, por exemplo, do Dióxido de Carbono (CO2).

Não há qualquer dúvida que as diversas atividades econômicas que redundam em excessivas quantidades emitidas de COe demais gases de efeito estufa, ou os desmatamentos ilegais e sem controle, os incêndios florestais criminosos, a desmesurada utilização de materiais descartáveis ou mineração predatória, entre outros, apenas evidenciam a necessidade que todos nós temos de buscar, e adotar, providências urgentes de combate a essas práticas, posto que os impactos negativos na vida do ser humano, direta e indiretamente, serão cada vez maiores. A insegurança climática é, sem dúvida, um dos maiores problemas deste século (2), até porque, além de problemas específicos, gera tensão social e provoca mudanças geoeconômicos de forte impacto em toda a sociedade (3).

O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente indica, como única forma de se “segurar” o aumento do aquecimento global em 1,5º C, “a necessidade de se reduzir em 45% a emissão de gases de efeito estufa até 2030”, sendo a adoção de programas para descarbonização das atividades de transportes, responsáveis por aproximadamente 20% das emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo, providência inegociável.

Não à toa, e como um dos exemplos, desde 2022 o Conselho Europeu tem definido, junto ao Parlamento Europeu, acordo para estabelecer legislação específica que proíba a importação de produtos agropecuários oriundos de desmatamentos ocorridos após 31/12/2020. Como se vê, um enorme problema para o Brasil e demais países exportadores de produtos agropecuários. A esse respeito, escreveu o ex-ministro da agricultura brasileiro Roberto Rodrigues: “acabar com o desmatamento ilegal e outras ilegalidades como invasão de terras, garimpos clandestinos e incêndios criminosos” passou a ser uma necessidade nacional.

Ainda agora, mais recentemente, e conforme publicado no ESGToday (16.05.24), o Parlamento Europeu tem aprovado a “Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), isto é, o mais recente regulamento de sustentabilidade corporativa da União Europeia.

Para que se tenha uma ideia, a CDSDD exige que mesmo as empresas de responsabilidade limitada passem a identificar, minimizar e prevenir todas e quaisquer possibilidades de danos ambientais e de direitos humanos que suas atividades, de suas filiais ou parceiras, possam produzir ao longo de todo o processo produtivo. Essas empresas serão obrigadas a “documentar e reportar as suas atividades nestas áreas e realizar a devida diligência”, em toda a sua cadeia de valor.

Outro exemplo foi a criação da SBTi (Science Based Targets initiative), que se mobiliza, mundialmente, para incentivar e apoiar as empresas para adotarem metas baseadas na ciência que tenham como objetivo a redução de GEE, como forma a acelerar a transição para uma economia com emissões líquidas zero.

Interessante como um dos principais valores da SBTi é que, sempre com transparência e utilização das melhores práticas, as metas que cobrem os escopos 1, 2 e 3, especificadas nas Normas do GHG Protocol precisam estar, depois de devidamente validades, baseadas na ciência e compatíveis com o Acordo de Paris. Em síntese, busca-se um mundo mais sustentável e mais resiliente às mudanças climáticas que se fazem cada vez mais presentes nestes dias atuais (4).

Importantíssimo ressaltar que, ao se estabelecer metas com base na ciência (“Sci4nce Based Targets”), os benefícios não se limitam apenas ao aspecto ambiental, mas também ao econômico, mais especificamente ao meio empresarial, pois:

  1. Garante-se que as empresas estejam alinhadas aos objetivos do Acordo de Paris e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que, por sua vez, têm facilitado o cumprimento das regulamentações ambientais estabelecidas e evitado possíveis sanções;
  2. Reduzem-se os riscos associados às mudanças climáticas, seja com relação à escassez de recursos, à interrupção da cadeia de suprimentos, ou ao aumento dos custos de energia;
  3. Estimulam-se a inovação e a utilização de tecnologias mais eficazes e, consequentemente, reduzem-se custos e desperdícios e aumentam-se as vantagens competitivas empresariais;
  4. Aumentam-se a credibilidade, a confiança e a reputação, junto aos investidores e demais ‘stakeholders’, pois o compromisso com a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental já se mostram como valores fundamentais.

Não há dúvidas, e parece-me extremamente claro que são cada vez mais fortes os movimentos da sociedade, de todo o mundo, a favor da sustentabilidade e da proteção à natureza e ao meio ambiente. As gerações mais novas, mostram diversas pesquisas, já se preocupam com os efeitos das mudanças climáticas e com tudo aquilo que diz respeito a esses temas. E, importante ressaltar, estão dispostas, mesmo com preços maiores, a comprar produtos sustentáveis. Esse cuidado se dá, inclusive, no momento de se buscar novos empregos. Muito mais bem informadas e conscientes, sabem que algo precisa ser feito, e que os governos, assim como eles próprios, devem pressionar para que as empresas, de uma forma geral e de fato, tomem medidas a favor dessas causas. Acredito que movimentos desse tipo vieram para ficar!

Aqui no Brasil, minha experiência, em face de participações em diversos eventos e reuniões sobre sustentabilidade, ESG e meio ambiente, é a de que o tema, junto à classe política e em grande parte do empresariado brasileiro, ainda está sendo discutido de forma muito ‘superficial’ e sem muito compromisso.

Um dos setores que cito como exceção, seja porque o nível de conhecimento a respeito seja maior, ou porque é muito maior a ‘cobrança’ feita pelos clientes, é o segmento voltado às operações logísticas.

Tenho testemunhado que uma grande maioria dos Operadores Logísticos que fazem parte da ABOL (Associação Brasileira dos Operadores Logísticos) tem um engajamento mais concreto e positivo com relação a esses temas, posto que já se verificam providências importantes: instalação e o funcionamento de programas para realização de inventários de emissões de GEE; existência de estruturas específicas para tratar do assunto (ESG inclusive); e desenvolvimento de ações voltadas à ‘descarbonização’. A própria Associação estruturou uma Coordenadoria ESG, cujos objetivos são estudar mais detalhada e profundamente esses assuntos, transferir conhecimentos e auxiliar seus associados.

Entretanto, de uma forma geral e considerando ser um tema ainda novo, é preciso aprofundar o conhecimento a respeito, principalmente se considerarmos, por exemplo, que o setor de logística e transporte tem papel fundamental em qualquer programa que tenha a ‘descarbonização’ como objetivo.

Como já salientei, e apesar de se detectar iniciativas elogiáveis (5), percebe-se muito retrocesso e alguns entraves, notadamente do Poder Legislativo brasileiro, que parecem intransponíveis. Infelizmente ainda se dá ‘pouca importância’ aos temas aqui comentados.

O Congresso Nacional, por exemplo, continua ignorando os problemas ligados ao clima, ao meio ambiente e à sustentabilidade e parece estar legislando a favor da aceleração da destruição de nossas florestas e aumentando ainda mais a emissão de COna atmosfera. Reportagem do jornalista André Borges, publicada no site NEOFEED no dia 8 de maio último, faz observações importantes sobre alguns projetos de lei que, também a meu ver, não deveriam sequer estar sendo discutidos.

É o caso do PL 3334/2023, que permite a redução das reservas florestais na Amazônia, reduzindo-se a chamada “reserva legal”, de 80% para 50%. O próprio Ministério do Meio Ambiente, em nota técnica, já alertou para o fato de que os riscos são muito grandes, posto que mais de 280 mil km² de áreas de florestas poderão ser colocadas à disposição para qualquer tipo de exploração. Podem ser citados também os PL 364/2019, que desrespeita de forma flagrante o atual Código Florestal (6), e o PL 2159/2021, que estabelece um “tal” de “licenciamento autodeclaratório” (7).

A percepção que se tem é a de que há uma parte significativa (se não a maioria) de parlamentares (e empresários) interessada em acabar com os sistemas de proteção ambiental e que colocarão o Brasil, sem dúvida, em descompasso com aquilo que vem ocorrendo na maior parte do mundo.

Esse retrocesso na legislação ambiental brasileira tem, como consequência, aumento das dimensões e das frequências dos chamados “desastres ambientais”, com os quais estamos nos acostumando aqui no Brasil. De Brumadinho a Mariana, do Rio de Janeiro e Petrópolis ao Rio Grande do Sul, esses eventos, e outros menos citados, ocorreram, e não há a menor dúvida, devido à negligência e a incapacidade na forma como são tratados esses assuntos.

Diante da tragédia do Rio Grande do Sul, causou-me perplexidade saber que um plano, sancionado em 2012, o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, será apresentado para discussões agora no próximo mês de junho, isto é, 12 anos depois.

Mesmo considerando que houve governos mais negacionistas do que outros, não há que se falar em ideologia ou partidarismo, pois foram diversos os governos que se sucederam, e o tema “prevenção”, principalmente quando voltado aos desastres climáticos e/ou ‘naturais’, esteve fora das prioridades nacionais. Evidente que essa é uma postura, se não negacionista ao extremo, que colabora para que ciência e tecnologia não se façam presentes quando esses assuntos são discutidos.

Como escreveu Gilberto Zancopé, fundador da Ordervc.com em artigo publicado dia 18 de abril passado, no site da NEOFEED (“A fragilidade da promessa ESG”): o “planeta está em risco” e o setor empresarial precisa pautar suas relações por “códigos de ética e aceitação da diversidade”, agir com base aos “valores universais” e estar em ‘ordem com o mercado, com os consumidores, com os valores da sociedade e com o planeta”.

Governos em todas as suas esferas, demais poderes constituídos, setores empresariais e a sociedade civil de uma forma geral, precisarão se dedicar, mas de forma efetiva, para que sejam minimizados os males oriundos desses tipos de problemas. Mas não é só, é preciso defender o que já se escreveu no século passado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Relatório Brundtland – 1987): “Sustentabilidade é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades”.

(1) “Proteger a natureza e o meio ambiente e preservar a capacidade produtiva das gerações futuras é responsabilidade prioritária e de todos nós” (15/02/23, na Logweb); “O conceito ESG e a responsabilidade social das empresas” (15/07/2023 no Guia do TRC); “A descarbonização do planeta é urgente e imprescindível” (14/07/23, na Logweb);

(2) “O setor privado e as mudanças do clima” – Estadão 28.12.22. Texto de André Ferretti, Gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário. “A emergência climática pode ser considerada o maior desafio da humanidade neste século sob diferentes pontos de vista. Mas, infelizmente, o Brasil e o mundo ainda estão muito aquém dos esforços necessários para restringir o aquecimento global dentro do limite de 1,5° C até o fim do século. Todos os países precisam ampliar o nível de ambição dos seus compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa, pois a Organização das Nações Unidas (ONU) já reconheceu que, mesmo que as nações cumpram os compromissos firmados no Acordo de Paris, poderemos ter um aumento médio da temperatura global em 2,4° C até o fim do século.

(3) Tom Middendorp, general aposentado do Exército Real da Holanda, entrevistado por Axel Esqué, sócio da McKinsey de Paris, em novembro de 2022, foi claro ao abordar o tema “A ligação entre o clima e a segurança nacional: “A população mundial está dobrando de tamanho, então a demanda está aumentando. Enquanto isso, estamos com falta de muitos recursos, incluindo água e minerais raros. Essa lacuna entre demanda e oferta se tornará uma fonte de atrito no mundo. E isso levará a desastres, fluxos migratórios, extremismo e conflitos internos e externos nas regiões. Não é uma imagem cor de rosa e acho que as comunidades de defesa precisam estar preparadas e se adaptar”. Um dos efeitos atuais é a atual tensão mundial, momento no qual “os países querem se tornar menos vulneráveis ​​tornando-se menos dependentes de energia de outros países. Acelerar a transição energética os ajudaria a alcançar essa independência. Ao mesmo tempo, precisamos estar cientes de que a transição energética aumenta a demanda por minerais raros necessários para baterias e painéis solares. Isso pode resultar em escassez de novos recursos – e na necessidade de garantir o acesso a esses tipos de recursos. Precisamos tornar nossas organizações e nossas políticas à prova de clima”.

(4) Iniciativa que tem a participação de várias entidades (Fundo Mundial para a Natureza-WWF), Carbon Disclosure Project-CDP, World Resources Institute- WRI e Pacto Global das Nações Unidas), já tem a participação de empresas importantes e de todo o mundo. Dell, Sony, Natura, Schneider Electric, Coca-Cola e Nestlé são alguns exemplos. E ao se falar em “metas baseadas na ciência”, há que se ressaltar o incentivo dado pela SBTi para que as empresas, sempre, estabeleçam metas concretas e audaciosas, mas comprovadamente eficazes, seja para reduzir as emissões de GEE, seja para ajudar na limitação de aumento de temperatura, conforme estabelece o Acordo de Paris (no máximo 1,5º C se comparado aos níveis pré-industriais.

(5) Já está tramitando no Congresso Nacional, projeto de lei para regulamentar o mercado de carbono que tem, como objetivo principal, “criar um sistema de compensação de emissões de carbono”. A expectativa é de que o PL seja aprovado ainda para novembro deste ano.

(6) PL 364/2019: acaba com os sistemas de proteção dos chamados ‘campos nativos e outras formações de vegetação naturais’. Isso, contrariamente aquilo que estabelece o Código Florestal, coloca em riscos os biomas nacionais (Mata Atlântica, Pantanal, Pampa, Cerrado, Caatinga e Amazônia).

(7) PL 2159/2021: sem qualquer estudo ambiental, um empresário do setor poderá produzir o seu “licenciamento ambiental autodeclaratório”. Há, ainda, uma lista de atividades que não precisará qualquer licença ambiental.

Autor da publicação:
Paulo Roberto Guedes
Mestre em Administração de Empresas pela EAESP/FGV. Consultor Associado Autônomo na Faria de Oliveira Advogados. Sócio-diretor da Ripran Consultoria e Conselheiro da Abol
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