A legítima e correta preocupação com o meio ambiente, o forte processo de urbanização e crescimento das grandes metrópoles e suas inerentes dificuldades com relação à mobilidade, a evolução tecnológica, a forte integração econômica instalada neste mundo “globalizado”, o crescimento populacional e as alterações geoeconômicas, como principais exemplos, além de volumes maiores de pessoas e mercadorias para serem movimentadas, têm proporcionado maior complexidade. Em particular nas operações logística. Buscar uma logística eficaz, portanto, se já não era, passou a ser objetivo de todos.
Porém, com o surgimento da pandemia e a queda na produção em todo o mundo, foi natural que a quase a totalidade das empresas, inicialmente, tivessem como única preocupação a sua própria sobrevivência. Rígido controle de caixa e de custos, proteção dos empregados, ampliação de portfólio, melhoria de atendimento e utilização da tecnologia disponível para aumento da produtividade foram providências padrão em quase todas as empresas.
Especificamente no caso dos Operadores Logísticos, é importante ressaltar que durante a pandemia e o consequente e expressivo aumento do e-commerce (1), todos procuraram manter um altíssimo nível na qualidade dos serviços prestados e atendimento quase total das expectativas de seus clientes, em especial com relação à segurança e à saúde de funcionários e colaboradores. Vale acrescentar, também, que os Operadores Logísticos vêm exercendo papel de alta relevância ao armazenarem e entregarem, no tempo certo, na temperatura adequada e com segurança, milhões de vacinas de combate à Covid-19 em todo o mundo.
Mas é essencial, agora, planejar o futuro e repensar os negócios. E se temas voltados a governança corporativa, resiliência, inovação, sustentabilidade, meio ambiente e prevenção de riscos já faziam parte das agendas de todos, assim como as discussões a respeito das consequências – positivas e negativas – que o avanço tecnológico gerava, agora durante e pós-pandemia, tudo ficou mais complicado (2) e essas discussões passaram a ter prioridade máxima.
Está claro que as cadeias produtivas, as relações comerciais, as formas de contratação etc. serão alteradas e obrigarão todos os empresários a desenvolverem, com base em perspectivas futuras ainda bastante desconhecidas e incertas, propostas empresariais que mantenham a qualidade, atendam as expectativas de clientes e acionistas e gerem valor a todos os “stakeholders”.
Há que se considerar, inclusive, que é particularmente nesta época de pandemia que as empresas, agora de forma definitiva (pelo menos é o que parece), assumiram novas responsabilidades sociais e incorporaram novos “valores” aos seus propósitos. A sigla ESG (“Enviromment, Social e Governance), por exemplo, resume um conjunto de alguns desses novos valores empresariais, característica das empresas desta nova década de 20 (3).
Observa-se, também como tendência mundial, que a terceirização das atividades logísticas nos modelos atuais tem levado os operadores logísticos a exercerem um papel muito mais estratégico do que antes, quando apenas eram praticadas atividades puramente operacionais. Óbvio que isso tem gerado a necessidade de se fazer uma completa revisão das relações destes com os usuários, uma vez que adaptar-se, compreender e atender as novas demandas, aliás, como sempre, são fundamentais. E nada melhor do que conhecer cada vez mais o seu cliente, os fornecedores e os clientes do seu cliente, única forma de compreender melhor e gerenciar eficazmente a cadeia de suprimentos.
Importante saber, por exemplo, se seu cliente, ou mesmo o cliente dele, opta, sempre que possível, por adquirir mercadorias produzidas por empresas que tenham compromissos com o meio ambiente, que combatem a discriminação e o racismo. Demonstram muitas pesquisas, que já são muitos os consumidores que preferem, ao fazer suas compras, adquirir produtos ou serviços de empresas que tenham propósitos claros, seja com respeito à sociedade, às pessoas ou à sustentabilidade.
Os operadores logísticos, assim como todo o mundo empresarial, terão de compreender as novas exigências, o novo momento e, mais do que nunca, os possíveis e eventuais impactos gerados pela pandemia, muitos dos quais ainda não se conhecem com a profundidade requerida. O diagnóstico, consequentemente, é fundamental, pois elaborado incorretamente indicará soluções, na melhor das hipóteses, sem quaisquer efeitos práticos. Na pior das hipóteses, agravando ainda mais o que já era crítico. Inclua-se nessa lista de “compreensões”, como tenho constantemente salientado, que compreender a logística em sua essência e praticá-la como instrumento estratégico é necessário.
Diante disso, e dependendo da região, do cliente, do produto, do momento, do seu próprio tamanho ou dos recursos disponíveis (4), cada operador logístico sofrerá impactos diferentes que exigirão respostas diferentes. Se os tempos de permanência na crise são diferentes, isto é, enquanto alguns ainda tentam sobreviver, outros já iniciaram seus processos de recuperação, é fundamental desenhar e acompanhar os cenários possíveis (inclusive econômicos), de forma a compreender e, sempre que possível, antecipar-se aos eventuais problemas e exigências futuras. Não há resposta padrão para o que vem ocorrendo atualmente no mundo e, em particular, nos setores empresarial e logístico.
Certamente há um conjunto de providências específicas (5), razoavelmente comuns a todos os operadores logísticos, que precisam ser tomadas. Mas é evidente que os impactos com relação ao novo comportamento do consumidor (6), ao crescimento do comércio eletrônico e das vendas no varejo, aos novos canais de distribuição (7), ao avanço tecnológico, à globalização das cadeias de suprimentos, à nova postura empresarial, à pressão para realizar operações ecologicamente corretas e sustentáveis (8), incluindo-se a utilização de energia renovável, e ao aumento da inovação (incluindo-se aqui a digitalização, a robotização e a automação), apenas para citar alguns dos ‘novos fenômenos’, serão diferentes, em proporções diferentes e em tempos diferentes (9) a cada uma das empresas, bem como a cada um dos operadores logísticos.
Desenvolver plataformas de marketplace próprias (10), aumentar investimentos em mídia digital ou diminuir a rede de lojas físicas, apenas como exemplos, não são respostas para os problemas de todas as empresas. Associar-se às startups logísticas (“Logtechs”), como forma de acelerar o desenvolvimento de soluções específicas (11), ou operar armazéns fechados (“Clark Stones”), para diversos tipos de produtos vendidos via e-commerce, de modo a facilitar e racionalizar o desenho de rotas e dos processos de entrega, podem ser ótimas soluções para operações pertinentes. Mas sem dúvida, não resolverá o problema de toda e qualquer empresa ou operador logístico.
Isso nos leva a concluir que realizar observações, agora com maior frequência e profundidade, que permitam acompanhar a velocidade das mudanças e realizar projeções mais confiáveis, ter instrumentos de avaliação de desempenho que levem em conta cenários cada vez mais dinâmicos e movimentar-se com rapidez, para adotar medidas urgentes e que se adaptem ao novo, transformaram-se em atividades profissionais imprescindíveis. Fica claro, também, que o maior ou menor grau de exposição a riscos dependerá, diretamente, da eficácia dos sistemas de monitoramento e de avaliação e dos planos de contingência existentes. E para que isso se realize com segurança, precisão e rapidez, digitalização, inovação e sofisticadas tecnologias (5G?) de informação, rastreamento, monitoramento e comunicação (principalmente com os clientes), passam a ser exigências indispensáveis. Mas que só funcionarão de forma completa e eficaz, com capacitação e treinamento das pessoas que se disponham a trabalhar no ramo da logística.
(1) Em 2020 foram 20,2 milhões de consumidores no e-commerce. Apenas no 1º Trimeste de 2021 houve um acréscimo de 3,8 milhões de novos consumidores, que aumentaram em cerca de 72% o desembolso nesse canal de compra. De 2019 para 2020 o aumento já havia sido de 68%
(2) De acordo com a Nota informativa nº 66 da McKinsey, 4 de agosto de 2021, “a crise do COVID-19 e a subsequente mudança para modelos de trabalho híbridos aceleraram a necessidade de novas habilidades da força de trabalho, especialmente habilidades sociais, emocionais e cognitivas avançadas. Cinquenta e oito por cento dos entrevistados em nossa recente pesquisa global disseram que eliminar as lacunas de habilidades tornou-se uma prioridade mais alta desde o início da pandemia. Essa estatística apenas indica a necessidade de retreinamento”. Ainda, segundo a pesquisa, “mais de 100 milhões de trabalhadores em oito grandes economias podem precisar mudar de ocupação até 2030. As empresas devem fazer um inventário abrangente de habilidades em suas organizações, criar “centros de habilidades” para o aprendizado contínuo e construir ecossistemas de aprendizado por meio de parcerias com comunidades e educadores”.
(3) 59% das empresas pesquisadas deverão introduzir o tema ESG para ser discutido nos níveis hierárquicos mais “seniores”, ainda nos próximos dois anos; 81% estão priorizando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU em seu planejamento de ações; 85% estão aumentando os recursos para o E do ESG; 68% estão aumentando os recursos para o S do ESG; 70% das empresas já estão integrando métricas da ESG na avaliação de desempenho e remuneração dos colaboradores. Fonte: Dados produzidos pelo Relatório “Global Impact at Scale Corporate Action on ESG Issues and Social Investiments 2020” e publicados no Anuário do Transporte de Cargas 2021 (Ano 26/2021) da OTM.
(4) De acordo com o Relatório Anual de Sustentabilidade na Cadeia de Suprimentos 2021, mesmo com a Covid-19, as empresas não diminuíram seus esforços para tornarem a cadeia de suprimentos mais sustentável, como poderia se supor, considerando que as maiores atenções estariam direcionadas ao combate da pandemia. Além disso se “mostrou evidente que nas pequenas e médias empresas essa constatação se deu em um número muito menor – até por falta de recursos financeiros, inclusive antes da pandemia – se comparado com as grandes empresas (grifos meus). MIT Center for Transportation & Logistics (MIT CTL) e o Council of Supply Chain Management Professionals (CSCMP). Dados coletados em 2020 e relatório apresentado em 2021.
(5) Escrevi sobre isso em artigo recente (“Um olhar estratégico sobre a logística, seus operadores e o mundo empresarial”), publicado aqui mesmo dia 24.05.21. Algumas das providências descritas:
– Estabelecimento de planos de proteção à saúde efetivos, de forma a garantir segurança aos empregados, clientes e fornecedores;
– Redefinição clara do escopo e das obrigações de cada uma das partes, cujo objetivo inclua ‘alto desempenho’;
– Proposição de soluções logísticas que tenham maior resiliência;
– Reedição dos fluxos operacionais que reflitam o novo momento operacional, bem como os aspectos estruturais relevantes;
– Especificação dos novos níveis de serviço, de segurança, de indicadores de desempenho e de relatórios de acompanhamento;
– Estabelecimento efetivo de programas de melhoria contínua, planos de contingência e de ganhos de produtividade;
– Estabelecimento de processos de auditorias constantes e periódicos, de tal forma que seja mantida adequação às novas demandas.
(6) Estudo da McKinsey, de maio de 2020 (“O novo consumidor pós Covid-19”), indica que 25% dos consumidores frequentam novas lojas e que, entre 30% a 40% compram novas marcas. Algumas pesquisas indicam que o consumidor atual é menos fiel, mais consciente, mais “empoderado”, mais informado, conectado e cada vez mais exigente, inclusive com relação aos aspectos morais e éticos de seus fornecedores. E ainda: 40% fizeram mais compras “on-line” durante a crise, sendo que 40% desses pretendem continuar comprando “on-line”. Enquanto 35% dos entrevistados pretendem diminuir ida às lojas físicas, 60% consomem mais produtos frescos/não industrializados;
(7) Estudo realizado por Tom Bartman, Scott McConnell , Florian Neuhaus e Isabell Scheringer (“Desbloqueando a oportunidade omnicanal na logística de contratos”, publicado pela McKinsey, indicam que o comércio eletrônico, entre 20214 e 2019 aumentaram 160%, isto é, seis a oito vezes a taxa de crescimento do varejo tradicional, traduzindo-se em “uma grande oportunidade para empresas de logística de contrato”, considerando que o bens de consumo e varejo representam quase metade do mercado de logística. O estudo projeta, ainda, que “o valor total da distribuição omnicanal continuará a crescer 7% ao ano, de $ 600 bilhões em 2019 para $ 840 bilhões em 2025”. E para finalizar afirma: “como os atendimentos de comércio eletrônico são significativamente mais complexos, a logística de contratos pode cobrar cerca de 50 por cento mais do que o atendimento em lojas tradicionais”. Omnicanal: atendimentos de e-commerce normalmente exigem: a) mais pontos de contato do que a logística de varejo tradicional; b) processo de embalagem com mais etapas de trabalho; c) maior capacidade de armazenamento; d) armazéns mais descentralizados e mais próximos dos locais de destino; e) habilidade para trabalhar com todos os tipos de pedidos; f) mão de obra flexível para trabalhar com diferentes picos de demanda;
(8) Pós-Venda e a Logística Reversa são algumas das atividades que realçam a operação logística em diversos aspectos, notadamente com relação ao meio ambiente;
(9) As exigências para integração de tecnologia de informação e para análise de dados mais rápida, serão cada vez maiores quanto mais depósitos e clientes tiver uma determinada operação. Integrar os sistemas de recebimento, de gerenciamento de estoques, de pedidos, de transporte e de entregas, de forma a dar informações claras, precisas e fidedignas aos clientes, exigirão, sem dúvida, plataformas mais sofisticadas e abertas, em proporções diferentes de outras;
(10) O aumento do e-commerce, sem dúvida, alavancou a implantação de plataformas de marketplace, assim como fez aumentar necessidade de maior integração entre as lojas físicas. Segundo a Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), o marketplace representou 35% do faturamento do e-commerce em 2019 e 51% em 2020. Em 2020 foram processados mais de 148 milhões de pedidos. Embora muitos marketplaces possam se transformar e Operadores Logísticos, e alguns exemplos já são conhecidos do mercado, o fato é que, considerando as dimensões do território e do mercado brasileiro, muitos deles precisarão se socorrer, e ainda por um bom tempo, dos próprios Operadores que, geralmente, possuem estrutura abrangente e adequada a qualquer tipo de região ou produto;
(11) As “Logtechs”, em muitos casos, podem complementar as atividades dos OLs, na medida em que tenham condições de atuar no desenvolvimento de soluções específicas para toda a operação e em todos os processos que compõem a logística. Não é à toa, inclusive, que muitos OLs vem buscando fazer parcerias com as Logtechs, ou mesmo Centros de Pesquisa, para dar maiores rapidez e produtividade nesse desenvolvimento.
*Paulo Roberto GuedesPaulo Roberto Guedes
Formado em ciências econômicas (Universidade Brás Cubas de Mogi das Cruzes) e mestre em administração de empresas (Escola de Administração de Empresas de São Paulo/FGV). Professor de logística em cursos de pós-graduação na FIA (Fundação Instituto de Administração), ENS (Escola Nacional de Seguros) e FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras). Membro do Conselho Consultivo da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, da qual também foi fundador. Membro do Conselho de Administração da ANHUMAS Corretora de Seguros. Diretor de Logística do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte. Consultor Associado do escritório de Nelson Faria Advogados. Consultor empresarial e palestrante nas áreas de planejamento estratégico, economia e logística. Articulista de diversas revistas e sites, tem mais de 180 artigos publicados. Exerceu cargos de direção em diversas empresas (Veloce Logística, Armazéns Gerais Columbia, Tegma Logística Automotiva, Ryder do Brasil e Cia. Transportadora e Comercial Translor) e em associações dos setores de logística e de transporte (ABOL – Assoc. Brasileira de Operadores Logísticos, NTC&L – Assoc. Nacional do Transporte de Cargas e Logística, ANTV – Assoc. Nacional dos Transportadores de Veículos, ABTI – Assoc. Brasileira de Transp. Internacional e COMTRIM – Comissão de Transporte Internacional da NTC&L). Exerceu cargos de consultoria e aconselhamento em instituição de ensino e pesquisa (Celog-Centro de Excelência em Logística da FGV), de empresas do setor logístico (Veloce, Columbia Logística, Columbia Trading, Eadi Salvador, Consórcio ZFM Resende, Ryder e Translor) e de instituição portuária (CAP-Conselho de Autoridade Portuária dos Portos de Vitória e Barra do Riacho do Espírito Santo). Lecionou em cursos de pós-graduação na área de Logística Empresarial na EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas) e em cursos de graduação de economia e administração de empresas em diversas faculdades (FAAP-Fundação Armando Álvares Penteado, Universidade Santana, Faculdades Ibero Americana e Universidade Brás Cubas). Por serviços prestados à classe dos Economistas, agraciado com a Medalha Ministro Celso Furtado, outorgada pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo.