Ainda recentemente, aqui mesmo no Portal Guia do TRC, publiquei um texto que defendia a necessidade de se apoiar o governo Temer, uma vez que ele está prestes a deixar de ser provisório (“Após o impeachment, correta e justa solução constitucional, gostando-se ou não do Temer, é preciso apoiá-lo, pois imenso será o trabalho de reconstrução do Brasil” – 25/07/16).
Entre os diversos desafios que estão colocados à frente do novo governo, o ajuste fiscal é fundamental, posto que déficits orçamentários (1) e crescimento exagerado da dívida pública (2) impedem o próprio governo, sempre o maior investidor de uma economia, a reagir de forma eficaz.
Mesmo que não seja unanimidade, não há dúvidas que o desempenho da economia de um país, como um todo, depende do equilíbrio das contas públicas, pois é a única forma de se evitar riscos de insolvência e levar a taxa de juros para patamares que, ao mesmo tempo em que controla a inflação, estimula consumidores à obtenção de crédito e investidores e empresários a aplicarem recursos no processo produtivo. É bom lembrar que um governo próximo da insolvência terá, sempre, a possibilidade de emitir moedas, o que o impulsionaria para uma escalada inflacionária ainda maior.
Portanto, o equilíbrio fiscal, além de fundamental sob o ponto de vista econômico, é imprescindível para aumentar a confiança no governo. Sem ajuste fiscal não há solução para a grave crise econômica pela qual passa o Brasil atualmente.
Naquela oportunidade também fiz uma breve observação sobre o comportamento de prefeitos e governadores nesse episódio, pois a solução das finanças públicas brasileiras passa, sem dúvida, pelo equilíbrio fiscal de estados e prefeituras.
Enquanto as despesas do governo federal representam 36% do total das despesas públicas, as dos Estados e Municípios representam os 64% restantes. É óbvio que a situação crítica pela qual passa a grande maioria dos Estados e Municípios brasileiros, deve-se à baixa arrecadação do governo federal (3) e aos erros da política econômica petista, em especial, quando voltada à desoneração fiscal, utilizada à exaustão e para setores que, infelizmente “acomodados” pelas “benesses” governamentais, não geraram o retorno esperado.
Mas é óbvio, também, que prefeitos e governadores precisam se esforçar “um pouquinho” mais, pois as transferências da União para Estados e Municípios, ao contrário do que se possa pensar, têm aumentado. Informação de Maílson da Nóbrega, publicada na Revista Veja de 10/08/16, mostra que essas transferências, até1984, representavam 20% do IPI e do IR arrecadados. Atualmente essas transferências são 49% (4). Da Receita Total do Governo Central, incluindo aqui as Receitas do Tesouro, da Previdência Social e do Banco Central, as transferências para Estados e Municípios em 2014 foram equivalentes a 17,2% e em 2015, 17,3%, de acordo com dados obtidos junto à Secretaria do Tesouro Nacional. É verdade, também, que a Constituição de 1988 aumentou muito as responsabilidades para governadores e prefeitos.
Entretanto, segundo o economista Raul Velloso, estudioso das finanças públicas, “os gastos com pessoal e serviço da dívida extrapolam os limites desejáveis para manter as contas em dia”. Dados do Ministério do Planejamento dão conta que, em 2015, o gasto com funcionário público chegou a 5,3% do PIB, o maior desde 1995.
Informações da CNM (Confederação Nacional dos Municípios) dão conta de que, até abril de 2016, 22,5% das prefeituras haviam ultrapassado o limite estabelecido pela Lei de Responsabiliade Fiscal (LRF), que é de 60% das receitas correntes líquidas para despesas com a folha de pagamento do funcionalismo. Já, de acordo com o Índice Firjan de Gestão Fiscal de 2015, 770 municípios (13,8% do total de municípios brasileiros) deixaram de cumprir esse teto, enquanto em 2007 eram apenas 115. E mais, com base em cálculos feitos pela entidade, caso não sejam mudadas as condições atuais, dentro de cinco anos, mais de 1000 prefeituras deixarão de cumprir com o que estabelece a LRF (economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Guilherme Mercês, em entrevista para o Globo Digital, neste mês de agosto).
Reportagem da jornalista Alexa Salomão (Estadão de julho/16), com base nas informações obtidas junto ao Ministério da Fazenda e ao Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal / STN (Secretaria do Tesouro Nacional), indica que as despesas com pessoal dos Estados, cresceram R$ 100 bilhões, de 2008 até 2015. Já haviam crescido R$ 74 bilhões entre 2000 e 2008. Outro artigo, este publicado pela Revista Veja, em 10/08/16 e com base em dados do Ministério da Fazenda, indicam que os gastos dos Estados, com a folha de pagamentos do funcionalismo público, cresceram 36% entre 2012 e 2015. Enquanto isso, outras despesas cresceram 32% e os investimentos cairam 7% !
Não é à toa, como indica levantamento feito pela Firjan, que apenas 42 prefeituras brasileiras conseguiram pagar a folha do funcionalismo com recursos próprios. Dados de 2006 davam conta de que 100 prefeituras haviam conseguido isso. Portanto, mais de cinco mil municípios dependeram de transferências da União para cumprir esses compromissos.
Mesmo assim, insaciáveis na busca por recursos, principalmente em épocas próximas das eleições, governadores e prefeitos pressionam o Congresso, o Executivo e até Judiciário, através de instrumentos legais, para que os pagamentos de parte de suas dívidas, junto às instituições federais, sejam postergados. E por não conseguirem cumprir acordos anteriores, buscam sempre a renegociação de suas dívidas, sempre se movimentando de forma corporativa e utilizando todos os instrumentos disponíveis, que vão da chantagem política à política do “toma-lá-dá-cá”, como é facilmente constatado pelo noticiário recente.
E para piorar um pouco mais, os governadores ainda buscam transformar seus contratos de emprestimos, junto ao governo federal, de juros compostos para juros simples. Só isto, segundo cálculos feitos por Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, ‘jogará’ nas costas do Tesouro Federal, mais R$ 313 bilhões.
Não fosse só o descumprimento da LRF, por grande maioria de governadores e prefeitos, há também o problema da corrupção e da utilização de práticas irregularidades na gestão do dinheiro público. O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle fez uma pesquisa, junto às auditorias realizadas pelo antigo CGU (Controladoria Geral da União) entre 2006 e 2010, junto a 840 municípios e concluiu que houve “alguma forma de corrupção em pelo menos 15,65% das ações de responsabilidade das prefeituras bancadas com recursos da União” (Estadão de 13/08/16). Ainda, segundo a matéria do Estadão, a corrupção “se concentra nas áreas da saúde e educação” e, “desde 2003 as irregularidades constatadas em 199, dos 2,7 mil municípios fiscalizados resultaram no desvio de R$ 2 bilhões destinados à merenda e ao transporte escolar por meio de programas federais” (5).
Não é preciso lembrar que falta de recursos e as ‘mazelas’ praticadas na saúde e na educação atingem, direta e principalmente, as faixas mais pobres da população brasileira.
Num momento importante como o atual, quando a própria Presidente da República está respondendo a um processo de impeachment (a decisão final deverá ocorrer no Senado Federal, ainda no final deste mês) por ter desrespeitado a LRF, não é possível aceitar que governadores e prefeitos continuem ignorando uma realidade que, cada vez mais, exige transparência da administração e dos gastos públicos e respeito às leis.
Maílson da Nóbrega, em artigo na Revista Veja, publicado na última quinzena do mês de julho, quando comentava a crise financeira dos Estados e Municípios (“Estados Incontroláveis”), não deixou por menos e finalizou: “É preciso criar limites severos e incontornáveis a gastos estaduais e municipais”. “Caberia, ainda, criar fortes restrições ao endividamento estadual e muncipal”.
Talvez seja por esse motivo que a grande parte de nossos governadores e prefeitos tenha se “calado” a respeito do impeachment da Dilma, enquanto todo o Brasil se movimentava a favor. “Quem não tem pecado que atire a primeira pedra”.
Torna-se fundamental, portanto, que as Câmaras Municipais, as Assembléias Legislaivas e os Tribunais de Contas, pressionem os prefeitos e governadores para que cumpram, como todo e qualquer instituição, a legislação vigente. A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma delas.
(1) “A União exauriu-se. Em 2015 as despesas obrigatórias somaram 124% da receita!”, aponta Maílson da Nóbrega em artigo escrito para a Revista Veja de 10/08/16.
De acordo com dados no site do Tesouro Nacional, o déficit primário do governo, em 2015, foi de R$ 115 bilhões e o déficit nominal (que inclui os juros e as amortizações) chegou a R$ 531,2 bilhões. Para 2016 as estimativas são de um déficit primário de R$ 170,5 bilhões e um déficit nominal de R$ 720,5 bilhões, desde que o montante de juros e amortizações chegue aos R$ 550 bilhões. Para 2017 o governo prevê que o déficit primário chegará aos R$ 139 bilhões que, adicionados os juros e amortizações, fará com que nosso déficit nominal fique muito próximo ao deste ano. Como se vê, embora pouco se fale a respeito, a conta juros e amortizações também precisa ser reduzida, pois em 2015 ela consumiu 8,5% do PIB (R$ 502 bilhões) e tem sido um dos principais itens de aumento do nosso endividamento. Segundo informações do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, publicadas no Estadão de 29/05/16, os juros brasileiros em 2015, com relação ao PIB representaram 4,62%. Em Portugal eles representam 4,11%, na Itália 4,02% e na Grécia 3,61%.
(2) A dívida pública em 2014 era de R$ 3,3 trilhões (57,2% do PIB), em 2015 foi para R$ 3,9 trilhões (66,5% do PIB) e em 2016 poderá chegar a R$ 4,6 trilhões (80,3% do PIB). O rápido crescimento da dívida pública fez com que o governo passasse a gastar cada vez mais com juros e amortizações (US$ 416 bilhões em 2015 e que representaram 10,8% do PIB), intranquilizando os agentes econômicos e dificultando a diminuição da própria taxa de juros, que tão mal faz aos devedores, como bem faz aos credores. E tudo isso num momento no qual, além de ter pouca eficiência, aumentar impostos é contrário ao desejo de expressiva maioria da sociedade brasileira. O tamanho da carga tributária brasileira atual não tem estimulado, de forma eficiente, o crescimento da economia e, sem dúvida, causará mais problemas no longo prazo. O sistema tributário atual, complexo, burocrático, oneroso e injusto, tem estimulado a informalidade, a sonegação e a queda de competitividade das empresas brasileiras. O simples aumento da carga tributária manterá esse processo perverso e, como consequência, diminuirá a eficiência do tributo como instrumento de política econômica e de incentivo à produção. O peso do governo em nossa economia já é bastante exagerado se considerarmos que além da carga tributária, de 36% do PIB, há um déficit orçamentário por volta dos 10%. Isto é, o governo brasileiro atual administra 46% de tudo o que é produzido no Brasil. Há estudos que mostram a faixa percentual entre 33% e 35% do PIB, como limites máximos do total de tributos cobrados em um país, posto que, a partir dessa faixa, a queda das atividades econômicas é iminente, o pagamento de tributos em dia também diminui, e quedas ainda maiores da arrecadação, passam a ser simples consequências. Para este e o próximo ano, embora o Ministro Meirelles, em face das dificuldades impostas pelo Congresso e o momento político atual, não esteja prevendo aumento de impostos diretos, ele irá trabalhar para cortar ou reduzir as exonerações e isenções tributárias concedidas nos últimos anos e que, como já salientado, não trouxeram, na maioria dos casos, os resultados econômicos esperados.
(3) Informações da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), em 2015, teve queda real de 2,3%, se comparado com o ano anterior. Pior do que isso: no primeiro quadrimestre de 2016 já caiu outros 13,7%. Estimativas do CNM dão conta de que, entre 2008 e 2014 o FPM perdeu R$ 165 bilhões! O FPM é constituído por parcelas das arrecadações do IPI e do IR.
(4) A Constituição Brasileira define como devem ser divididos os tributos arrecadados pela União. As principais transferências são os Fundos de Participação: dos Municípios (FPM) e dos Estados (FPE), constituídos por parcelas arrecadadas do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produção Industrial (IPI).
(5) O filósofo, físico e matemático colombiano, Bernardo Toro, em entrevista concedida para a Revista Veja em 18/11/15, comentou que “quando a sociedade não está suficientemente organizada, os bens públicos são usurpados por grupos guiados pelos próprios interesses”. “Ocorre com a educação” (grifos meus). Por outro lado, Douglass North, prêmio Nobel em Economia, quando fazia uma análise sobre o Brasil, no ano de 2006, afirmava: “Há uma aliança próxima entre interesses políticos e econômicos. O resultado é uma barreira para a competição e para mudanças institucionais inovadoras e criativas. Isso impede o Brasil de se tornar uma nação de alta renda”. E continua: “Esses grupos se protegem da competição, numa ação que tende a fechar a economia e barrar a eficiência”. Ainda, segundo ele, este é, talvez, a principal razão do atraso brasileiro, pois esses “grupos de interesse, em conluio com o governo, expropriam o futuro da nação” (grifos meus). Artigo de Giuliano Guandalini, publicado pela Revista Veja de 12/12/2015 (“A Fórmula da Riqueza”).
* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.