A corrida da qualificação

Publicado em
26 de Abril de 2010
compartilhe em:

A Companhia Siderúrgica do Atlântico, que começa a funcionar em julho, treinou 75% dos operários e enviou mais de 200 metalúrgicos para fazer cursos na sede da sócia ThyssenKrupp, na Alemanha

Um grupo incomum de passageiros tomou boa parte de um voo da Varig que decolou do Rio de Janeiro rumo a Frankfurt em julho de 2007. No avião, 35 metalúrgicos da Companhia Siderúrgica do Atlântico, então ainda em fase de construção, partiram para temporadas de até um ano de treinamento na sede mundial da ThyssenKrupp, na cidade alemã de Duisburg. Desde então, outros 175 brasileiros já foram enviados à matriz pela multinacional, dona da CSA em sociedade com a Vale. Os "200 da Alemanha", recrutados na concorrência por salários em média 20% maiores, formam hoje a elite dos 2 300 empregados da CSA, usina que será inaugurada em julho em Santa Cruz, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e terá capacidade para produzir 5 milhões de toneladas de aço por ano. Desse total de funcionários, apenas 600 já tinham qualificação para as funções que iriam ocupar. Os outros 1 700, com pouca ou nenhuma experiência, tiveram de ser treinados no canteiro de obras desde 2007, quando os primeiros tratores começaram a terraplenagem. "O Brasil vive uma enorme carência de profissionais qualificados, e não dava para pensar num projeto dessa magnitude com tanta gente sem experiência. O jeito foi treinar 75% da força de trabalho", diz Valdir Monteiro, diretor de recursos humanos da ThyssenKrupp CSA.

Embora a discussão sobre a necessidade de formar profissionais com nível superior seja antiga no país, a carência de mão de obra de nível médio - como soldadores, operadores de máquinas, pedreiros e carpinteiros - é relativamente recente e desconcerta governo e empresas. "A falta de gente qualificada é uma de nossas piores fraquezas, pois impede que o país cresça por vários anos seguidos", diz Marcelo Odebrecht, presidente do grupo formado por oito empresas, entre elas a maior construtora do país. "A consequência é a frustração dos investimentos pela perda de qualidade, de produtividade e, consequentemente, de aumento de custos. Esse é um verdadeiro drama para a economia."

Como ainda não se conseguiu produzir um plano integrado para atacar o problema, o resultado é uma espécie de gincana nacional de treinamento e seleção - com empresas roubando profissionais umas das outras. "Há três anos só se falava em falta de profissionais de ponta", diz Vicente Picarelli, especialista em gestão de pessoas e sócio da consultoria Deloitte. "Agora as empresas estão sendo obrigadas a planejar toda a sua necessidade de pessoal no longo prazo." O setor privado, que se acostumou a investir em qualificação, está novamente tendo de resolver o problema à sua maneira. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que ao menos 20% das pessoas com algum tipo de formação técnica saem dos cursos do Sistema S, como os do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que ampliou suas vagas em 18% desde 2006. No mesmo período foram criadas pelo menos 150 universidades corporativas no Brasil, segundo um estudo da pesquisadora Marisa Eboli, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. A Vale, que criou em 2003 uma universidade corporativa, chegou a formar 1 900 pessoas no ano passado em funções como maquinista ou técnico de manutenção depois de ampliar o treinamento para cursos externos. A mineradora, a caminho de voltar aos níveis de produção que tinha em 2008, terá de contratar 6 000 funcionários no Brasil e estima investir 60 milhões de reais em treinamento.

Mesmo quem não atua em setores que exigem formação muito especializada, como os varejistas, já começou a rever sua forma de recrutar funcionários. O Walmart planeja 10 000 admissões neste ano para sustentar a abertura de 100 novas lojas. Desse contingente, 1 500 serão o que a rede chama de "eiros" (padeiros, confeiteiros, açougueiros), especialistas já em falta no mercado. "Os profissionais desse tipo estão no pequeno comércio e não fizeram cursos formais. Teremos de treinar pelo menos 400 deles", diz Marcos Próspero, vice-presidente de recursos humanos do Walmart no Brasil. A empresa criou, no segundo semestre de 2009, um centro de treinamento só para formar os "eiros". A primeira turma começou em outubro, na Bahia. Até o final deste ano, 1 000 jovens profissionais devem ser formados.

Mas não são apenas as empresas que têm de aprender a planejar a preparação de mão de obra. Os formuladores de políticas públicas também precisam começar a oferecer alternativas à altura do desafio, e para isso têm de melhorar a qualidade dos dados com que trabalham. Recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, divulgou um estudo indicando que haverá sobra de 653 000 pessoas no mercado de trabalho brasileiro em 2010. No próprio estudo, porém, os números por setor e por estado sugerem que o cenário é bem mais duro do que aparenta. Faltam profissionais em áreas tão variadas como comércio, hotelaria, indústria, saúde e educação, em porções diferentes distribuídas por quase todo o país. O número geral positivo da oferta de trabalhadores superior à demanda esconde a realidade localizada da carência de mão de obra qualificada para muitas funções. Essa é a realidade percebida pelas empresas que estão expandindo os negócios. O fato é que há um paradoxo que o Brasil ainda está longe de solucionar: de um lado, milhares de desempregados pouco ou nada qualificados em busca de um lugar no mercado de trabalho e, de outro, a carência de profissionais que possam desempenhar as tarefas de uma economia mais moderna, na qual o domínio de alguma tecnologia é mandatório.

COMO NÃO É POSSÍVEL DESLOCAR automaticamente as pessoas que estão sobrando para preencher os postos em aberto, antes de começar a planejar devese saber qual o tamanho do esforço a ser feito. Nas últimas semanas, EXAME pesquisou os bancos de dados do Senai e dos ministérios do Trabalho, da Ciência e Tecnologia e do Turismo sobre 12 setores, que incluem desde siderúrgicas como a CSA até fornecedores da cadeia de petróleo e de tecnologia da informação. O resultado mostra que, além dos 6 milhões de trabalhadores que todo ano já recebem algum tipo de qualificação, será preciso formar mais 1,3 milhão só em 2010. Para efeito de comparação, seria como formar o equivalente a 140% das pessoas que conseguiram emprego formal no ano passado e 54% do que o Senai formou no mesmo período.

Clique aqui para ler matéria na íntegra

Boletim Informativo Guia do TRC
Dicas, novidades e guias de transporte direto em sua caixa de entrada.