A China sabe o que faz*

Publicado em
13 de Setembro de 2021
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Artigo escrito por José Renato Nalini*

Houve um tempo em que o “made in China” suscitava dúvidas. Esse tempo já passou. Pesquisa profunda, estímulo ao estudo consistente e outras políticas estatais fizeram com que o imenso país se tornasse líder e assustasse os Estados Unidos.

As grandes empresas que ali funcionam tiveram, de início, todo o incentivo estatal. Quando se tornaram gigantes, a chave virou. Consta que o governo já não ampara as big techs. Não ocorreu a abertura de capital do grupo Alibaba e suas ações perderam metade do valor.

Não foi um fato isolado. Conforme Ronaldo Lemos, a Didi, que é uma espécie de Uber chinesa, também sofre restrições, assim como a Baidu e o setor de games. Até mesmo as empresas edtech, especializadas em oferecer educação à base das mais modernas tecnologias, estão sendo tolhidas pelo governo.

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A explicação é que os planos chineses focam esforços transformadores. Empresas que oferecem produtos diretamente à população nem sempre coincidem com o projeto de consolidar a hegemonia da República. Tudo indica estar ela se inspirando na experiência americana levada a efeito nas décadas de sessenta e setenta com a Darpa – Agência de Pesquisa e Projetos Avançados em Defesa.

Os investimentos feitos compensaram: nessa agência os americanos conseguiram criar a internet, o GPS, a Siri, o mouse e muitos outros avanços robóticos. A China quer evitar que o consumidor mergulhe no mundo web e se anestesie como acontece em outros países, com a dependência do humano em relação às bugigangas eletrônicas que se converteram num outro e essencial membro do corpo.

Essa alienação digital colide com a cruzada pela produtividade. Alta performance e inovação que gere royalties muito esperados e suficientes para cacifar os planos de longo prazo.

Ronaldo Lemos chega a mencionar que a China busca um antídoto à “brasilianização” do mundo. O que significa isso? Seu governo quer impedir que as empresas privadas substituam o Estado na prestação de funções essenciais, geralmente usufruídas por uma elite, enquanto os excluídos continuarão à margem do banquete capitalista.

É uma versão que tem consistência. Assim como cresce a possibilidade de a China impor restrições aos produtos do agro brasileiro, em virtude de práticas antiambientais.

Isso poderia parecer uma ficção há alguns anos. Ocorre que a China acordou para o aquecimento global. Ela tem projetos de descarbonização que implicarão em pesados investimentos nas suas empresas. Sabe que algo muito sério deve ser feito, sob pena de sofrermos catástrofe de consequências inimagináveis. O governo chinês é pragmático e tem juízo. Investe pesadamente em ciência e tem noção de que o aquecimento global é o maior perigo e o mais inclemente risco a recair sobre a humanidade neste terceiro milênio.

Quem desperta para essa realidade ambiental não vai pactuar com práticas incorretas. A China não pretende se vincular ao desmatamento da Amazônia, pois tem noção do que significa essa destruição, não para o Brasil, mas para todo o planeta.

Bem por isso, está investindo também na África, de clima tropical bem semelhante ao do Brasil, para que os africanos cultivem soja. Não é impossível que, daqui a alguns anos, os quase vinte por cento de grãos que ela importa do Brasil vá carrear recursos para a África e não para nós.

Não são devaneios, senão observações argutas de gente que conhece a geopolítica, de prováveis tendências do cenário mundial.

Para o Brasil, a única esperança no presente é a assunção de responsabilidade multiplicada pelos chamados governos subnacionais. Os Estados-membros e até os Municípios têm de responder à conclamação mundial para que impere o juízo e a racionalidade que têm faltado ao Planalto.

Uma Federação é assim mesmo: uma partilha de competências que legitima as unidades federadas a assumirem compromissos internacionais, sobretudo quando eles conduzam à observância dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. A começar do preâmbulo, que deveria ser lido a cada dia – e várias vezes por dia – por todos os responsáveis pelos destinos da Nação.

Não é possível esperar que as respostas cheguem do etéreo ou os problemas se resolvam por si, de forma espontânea. O momento clama por reflexão e ação, para que o pior não venha antes do que se esperava.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022

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