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O Contrato de Transporte no Novo Código Civil

Por Marcos Aurélio Ribeiro, Assessor Jurídico da NTC&Logística

No dia 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor o novo Código Civil, que tramitou durante 25 anos no Congresso Nacional e acabou aprovado e sancionado conforme a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Ao contrário do Código anterior, que não cuidou do assunto, o novo Código traz um capítulo dedicado ao contrato de transportes, dividindo o tema sobre o transporte de pessoas e o transporte de coisas. O capitulo do transporte tem início com disposições gerais que são aplicáveis ao transporte de pessoas e também ao de coisas. O primeiro dispositivo, que é o artigo 730, define o contrato de transporte dispondo: “Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar de um lugar para outro, pessoas ou coisas”.

O contrato é bilateral ou sinalagmático, formando-se entre o transportador e a pessoa a ser transportada ou remetente da coisa a ser transportada, criando obrigação para cada uma das partes. É oneroso, eis que a obrigação de transportar é assumida mediante retribuição que só pode ser entendida como remuneração do serviço de transporte. Ele é comutativo, ou seja, tem como presumida a existência de equivalência entre as prestações dos contratantes. A presunção, no caso, é a de que a retribuição deve corresponder à remuneração pelo transporte da coisa ou pessoa do lugar onde se inicia o transporte até o local de destino ou da entrega. É um contrato de resultado, segundo o qual o credor pode exigir da outra parte o resultado almejado. Em outras palavras, que o transporte se efetive até o seu final.

Aperfeiçoa-se o contrato sem maiores formalidades. No transporte de coisa, a entrega e o recebimento do bem a ser transportado já evidencia o contrato de transporte.

Segundo o novo Código Civil, o contrato de transporte de carga é formado entre partes: de um lado, o remetente e, de outro lado, o transportador. O remetente, na linguagem do Código – na prática, também denominado expedidor ou embarcador –, é a pessoa física ou jurídica proprietária da coisa ou do bem a ser transportado, que contrata o serviço de terceiro, mediante remuneração, para efetuar o transporte da coisa de um lugar para outro. O transporte, via de regra, é feito do estabelecimento do remetente, devendo o bem ser entregue a um terceiro, que na linguagem do Código é nominado como destinatário. Nesse caso, o contrato gera direitos e obrigações para o terceiro: o destinatário.

Pagamento do frete

A prestação de serviço de transporte gera, em contrapartida, uma obrigação, que é o pagamento do frete. A obrigação do pagamento do frete é do remetente, quando o contrato de transporte não tiver um terceiro ou, quando esse exista, trate-se de frete CIF (frete pago na origem). A obrigação do pagamento do frete desloca-se quando se trata de frete FOB (frete a pagar no destino), sendo então a obrigação do pagamento por conta do destinatário. A declaração de quem tiver a obrigação pelo pagamento do frete deverá constar do conhecimento de transporte, a ser emitido obrigatoriamente pelo transportador, conforme previsto no artigo 744 do Código Civil, que determina a emissão do conhecimento com os dados que identifiquem a coisa a ser transportada, obedecido o disposto em lei especial. A identificação da coisa a ser transportada, segundo o artigo 743 do Código, deverá ser feita pela indicação da sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário, para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço.

Conhecimento de Transporte

A lei especial que complementa os dados obrigatórios que deverão constar do conhecimento de transporte é o Decreto nº 19.473, de 10 de dezembro de 1930, recepcionado pelo novo Código Civil, segundo o qual deverão ser, ainda, indicados no conhecimento: o nome da empresa emitente; o número do conhecimento; a data; dia, mês e ano; o nome do remetente e do consignatário (destinatário); o lugar da partida e de destino; a importância do frete, pago ou pagar; o lugar e a forma de pagamento.

Obrigações do remetente

O contrato de transporte de bens ou de coisas, como todo e qualquer contrato, estabelece para as partes direitos e obrigações.

Na forma da lei, são obrigações do remetente:

a) entregar a coisa a ser transportada, devidamente caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade (artigo 743);

b) entregar relação discriminada das coisas a serem transportadas, se pedida pelo transportador (artigo 745);

c) acondicionar de forma apropriada a mercadoria (artigo 746);

d) ajustar com o transportador se a mercadoria será entregue em domicilio ou se o destinatário será avisado (artigo 752);

e) pagar o frete.

Direitos do remetente

No que tange aos direitos do remetente ou expedidor, vale destacar que o novo Código mantém em vigor a concepção sobre o conhecimento de transporte que não é usual na prática do ransporte Rodoviário de Cargas, ao menos no Brasil.

O Código recepcionou o Decreto nº 19.473, de 1º de dezembro de 1930, pelo que o conhecimento de transporte é prova do contrato de transporte, da entrega da mercadoria ao transportador e encerra obrigação liquida e certa, admitido como título de crédito com força executiva. Pela sistemática da lei, ao receber a mercadoria, tem o transportador que emitir o conhecimento de transporte, com a descrição da coisa a ser transportada, entregando ao remetente a primeira via do conhecimento, a qual lhe deverá ser apresentada para a retirada da mercadoria transportada, quer pelo próprio remetente, quer pelo destinatário, quer por terceiro portador mediante endosso.

Na prática, nada disso ocorre, porém a lei civil preserva como direito do remetente o de exigir a imediata emissão do conhecimento pelo ransportador e a entrega da primeira via.

Isto posto, segundo a legislação em vigor, a antiga e a nova, são direitos do remetente:

a) exigir a emissão do conhecimento do transporte e entrega da primeira via (artigo 744);

b) exigir que o serviço de transporte seja cumprido a contento, com a entrega da mercadoria no local de destino, no prazo ajustado e em perfeito estado (artigo 748);

c) desistir do transporte e pedir de volta a mercadoria, ou ordenar seja entregue a outro destinatário, somente podendo fazê-lo se não ocorrida a entrega (artigo 748).

Obrigações do transportador

Em conformidade com a lei, temos as seguintes obrigações do transportador:

a) receber, transportar e entregar a mercadoria no lugar e tempo ajustados (artigo 749);

b) cuidar em manter a integridade da mercadoria (artigo 749);

c) emitir o conhecimento de transporte (artigo 749);

d) recusar obrigatoriamente a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidas ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento;

e) solicitar instruções ao remetente, caso o transporte não possa ser feito ou venha a sofrer longa interrupção (artigo 753 caput), e no caso de dúvida quanto ao destinatário (artigo 755);

f) informar ao remetente do depósito ou da venda da coisa (artigo 753, parágrafo 3º);

g) avisar o destinatário sobre o impedimento ou o desembarque da mercadoria;

h) depositar a coisa em juízo, se houver dúvida sobre quem seja o destinatário e não sendo possível obter instruções do remetente (artigo 755);

i) vender a mercadoria e depositar o saldo em juízo, se da demora decorrente de dúvida sobre o destinatário puder ocorrer a sua deterioração (artigo 755).

Direitos do transportador

Por outro lado, são direitos do transportador:

a) exigir do remetente relação discriminada das coisas a serem transportadas (artigo 744, parágrafo único);

b) recusar a mercadoria que se apresente embalada inadequadamente, bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas ou danificar o veiculo ou outros bens (artigo 746);

c) exigir o pagamento do frete, das despesas adicionais do transporte e pela guarda e conservação da mercadoria em armazéns (artigos 748 e 753);

d) reter a mercadoria se não houver o pagamento do frete, da armazenagem e do prejuízo (artigo 2º, VII, do Decreto nº 19.473, de 1º de dezembro de 1930, e artigo 644 do Código);

e) depositar a coisa em juízo ou vendê-la, persistindo o impedimento para conclusão do transporte sem a manifestação do remetente.

Direitos e deveres do destinatário

Ao destinatário a lei comina direitos e deveres, conforme o contrato de transporte estabeleça e o previsto no conhecimento. Assim, a ele caberá:

a) exigir a entrega no domicílio ou que lhe seja dado aviso do desembarque da mercadoria (artigo 752);

b) receber e conferir as mercadorias, apresentando as reclamações que tiver;

c) denunciar, no prazo de dez dias, os danos ou avarias não perceptíveis à primeira vista;

d) pagar o frete, se previsto no conhecimento o pagamento no destino e contra a entrega do bem transportado (FOB).

Responsabilidade do contratante

Uma vez definidos direitos e deveres das partes no contrato de transporte, assume grande relevância a questão da responsabilidade dos contratantes em decorrência do inadimplemento das obrigações estipuladas.

O Código estabelece expressamente a responsabilidade do remetente por despesas, prejuízos e danos causados nas seguintes hipóteses, cabendo-lhe:

a) indenizar o transportador pelos prejuízos em razão de informações inexatas ou falsa descrição das mercadorias (artigo 745);

b) indenizar os prejuízos causados ao veiculo ou outros bens em razão do mau acondicionamento da mercadoria (artigo 746);

c) pagar acréscimos e prejuízos decorrentes da desistência do transporte ou alteração do destino (artigo 748);

d) remunerar o transportador pela guarda da mercadoria em seus próprios armazéns (artigo 753, parágrafo 4º).

Responsabilidade do transportador

O Código estabelece expressamente a responsabilidade do transportador por perdas e danos nas seguintes hipóteses, cabendo-lhe:

a) indenizar os danos causados à coisa transportada (artigo 737);

b) indenizar os danos resultantes do atraso ou da interrupção da viagem (artigo 733, parágrafo 1º);

c) responder pelo depósito da mercadoria transportada quando ocorrer impedimento ou interrupção do transporte pelo qual seja o responsável.

No caso de transporte cumulativo, a responsabilidade será solidária entre os participantes perante o remetente, ressalvado o direito de regresso e apuração da efetiva responsabilidade, de tal forma que a obrigação de ressarcimento recaia sobre aquele que efetivamente provocar o dano, conforme a previsão do artigo 756.

Na apuração da responsabilidade, assume grande importância a disposição do artigo 743, que obriga o remetente a informar o valor da mercadoria a ser transportada, pois, segundo o disposto no artigo 750, a responsabilidade do transportador estará limitada ao valor constante do conhecimento, que deverá ser o mesmo indicado pelo remetente.

Havendo informação inexata ou falsa por parte do remetente, deverá ele suportar o prejuízo que advier para o transportador, em decorrência dessa inexatidão.

A responsabilidade do transportador segue sendo objetiva, eis que se enquadra na hipótese do artigo 927, parágrafo único do Código, que, fundado na teoria do risco, estabelece a responsabilidade independentemente de culpa quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O Código mantém a previsão consagrada na legislação anterior, da exclusão da responsabilidade por prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior. Todavia, o artigo 393 prevê hipótese segundo a qual a excludente não terá aplicação, se houver a expressa assunção da responsabilidade no contrato.

Assim, o transportador não poderá invocar a excludente da responsabilidade se assinar contrato pelo qual se obrigue expressamente a responder por perdas e danos decorrentes do caso fortuito ou força maior.