Saída da crise econômica exige criatividade e receita diferente*

Publicado em
09 de Setembro de 2019
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O que faria com sua diminuta poupança (admitindo-se que a tenha), um honrado, trabalhador e honesto chefe de família, agora afetado pelo desemprego?
 
Diz o “bom senso”, assim como uma grande maioria de estudiosos e analistas do comportamento do consumidor, que ele, paralelamente à busca de novo emprego, começaria cortando despesas, principalmente dos produtos menos essenciais e só utilizaria esse dinheiro naquilo que é fundamental para manter sua família saudável e protegida. No início ainda manteria gastos com a saúde, incluindo-se aí a alimentação, com a segurança e com a educação, pois é fundamental não comprometer o futuro dos filhos (1). Mas com o tempo, caso esse chefe de família ainda estiver sem emprego, novos cortes seriam feitos e com certeza estaria entre eles, o pagamento de dívidas junto aos bancos e, se possível, de alguns impostos. Somente em último caso seria diminuído o “leite das crianças”. É de se acreditar que na concreta e efetiva eminência de falta de “leite para as crianças”, esse chefe de família estaria disposto, até, a cometer alguma “pequena infração”. Diante disso, uma rápida reflexão: embora não se justifique, será que o aumento da intolerância, da violência e da criminalidade, principalmente em países com maiores dificuldades econômicas, mesmo que indiretamente, não é fruto de situações extremas como essa vivida pelo personagem aqui criado?
 
De qualquer forma, o que buscará esse chefe de família, pelo menos no curto prazo, será manter suas despesas em níveis compatíveis com o nível da receita possível, seja ela fruto de pequenos trabalhos ou de utilização de parte de sua poupança. E sempre, e em quaisquer circunstâncias, preservando a família de males maiores. Até com sacrifícios próprios. E por também saber que em algum momento sua poupança chegará ao fim e que todos os seus esforços poderão resultar em fracasso, caso ele não consiga obter uma nova fonte de renda, seja através de um emprego formal ou não, ele intensificará essa procura. 
 
Por outro lado o setor produtivo brasileiro (público e privado), principal gerador de empregos de um País, também precisa sobreviver. Mas sabe, que mesmo que consiga oferecer aos seus clientes, produtos e serviços de maior qualidade e menores preços, possivelmente obtidos pelo aumento da produtividade, resultado da implantação de processos de racionalização produtiva e empresarial, de  desburocratização, de melhoria da infraestrutura ou de simplificação e diminuição da carga tributária, por exemplo, mesmo que mais linhas de crédito com taxas de juros mais baixas e prazos mais longos de pagamento sejam oferecidas à toda a clientela, chefes de família honrados, trabalhadores e honestos, somente irão consumir quando tiverem renda para tanto. Esse setor sabe, também, que seus esforços poderão fracassar caso não haja um mercado sustentável, composto por chefes de famílias dispostos e com condições de consumir.  
 
Infelizmente, como se sabe, o Brasil, além de 12,6 milhões de desempregados ainda conta com outros 15 milhões de trabalhadores subutilizados (trabalham menos do que poderiam) ou desalentados (desistiram de procurar emprego). São quase 28 milhões de brasileiros sem salários ou com salários baixíssimos. Dados do IBGE dão conta de que o País, em 2018, tinha 54,8 milhões de pessoas pobres, isto é, 26,5% da população total. E dentre essas, 15,2 milhões vivendo abaixo da linha da extrema pobreza. Pesquisas do SPC Brasil, por sua vez, indicam que mais de 60 milhões de brasileiros estão inadimplentes e cerca de 60% da população chegam ao final do mês sem dinheiro. Está faltando, portanto, demanda.
 
As estatísticas, infelizmente, teimam em contrariar os mais esperançosos, demonstrando que nossa crise ainda se arrastará por um bom tempo (2). Analisando-se o período compreendido entre o final de 2013 e o primeiro semestre deste ano, é clara a difícil situação brasileira: exceto o setor agrícola, que teve um crescimento de 34,8%, as quedas nas demais contas nacionais são significativas: PIB com –4,1%, Indústria –14,1%, Serviços –2,9%, Consumo das Famílias -2,6%, Consumo do Governo -3,0% e FBCF -27,5%. Não é preciso lembrar que sem investimentos (aqui identificado como FBCF) o crescimento econômico, se houver, em função de possível aproveitamento da capacidade ociosa instalada, ocorrerá em percentuais mínimos e durante curto espaço de tempo. Nossos níveis de poupança, uma das principais fontes para o financiamento de investimentos, também são baixos, e ainda em queda: em 2013 foi equivalente a 18,4% do PIB e agora no primeiro semestre de 2019 chegou a apenas 14,5%. 
 
A produção industrial, em queda desde o início da crise, ao perder dinamismo também vem diminuindo sua participação na formação do PIB: em 2013 representava 21,22% da produção total brasileira e no final deste 1º semestre de 2019 ela ficou em torno dos 17,79%. Interessante registrar que o Setor de Construção, nesse mesmo período de análise teve uma queda “prá lá” de significativa: 29,1%. Com isso a participação desse setor no PIB, caiu de 5,45% para 3,63%. Como se sabe, o setor de Construção é um daqueles que mais emprega mão-de-obra de menor qualificação.
 
Pelo lado da demanda observa-se que as quedas no Consumo das Famílias (cuja participação no PIB é de cerca de 2/3 do total), no Consumo do Governo e nos Investimentos (representado pela rubrica de Formação Bruta de Capital Fixo-FBCF, também foram significativas. 
 
Com relação ao Consumo do Governo, diante da grave crise fiscal e da PEC dos Tetos, não haveria porque esperar aumento de gastos, mas parece que a “fome” por incentivos de alguns setores produtivos de nossa economia (os gastos com o chamado “bolsa empresário”, segundo dados da Receita Federal, alcançaram R$ 840 bilhões entre 2016 e 2018. São reduções de tributos, isenções, desonerações etc.), a criatividade de nosso Congresso (verbas para as campanhas eleitorais, entre dezenas de outros exemplos), a judicialização das Leis e da Política (transformando decisões técnicas em “legalidades” discutíveis e que mantêm privilégios) e a “insegurança” de nosso Executivo (refém de todos os poderes, inclusive dele próprio), ainda promoverão alguns acréscimos indesejáveis. Até porque os políticos do governo já estão preocupados, acreditem se quiserem, com a reeleição de Bolsonaro, apenas nove meses após sua posse! 
 
O Consumo das Famílias, que em outras épocas foi um dos agentes mais importantes no crescimento do PIB, não tem mantido seu bom desempenho anterior. Como já salientado, desemprego, queda no valor médio dos salários e alto nível de endividamento das famílias, o brasileiro deverá manter os níveis de consumo em patamares muito baixos. 
 
Já a FBCF, uma das variáveis macroeconômicas mais importantes ao se analisar o desempenho de uma economia e suas perspectivas para o futuro, sua queda fez com que sua participação no PIB, de 20,91% em 2013, não ultrapassasse os 15,69% no primeiro semestre deste ano. Realmente, um índice muito baixo e muito aquém das reais necessidades brasileiras. Caso o Brasil pudesse destinar recursos para a FBCF, equivalentes àqueles alocados em 2013, isto é, 6 anos atrás, e considerando-se os valores deste primeiro semestre, eles teriam que ser aumentados em cerca de 40%! Apenas para relembrar, são os investimentos em capital fixo (máquinas, equipamentos, edificações, estruturas, rebanhos e culturas) realizados pelas empresas públicas e privadas que propiciam o aumento da capacidade produtiva de um País e, diretamente, do crescimento da economia no futuro. São diversos os estudos que mostram que investimentos, abaixo dos 22% a 23% do PIB de um país ainda em desenvolvimento e com muitas carências, não são suficientes para manter níveis de crescimento da economia compatíveis com suas necessidades, o aumento de suas populações e a geração de empregos. Investimentos do governo federal, para 2019, são estimados em valor 35% abaixo do que foi investido em 2018. E as informações indicam que para 2020 haverá nova queda. Os mesmos sinais de queda são identificados no setor privado.
 
São fartas as notícias de que resgatadas a credibilidade e a confiança no governo (o ajuste fiscal e a reforma da Previdência, por exemplo, são dois pontos importantíssimos nessa questão), investidores, inclusive estrangeiros, estarão dispostos a investir no País. Grandes empresários e gestores de fundos têm dito que a partir do momento no qual o governo comece a implantar políticas voltadas ao ajuste fiscal e ao estímulo das concessões e das privatizações, notadamente aquelas voltadas à infraestrutura, os investimentos privados se realizarão. Sabe-se que há muito dinheiro em todo o mundo para ser investido no Brasil, mas, segundo muitos analistas, é preciso que se instale um ambiente político/econômico mais favorável, estável e com regras claras e garantias bem definidas. De qualquer forma, não se pode acreditar que os investimentos do setor privado serão retomados em níveis importantes, considerando o nível de demanda atual e mesmo aqueles projetados para um futuro próximo.
 
Não há qualquer dúvida que a consecução do equilíbrio fiscal (como faz nosso “chefe de família” aqui citado) é fundamental para a economia, além de ser a única forma de se evitar riscos de insolvência do governo, o que pioraria ainda mais os níveis de prestação dos serviços públicos, já totalmente deteriorados, mas é quase impossível alcançar o equilíbrio nas contas públicas apenas com cortes de despesas. Até porque a maioria delas, de caráter obrigatório, precisaria de um amplo apoio do Congresso Nacional para serem diminuídas, o que por si só já se torna bastante difícil. Principalmente quando se trata de alterar benefícios de grupos “amigos”. Pelo que se vê, apenas serão cortadas as despesas cujos usuários não estão devida e corretamente representados no governo, em seus três poderes e em todas as esferas. E se os resultados positivos das reformas em curso, como são os casos da Previdência e Tributária, somente virão no médio e longo prazos, é quase certo que o cumprimento das metas fiscais estabelecidas (Teto dos Gastos e Regra de Ouro, por exemplo) somente será possível com algum aumento de impostos. Mesmo com toda a dificuldade para aprová-lo. Ou, consequência do crescimento econômico, houver um aumento de arrecadação.
 
De uma forma ou de outra, sendo imprescindível que se priorizem políticas de estimulo aos investimentos privados, muitas providências estão, se não tomadas, sendo corretamente discutidas por nossas autoridades e que deverão melhorar, sobretudo, o lado da oferta da economia. Reforma e simplificação tributária, desburocratização, desregulamentação e desestatização, por exemplo, sem dúvida necessárias, são providências que irão melhorar as condições para se fazer negócios no Brasil. Aliás, como defendido na campanha eleitoral, de privilegiar o mercado e o setor privado. Faço questão de frisar, muito mais produtivo do que o setor público. Mas é um tremendo equívoco crer que a retomada econômica não está acontecendo na velocidade desejada porque as reformas estão muito lentas. A grande verdade é que a demanda está muito baixa, inclusive aquém de capacidade produtiva instalada, que se vê, já há algum tempo, ociosa em cerca de 25%.
 
Portanto, o problema não estará resolvido se nada for feito para que haja a retomada do Consumo das Famílias, que representa mais de 60% do PIB nacional. Não adiantará dispender esforços para que se estimulem os empresários a investirem no aumento da produção, caso não haja consumidores do outro lado, seja porque está desempregado, com salário mais baixo ou endividado. 
 
A solução está no desenvolvimento e na reestruturação simultâneos, da oferta e da demanda, do investimento/produção e do consumo. Se empresários precisam de estímulos e regras claras para produzirem, consumidores precisam de emprego e renda para consumirem. O crescimento econômico somente será alcançado se políticas de (re)estruturação da oferta sejam implantadas juntamente com políticas que (re)estruturem a demanda. Haverá muito mais mercado para as empresas explorarem, quanto mais pessoas dele participarem. Esse é, de fato, o maior estímulo para que os investimentos privados se apresentem: mercado com plenas condições de consumir. É isto que estimula os investidores, nacionais ou estrangeiros, a colocarem seus recursos no Brasil. É assim que nosso País é visto, diferentemente, aliás, de como se vê outros países, cujos mercados já estão saturados ou com níveis de consumo exagerados.
 
Infelizmente a “ditadura” do mercado financeiro, de economistas ligados a ele, e de empresários neo-liberais (mesmo que não saibam exatamente o que é isso), criaram um ambiente no qual pautas sociais, políticas de benefícios aos mais pobres ou de combate concreto ao desemprego, não tem prioridade. Mais do que isso, devem dar “passagem” às medidas que aumentem a confiança dos investidores. E o que será feito para que se aumente a confiança dos consumidores? 
Não se trata de um discurso populista, demagógico ou ideologizado, mas de concreta e real necessidade econômica. Não se trata, muito menos, de se alimentar antigos dilemas sobre o que vem primeiro, oferta ou demanda, investimento/produção ou consumo, que costumam limitar as discussões e criar armadilhas de raciocínio. Deve-se, por exemplo, oferecer crédito fácil e barato (importante e necessário instrumento de alavancagem de qualquer economia) para pessoas desempregadas que tinham, como única forma de renda, o seu próprio emprego? Estariam esses trabalhadores desempregados dispostos a contrair empréstimos sem condições futuras de quitá-los? Deve-se criar programas de incentivo aos investimentos empresariais privados caso não haja suficiente demanda para seus produtos? Estariam os investidores e empresários, dispostos a investir no aumento de sua capacidade produtiva sem que haja compatível demanda? No caso do Brasil, para a grande maioria da população brasileira, o consumo, em qualquer nível, somente ocorrerá com emprego, posto que esta é a sua única fonte de renda.
 
Em um País no qual os índices de concentração de renda e de desigualdade só aumentaram, não é possível acreditar que o desequilíbrio fiscal e a consequente destruição da capacidade de investimentos do governo se deu por conta dos mais pobres e desempregados. Ou por causa dos benefícios sociais existentes, embora eles exijam revisões periódicas. Está na hora de mudar a receita e, com urgência, adotar medidas que amparem os mais necessitados e gerem empregos, cujos investimentos deverão vir, inicialmente, queiram ou não, do setor público. 
 
Como defendido pelo economista Eduardo Giannetti da Fonseca: “O Brasil precisa de um impulso fiscal”, pois a “situação desesperadora da economia brasileira, que enfrenta recuperação mais lenta, desde pelo menos os anos 1980, exige medidas ousadas”. As circunstâncias, continua ele em entrevista para a jornalista Luciana Dyniewicz do Estadão de 28/08/19, “requerem certa flexibilidade e criatividade”. E concluiu: “seria razoável e benéfico o BNDES vender suas participações minoritárias em grandes empresas e o governo utilizar esses recursos para terminar as obras públicas paralisadas”. O setor privado, apesar de tudo, somente irá investir se houver um mercado pronto e em condições para adquirir seus produtos e serviços. Como já dito, se houver compatível Consumo das Famílias. É fundamental que haja investimentos públicos, apesar das dificuldades atuais. Mas não de forma irresponsável, na construção de obras que não interessam. A construção de moradias e obras de infraestrutura, além de terem resultados imediatos na geração de empregos (e de renda), tem impactos positivos imediatos. Políticos, econômicos e sociais. 
 
O economista José Roberto M. de Barros segue caminho parecido. Entrevistado no Estadão, dia 26 pp e reconhecendo que processos de privatizações e concessões públicas ainda demorarão dois ou três anos para terem efeito, defende que se faça alguma coisa. “Mas não qualquer coisa, porque tem um aperto fiscal”. “Sempre é possível fazer programas de intervenção direta para reduzir a pobreza absoluta. Eles são relativamente baratos. É difícil olhar essa situação e dizer: vou esperar as reformas fazerem efeito”, concluiu ele.
 
Conforme salientou o editorial do Estadão do último dia 03, “até recentemente o governo desprezou ações de efeito imediato. Ao desprezá-las, a equipe econômica rejeitou medidas capazes, na linguagem da CNI (Confederação Nacional das Indústrias), “de dar arranque ao crescimento econômico”. Desprezou igualmente, é importante lembrar, o drama de desempregados, subempregados e desalentados, 24,7 milhões de trabalhadores no trimestre de maio a julho. Pode um governo digno desse nome tratar como irrelevante o drama desses milhões e de seus dependentes?”
 
Finalizando, mesmo que seja muito difícil convencer os “liberais” do momento, no caso do Brasil é necessário que se construam políticas voltadas à geração de empregos, pois o desemprego é consequência e, ao mesmo tempo, causa, não só das crises política e econômica que se mantêm, mas também de uma crise social que, sem controle, poderá gerar problemas muito mais profundos e sérios. 
 
Sair definitivamente da crise, fazer a economia crescer e diminuir a insatisfação popular é essencial para que não se corram riscos desnecessários. Para tanto é fundamental ficar longe das discussões radicais e extremistas – mercado ou estado, setor público ou privado – e tomar medidas pragmáticas e sobretudo éticas, que envolvam os dois setores e que mantenham o equilíbrio econômico, social e político, mas não só do ambiente de negócios. Providências para a geração de empregos é urgente. 
 
(1) Pesquisa realizada pelo Datafolha nos últimos dias 29 e 30, com 2.878 pessoas de 175 municípios do País, indica que os principais problemas brasileiros, pela ordem, são: Saúde, 18%; Educação e Desemprego, 15%; Segurança Pública, 11% e Corrupção, 9%. Ainda, segundo o Datafolha, o ministro Sérgio Moro, que representa para a maioria dos brasileiros, mais segurança e maior combate à corrupção, está com 54% de aprovação (ótimo e bom). Bolsonaro tem 29%.
 
(2) Dados do IBGE, recentemente publicados, são claros: entre 2013 e 2018, pelo lado da oferta, apenas o setor agrícola teve resultado positivo, crescendo cerca de 13,4% no período. Indústria e Serviços tiveram, respectivamente, quedas de 11,4% e 2,2%. O PIB, nesse mesmo período, como não poderia deixar de ser, diminui 4,2%. Pelo lado da demanda, para o período comentado, o Consumo das Famílias teve queda de 1,8%, os Gastos do Governo tiveram queda de 1,3% e os Investimentos (Formação Bruta do Capital Fixo - FBCF) a vertiginosa queda de 26,5%. 
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