Comprar ou vender serviços logísticos exigem competências específicas*

Publicado em
27 de Abril de 2019
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Em meu último texto publicado aqui mesmo no Guia do TRC (Além do preço, a contratação de serviços logísticos exige avaliações que considerem a relação “custo / benefício”), comentei sobre o fato de que a terceirização dos serviços logísticos no Brasil, assim como em todo o mundo, tem crescido de forma bastante significativa. 
 
Comentei, também, que tanto operadores como tomadores de serviços logísticos, estão tendo a compreensão de que a venda ou a aquisição desses serviços exige postura e processos diferentes daqueles normalmente utilizados na venda ou na compra de “commodities” (1). Isto não quer dizer, necessário lembrar, níveis diferentes de importância ou de prioridade, posto que ambos – “commodities” e serviços logísticos - constituem parte do imenso universo de bens econômicos e serviços, diariamente produzidos, imprescindíveis à vida e ao funcionamento de qualquer sociedade.
 
Porém, significa dizer que a venda e a compra de serviços logísticos devem ser realizadas de forma apropriada posto que, ao contrário das “commodities”, os serviços logísticos exigem competências específicas e aplicadas na solução de operações complexas, diferenciadas e que, necessariamente, precisam ser desenvolvidas para cada cliente. E de preferência, juntamente com ele. 
 
E se serviços logísticos exigem desenvolvimento e soluções personalizadas (“customizadas”), adaptadas às exigências e necessidades de cada cliente e que visam soluções específicas, não há receita única, uma vez que é necessário respeitar, também, as características de cada produto, de cada região e de cada mercado. São serviços que diferem uns dos outros, principalmente considerando as diversas alternativas estratégicas que cada cliente empreende ao seu negócio. 
 
Enquanto no mercado de ‘commodities’ o preço tem que ser o mais competitivo possível, uma solução logística estabelece seu preço baseado no projeto elaborado, isto é, e como já comentado no artigo citado, considerando a relação “custo / benefício”. A palavra-chave, portanto, é “agregar valor” (2) e o relacionamento entre ambos, tomador e prestador de serviços, deve ocorrer em clima de cordialidade e intimidade, nas quais a confiança, o comprometimento e a lealdade são valores indiscutíveis. A terceirização logística somente ocorrerá se o tomador desses serviços tiver certeza que o operador a ser contratado, além da capacidade operacional e dos conhecimentos técnicos exigidos, tem condições de entender e respeitar a cultura, os costumes e os ‘tempos’ do cliente, assim como das demais empresas que compõem a sua cadeia de fornecimento, abastecimento ou distribuição. 
 
A realização desses serviços é sempre lastreada em contratos de média a longa duração e que precisam, além de refletir corretamente as operações por todo o período contratual, ter “espaços” para se adaptarem às mudanças de cada momento. Revisões periódicas são essenciais.
 
Considerando que a logística, como define o professor Ronald H. Ballou, da Weatherhead School of Management, de Cleveland, Ohio, EUA, “visa diminuir o hiato entre a produção e a demanda, de modo que os consumidores tenham bens e serviços quando e onde quiserem, e na condição física que desejarem”, os operadores logísticos, em contrapartida, precisarão ter claro que quaisquer erros que possam vir a cometer, comprometerão não somente os resultados de seus clientes, mas a própria sobrevivência dessas empresas (3).
 
Contratantes e contratados compartilham, consequentemente, prêmios e insucessos e correm os mesmos riscos por todo o período no qual a parceria se mantem. Essa parceria – sem o desgaste que essa palavra teve nos últimos tempos – é fundamental, já que a necessidade de se prestar e receber serviços com qualidade e que atendam exigências contratuais acordadas entre ambos, é um compromisso mútuo, exigido diária e ininterruptamente enquanto o contrato for vigente. Não se trata, portanto, de um lote definido e acabado de um produto, mas sim a prestação diária de um serviço que assume, para ambos, importância estratégica. 
 
Na operação de compra e venda de “commodities”, o relacionamento empresarial, em quase toda a sua maioria, é estabelecido através de contatos momentâneos e que não ultrapassam o tempo exigido para a sua realização (e-mail, compra eletrônica, contato telefônico etc.). E uma nova aquisição, mesmo que venha ocorrer num momento próximo da anterior, apenas exigirá um novo processo de seleção no qual o menor preço será o principal, e talvez, único item a ser avaliado. 
 
A terceirização de serviços logísticos veio para ficar, tornando-se imperativo ao prestador de serviços, preparar-se para o futuro, pois se trata de um segmento de mercado extremamente diferenciado e com enorme multiplicidade de exigências, mais complexas e sofisticadas e com participação cada vez mais intensa das inovações tecnológicas que, como todos sabem, avançam velozmente. Sempre buscando eficácia na sua aquisição, ao tomador desses serviços exigir-se-á, adaptação ao novo mercado e modernização de seus processos de compra, seleção e contratação. 
 
E como em qualquer atividade a ser “transferida a terceiros”, sempre haverá fortes resistências internas, pois a maioria das pessoas é refratária a mudanças, principalmente quando veem ameaçadas suas posições. Problemas e dificuldades trabalhistas e sindicais, portanto, quase que automaticamente, se farão presentes.
 
Outro fator de complicação e de “má vontade” daqueles que são contra a terceirização, é a forma de se comparar o preço do serviço adquirido com o serviço prestado. E isso, demonstra a prática, não é fácil de se fazer, pois muitos dos “insumos” utilizados pelos operadores logísticos – e que certamente compõem seus custos – nem sempre são reconhecidos (até mesmo conhecidos) pelos compradores. Geralmente muitos desses “insumos” estão diluídos na estrutura de suas próprias empresas e utilizam rubricas que não fazem parte da “conta logística”. Considerando-se ainda, a imensa quantidade, diversidade e o alto grau de complexidade dos serviços logísticos prestados atualmente, os problemas são ainda maiores.
 
De qualquer forma, e consequentemente, ao se decidir terceirizar as atividades logísticas da empresa, alguns entendimentos, o tomador de serviços logísticos precisa ter. Por exemplo:
 
• Nem sempre, no dia-a-dia, o operador logístico conseguirá manter os níveis de qualidade estabelecidos nos contratos;
• Em diversos momentos ele estará sem sugestões de melhorias e com pouca criatividade consultiva;
• É possível que em alguns momentos o operador poderá ter dificuldades para se manter atualizado, notadamente com relação aos avanços tecnológicos;
• O operador poderá, em determinados momentos, ter sua capacidade gerencial aquém das necessidades da operação;
• O operador logístico, em face de diversas circunstâncias, poderá não realizar exatamente o que foi prometido, principalmente no que diz respeito a custos;
• Nem sempre será fácil construir um relacionamento duradouro e confiável.
 
Não é à toa, como é do conhecimento de todos, que os processos para selecionar um operador logístico, cada vez mais rigorosos, compreendem um razoável conjunto de itens. E uma vez terminado o processo de seleção, muito há o que se fazer para que se tenha um contrato que reflita, correta, fiel e com justeza, os serviços a serem prestados. Entre outros, alguns itens que jamais devem ser esquecidos:
 
• Elaborado sempre em conjunto com a área jurídica;
• Com definição clara do escopo e das obrigações de contratante e contratado;
• Com fluxo operacional e aspectos estruturais relevantes explicitados;
• Com cronograma de todo o processo de implantação e um programa de comunicação que contemple, inclusive, a participação direta dos funcionários da empresa contratante, envolvidos no processo;
• Com programa de gerenciamento de riscos e de proteção ao meio-ambiente e competentes coberturas de seguro;
• Com níveis de serviços e de segurança acordados;
• Com indicadores de desempenho e relatórios de acompanhamento definidos;
• Com programas de melhoria contínua e ganhos de produtividade;
• Sem que se coloque em risco a continuidade das operações, com procedimentos claros de premiações e penalidades;
• Com planos de contingência;
• Com preços, condições de reajustes, de faturamento e pagamento claros. Deve se evitar, sempre que possível, a utilização de tarifa única, na qual se misturam serviços cujos custos comportam-se de forma muito diferentes uns dos outros;
• Com programa de auditorias periódicas; e
• Com revisões periódicas das cláusulas contratuais, com atenção, para as premissas utilizadas no início da contratação.
 
Pesquisas realizadas por institutos de renome, e em todo o mundo, têm demonstrado que o prestador de serviços logísticos pode vir a ser um grande parceiro na cadeia de valores e que a terceirização logística, quando feita de forma estratégica, não só libera energias para que as empresas se dediquem com mais foco aos seus próprios negócios, como também ajuda no aperfeiçoamento das atividades de “supply-chain management”. 
 
E se terceirizar é preciso, tomar os devidos cuidados com os processos de compra, seleção e contratação do operador logístico, entendendo-o como uma empresa que presta serviços feitos sob medida (“tailor-made”), é pressuposto fundamental e imprescindível.
 
(1) O significado mais utilizado para “commodities” e de que são produtos não diferenciados e com processos de elaboração conhecidos e dominados por todos, portanto, padronizados. Ter processos conhecidos, transfere para o mercado a definição de seus preços. A competição entre eles, consequentemente, se dá muito mais pelo preço do quaisquer outras variáveis. 
 
(2) “Os tomadores de serviços estarão dispostos a terceirizar suas atividades, inclusive aquelas mais complexas, mesmo com preços maiores, posto que o relevante a ser considerado, e que de fato é o que justificará a terceirização, são os benefícios que essa contratação poderá gerar.
 
(3) “Terceirizar é transferir a terceiros, atividade ou departamento que não faz parte de sua linha principal de atuação” (Dicionário Aurélio). Terceirização é a “forma de organização estrutural que permite uma empresa transferir para outra, suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura operacional, diminuindo custos, economizando recursos e desburocratizando a administração (Houaiss)
 
(4) Imagine o que aconteceria a uma empresa, vendedora de brinquedos para crianças, caso o abastecimento de sua rede de distribuição fosse abastecida com atraso, isto é, sem condições de atender o “Dia das Crianças” ou o “Natal”. Nem toda a eficiência, baixo custo e integridade da carga, obtidos, poderão compensar o fato de não se ter os brinquedos disponíveis nas datas combinadas? O operador logístico perderá seu cliente. Mas a empresa de venda de brinquedos perderá, sem dúvidas, “toda” a sua clientela.
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