Sem exageros ideológicos, respeitando a Constituição e a Democracia, agora já é momento de governar – Parte 1

Publicado em
19 de Março de 2019
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Todos sabemos que são enormes os desafios brasileiros a serem vencidos nos próximos anos. Além de ainda termos de conviver com uma crise que se arrasta desde 2014 (e que deverá perdurar por um bom tempo, mesmo nas perspectivas mais otimistas), temos um novo governo, um Congresso razoavelmente mudado e um País bastante diferente. 
 
Não deverá ser surpresa, inclusive, se a tendência ‘nacionalista populista de direita’, no Brasil e no mundo (1) e o ‘razoável despreparo’ do novo presidente da República (2) contribuírem ainda mais para que novos obstáculos sejam criados. Além disso, e como comentei em artigo recente, “a pouca experiência dos novos dirigentes, o “fogo amigo”, a demasiada, e talvez inoportuna influência familiar, e a disposição dos partidos de oposição”, têm tudo para atrapalhar (3). 
Não é preciso, aqui, discorrer sobre os principais problemas que penalizam a sociedade brasileira, posto que são por demais conhecidos. Mas ao propor a realização de um conjunto essencial de reformas, o novo governo se obrigará a estabelecer prioridades, e entre elas, vale insistir, está o combate ao desemprego que, ainda hoje, importuna (para não dizer humilha), mais de 12 milhões de brasileiros e outros tantos na posição de ‘desalentados’ ou produzindo abaixo de suas capacidades. Isto, não tratado com rapidez e seriedade, poderá se tornar nosso maior entrave, com riscos ‘inimagináveis’. 
 
Mas ainda no curtíssimo prazo, além desse ‘gigantesco’ problema (falta de oportunidade para milhões de brasileiros), o desequilíbrio das contas públicas (4) e o consequente aumento da dívida pública (em 2013 a Dívida Bruta do Governo Geral representava 51,5% do PIB e em 2018 chegou a 76,7% do PIB, segundo dados do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão) precisam ser tratados com profundidade e senso de realidade. Vale à pena ressaltar que, caso utilizemos o critério de cálculo do Fundo Monetário Internacional (FMI), que inclui papéis do Tesouro Nacional depositados no Banco Central, a dívida bruta brasileira é de 88,4% do PIB. Ainda, segundo o FMI, países com características iguais ao Brasil tiveram esse percentual, em 2018, em torno de 50,7% do PIB. Relacionados e interdependentes, desemprego, déficits fiscais e aumento da dívida são problemas que precisam ter providências rapidamente elaboradas, aprovadas e implementadas simultaneamente. E o quanto antes. 
 
A reforma da previdência, sem dúvida, é uma das providências mais urgentes, posto que é uma das principais causas (mas não a única) dos seguidos déficits fiscais brasileiros dos últimos anos. Cabem aqui, algumas observações extremamente importantes: 1ª) O déficit de 2018 foi de R$ 195,2 bilhões, ou seja, 2,84% do PIB; 2ª) Dados do Ministério da Economia dão conta de que, entre 2001 e 2016, o rombo do sistema previdenciário alcançou a extraordinária cifra de R$ 2,47 trilhões; 3ª) Desse total, R$ 1,39 trilhão, ou seja, 56,3% devem-se ao funcionalismo público, que congrega menos de um milhão de pessoas. O restante do rombo previdenciário, isto é, 43,7% (R$ 1,08 trilhão), foram gerados pelas pessoas que participam do Regime Geral da Previdência e que atende um pouco mais de 30 milhões de pessoas; 4ª) Segundo o IFI (Instituto Fiscal Independente, do Senado Federal), a média das aposentadorias no Poder Executivo, é de R$ 8.478,00, no Ministério Público Federal, R$ 14.656,00, no Poder Judiciário, R$ 18.065,00 e no Poder Legislativo, R$ 26.823,00. Estes funcionários públicos, em sua totalidade, fazem parte dos 10% mais ricos da população brasileira; 5ª) A média das aposentadorias no Regime Geral, isto é, do INSS, é de R$ 1.400,00.

Aqui estão as mais de 30 milhões de pessoas que fazem parte dos 50% mais pobres da população brasileira; 6ª) Conclui-se, consequente e objetivamente, que além da importância para as contas públicas (segundo proposta do Ministro Paulo Guedes serão economizados cerca de R$ 1,1 trilhão em dez anos), para a estabilidade econômica (5) e para que o sistema funcione de forma razoavelmente sustentável e os pagamentos das aposentadorias futuras sejam garantidas, reformar a previdência é fundamental. Mas não é somente isso: o novo sistema previdenciário precisa acabar, ou pelo menos diminuir, com a triste desigualdade ali instalada, notadamente entre civis e servidores públicos (6), pois o sistema vigente, além de criar rombos orçamentários impossíveis de serem sanados, também é um sistema “perverso” sob o ponto de vista social, na medida em que tira recursos dos mais pobres e os transfere para os mais ricos. E não há, aqui, qualquer novidade: “o objetivo das reformas é a correção de um sistema que vem provocando enormes transferências de renda dos trabalhadores do setor privado para os do setor público, além de ser o maior fator estrutural do desequilíbrio das contas públicas”, já destacava editorial do Estadão de 2003.
 
Mas é fundamental frisar que a reforma da Previdência deverá ser apenas o primeiro passo de muitos outros que precisarão ser dados para que o País se adapte, de fato, ao novo mundo. Aliás, como já escreveu o jornalista Fernão Lara Mesquita, a reforma “abrirá a porta a um processo de ajustes permanentes em que o Brasil terá de se engajar daqui por diante, dadas as mudanças na extensão da vida humana, nas relações de trabalho, nos costumes, em tudo, enfim, que até aqui descrevia a condição humana. A Previdência, assim como tudo mais na ordem institucional brasileira e mundial, passa a ser um processo em permanente evolução que vai requerer retoques em velocidade alucinantemente crescente. Se nunca fez sentido enfiar privilégios previdenciários na Constituição, portanto, agora faz menos ainda. Desconstitucionalizar a Previdência é, portanto, um objetivo absolutamente prioritário” (grifos meus).
 
As relações internacionais também precisam ser cuidadas de forma profissional e que leve em consideração os reais interesses brasileiros. Como já comentado por mim em artigos anteriores, diplomacia e boa relação internacional com todos os países do mundo ainda são os caminhos mais indicados para o Brasil, pois tudo leva à crer que a globalização será mantida, ao contrário do que pode parecer, e “China e EUA continuarão mantendo suas áreas de influência, militar, comercial, econômica e financeira em todo o mundo”. “EUA e China são nossos dois principais parceiros comerciais e se os primeiros, ainda por muito tempo, manterão papel de protagonismo no Ocidente, também é verdade que a China, com forte influência na Ásia, continuará com sua política de investimentos e financiamentos por todo o mundo”. A China tem muitos interesses no Brasil e considera os brasileiros em seu planejamento estratégico, mas desde que, é claro, seja definido de vez, que tipo de relacionamento se quer ter. Notícias auspiciosas informam que o presidente Jair Bolsonaro aceitou convite feito pelo embaixador da China, Yang Wanming, para fazer uma visita oficial àquele país. E Bolsonaro disse mais: “a relação entre o Brasil e China vai melhorar com toda certeza”. É o que se espera deste novo governo brasileiro (“O Brasil acima de tudo” é melhor do que “First América”).
 
Na Parte II teceremos alguns comentários sobre algumas das providências que visam o longo prazo e os riscos políticos e institucionais que o Brasil corre. 
(1) A divisão do mundo em “nós e eles” é um sintoma claro. A apelação “para distinções étnicas, religiosas ou raciais” é uma forma de “moldar a ideologia e, em última análise, a política”, escreveu Jason Stanley em seu livro “Como funciona o Fascismo” (Editora L&PM, 2018). Stanley ainda completa: “À medida que o medo em relação a “eles” cresce, “nós” passamos a representar tudo o que é virtuoso”. Assim como Lula e o Petismo, a divisão entre “nós e eles” ainda parece ser uma característica do governo atual, infelizmente!
 
(2) A forma totalmente incorreta de lidar com a comunicação, por exemplo, também significa ‘despreparo’, notadamente em uma sociedade democrática. No exercício da presidência da República, articulação política, correto conhecimento do papel de um governo e noções mínimas de gestão, são requisitos imprescindíveis. Sem isso, corre-se sérios riscos. William Waack publicou, no Estado do dia 21/02/19, artigo intitulado “Sem os militares Bolsonaro não consegue sobreviver no cargo”. Escreveu Waac: “Cabe recordar que a entrada de algumas principais cabeças entre os militares (então fardados ou não) na campanha de Bolsonaro ocorreu de forma relativamente tardia. Deu-se em grande parte por uma leitura angustiada com a possibilidade de o País resvalar para uma situação incontrolável. Esse temor se agravou entre lideranças militares durante a semianarquia da greve dos caminhoneiros. E foi exacerbado pela bagunça institucional no domingo em que Lula saía e ficava na cadeia de hora em hora por causa de uma canetada de um desembargador. Os líderes militares acolheram Bolsonaro também como instrumento eficaz na “guerra cultural” – os militares usavam a expressão “frear a esquerdização do País” – e como personagem político de apelo à estabilidade e à ordem. Não cabe na cabeça deles um Bolsonaro como agente de caos político, seja pela influência do clã familiar, seja pela dificuldade em impor um sentido e disciplina ao próprio partido pelo qual se elegeu, seja por estapafúrdia ideologia (grifos meus) - e às vésperas de seu grande desafio do momento, a reforma da Previdência. Essa mesma reforma, com o projeto apresentado ontem, vai testar, talvez precocemente (pela confusão política inicial), a “grande estratégia” de juntar a uma onda disruptiva e abrangente (a que levou Bolsonaro à Presidência) os méritos e o preparo de um grupo treinado para administrar e coordenar – coisa que os oficiais-generais aprenderam nas escolas de Estado-Maior. Esse lado eles, os militares, entendem bem. O que os deixa inseguros, pois não têm treino nisso nem experiência direta, é a política”. E conclui: “As dificuldades de articulação política do Planalto vão testar a estratégia dos militares”;
 
Com o título “Os militares se prepararam para o País, mas os partidos não”, em 21 de janeiro deste ano, a jornalista Sonia Racy publicou no Estadão a entrevista que o jornalista Gabriel Manzano realizou com o professor titular de História do Mackenzie e co-fundador do Instituto de Estudos Avançados da USP e do Memorial da América Latina, Carlos Guilherme Mota. Na entrevista, o professor fez questão de enfatizar que “o grupo militar instalado no governo Bolsonaro é bem preparado e não tem os traços ditatoriais do antigo regime militar de 1964” (grifos meus) – mas resta saber como a atual fórmula do poder vai se entender com a anterior. O professor Mota entende que as últimas eleições permitiram a instalação de “uma ordem autocrática com aparência democrática”, na qual “a massa, sem lideranças capacitadas, consagrou um líder de estatura mediana (grifos meus), orientado por gurus de meia-confecção”. Um modelo “democrático na aparência mas desmobilizador das oposições”;
 
(3) “É preciso aproveitar o momento de entusiasmo inicial. Mas é imprescindível coordenação política e transparência”, artigo de Paulo Roberto Guedes publicado no site do Guia do TRC de 14.02.2019;
 
(4) Números oficiais de 2018: Déficit Primário (não inclui juros) = R$ 120,3 bilhões, equivalentes a 1,75% do PIB; Déficit Nominal do Governo Central (inclui juros) = 426,5 bilhões (6,2% do PIB); Déficit Nominal Total, que inclui o Governo Central, Estados, Municípios e Estatais – Exceto Eletro e Petrobrás = R$ 487,4 bilhões (7,1% do PIB). Déficits Nominais Totais em 2015, 2016 e 2017 foram, respectivamente, 10,22% do PIB, 8,98% do PIB e 7,80% do PIB. Segundo o Banco Mundial, a média estimada para países emergentes e de renda média parecida com o Brasil ficou próximo dos 4%.
Importante ressaltar: controle orçamentário e equilíbrio das contas públicas são de responsabilidade de todos os poderes. Inclusive do Poder Judiciário, que parece não ter limites. Veja editorial do Estadão do último dia 16: “Sinal de Alerta”.
 
(5) A SPE/ME, com dados do IBGE e do Banco Central, criou, para as principais variáveis macroeconômicas brasileiras, cenários com e sem a aprovação da reforma da Previdência. Com a reforma aprovada, as Taxas de Crescimento do PIB, respectivamente para os anos de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, serão 2,9%, 2,9%, 2,9%, 3,0% e 3,3%. As Taxas de Desemprego, também para esses mesmos anos serão: 11,8%, 11,0%, 9,9%, 9,0% e 8,0%. As Taxas de Juros Selic: 6,0%, 6,3%, 6,4%, 6,0% e 5,6%. Os percentuais da Dívida Pública do Governo, com relação ao PIB serão: 78,3%, 78,2%, 78,2%, 77,2% e 76,1%. Caso a reforma não seja aprovada, na mesma ordem aqui exposta, as taxas seriam: a) 0,8%, 0,1%,          -0,5%, -1,1% e -1,8%; b) 12,1%, 12,4%, 12,8%, 13,9% e 15,1%; c) 11,4%, 13,0%, 15,1%, 16,8% e 18,5%; d) 80,4%, 84,4%, 88,4%, 95,3% e 102,3%. Sem a reforma da previdência a situação é insustentável.  
 
(6) Paulo Guedes, o ministro, em entrevista para o Estadão no último dia 10, fez a seguinte afirmação: “Quer reduzir a idade mínima das mulheres para 60 anos (na reforma da Previdência)? A economia cai R$ 100 bilhões. Se cair a idade mínima das mulheres, não poderá mexer nas regras do rural, no BPC. Se quer reduzir a idade da mulher, tira do militar. Se quer dar para o militar, tira do rural. No total, tem de dar R$ 1 trilhão (de economia).”
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