Artigo publicado por Paulo Roberto Guedes – 05.11.2018
Os desafios do novo presidente Jair Bolsonaro são enormes. Seriam para qualquer outro presidente. Além da grave crise, um novo Congresso (razoavelmente renovado e com mais partidos políticos), novos governadores e um País politicamente dividido, terão influencias concretas no processo e na tomada de decisões. É fato que a pouca experiência do novo governo e de parte de seus ministros, mais o aumento significativo no número de bancadas parlamentares e a disposição e competência do PT para fazer oposição, criarão ainda mais obstáculos para que as negociações políticas cheguem a bons termos. Notadamente aquelas voltadas a “pautas” mais complexas e de grande repercussão social, tais como a reforma da Previdência, Política, do sistema Tributários ou relativos a Programas de Privatizações.
Não se pode esquecer, ainda, que Bolsonaro, apesar de ter recebido mais de 57,7 milhões de votos (55.1% dos votos válidos e quase 50% dos votantes), isto representou 39,2% do total de eleitores e apenas 27,7% da população brasileira. O PT, mesmo perdendo as eleições (44,9% dos votos válidos, 40,6% dos votantes, 31,9% do total de eleitores e 22,5% da população brasileira), alcançou 47,0 milhões de votos e elegeu uma bancada federal extremamente significativa. E se somarmos aqueles que não votaram no Bolsonaro (votaram no Haddad, em branco ou anularam o voto), chegamos a impressionantes 58,1 milhões de votos, isto é, mais do que aqueles que votaram no candidato eleito.
Como disse a professora de sociologia da USP e presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Ângela Alonso, em entrevista ao “Nexo”: “A sociedade está mobilizada em duas direções. Isso pode continuar, porque a eleição não resolveu o conflito”. Continua a professora: “esses dois (Bolsonaro e Haddad) representam esses dois lados da mobilização” que, além “além desses grupos organizados no mundo urbano, tem ainda o tipo de conflito que nós temos desde sempre no interior do país, em regiões menos alcançadas pela imprensa, menos alcançadas pelos grupos de direitos civis. Do outro lado, tem um clamor que vem vindo desde o mensalão, que é um clamor contra a corrupção (grifos meus), em todas as suas formas. Isso foi sendo associado, no debate público, a um partido. Associou-se ao PT. Essa associação fez com que o antipetismo ficasse muito raivoso”.
E se o combate à corrupção, um dos principais motivos pelos quais Bolsonaro foi eleito, precisa ser mantido a qualquer custo, há que se trabalhar intensa e concomitantemente para que se evitem a polarização e a radicalização política e social. É imprescindível acabar com a dicotomia do “nós x eles”, caso se queira aprovar as reformas e implantar as políticas de que tanto o País necessita. Tudo isso sem que se desrespeite a Constituição e se preserve o Estado Democrático de Direito. A nomeação do juiz federal Sergio Moro, para o superministério da Justiça, talvez contribua de forma significativa para que isso aconteça.
Vale ressaltar, no entanto, que os governos em início de mandato, de forte aprovação popular, dispostos a conversarem com a sociedade e a classe política, e quando querem, é verdade, conseguem aprovar reformas importantes. Acredito que o novo presidente, apesar de suas tendências ditatoriais (o que não quer dizer que ele queira implementar um regime ditatorial), saiba que em uma Democracia só se governa com o Congresso e no qual os partidos políticos tem importância fundamental. Acredito, inclusive, que isso será ainda mais facilitado, na medida em que o País, que amanheceu mais conservador após as eleições, também contará com significativo apoio das forças que defendem o liberalismo econômico. E isto exatamente em um momento no qual o excesso de “estatismo” e “dirigismo econômico” tem se mostrado prejudicial e bastante criticado em todo o mundo.
Não confundir, porém, e como já comentado por mim em outros artigos, com a incorreta e retrógrada visão existente no Brasil na qual existem, de um lado, o Estado brasileiro sempre corrupto, ineficiente, cheio de vícios, burocrático e que somente tira recursos dos setores produtivos e dos consumidores e presta serviços de péssima qualidade, e de outro, um mercado só de qualidades, totalmente capacitado, que trabalha com altíssima produtividade e total eficiência e sempre comprometido com o progresso. Jesse Souza, em seu livro “A tolice da inteligência brasileira” (ou “Como o País se deixa manipular pela elite”, da Editora Leya, 2018), faz competente critica a esse respeito, quando demonstra, que para se “deixar à sombra todas as contradições sociais de uma sociedade, nela incluindo tanto seu mercado quanto seu Estado, que naturaliza desigualdades sociais abissais e um cotidiano de carência e exclusão”, criou-se e dramatizou-se o que ele chamou de “aparente e falso” conflito entre mercado idealizado e Estado corrupto. Cabe, portanto, caso se queira adotar um liberalismo econômico moderno, não só abolir o velho pensamento aqui exposto, como também se dispor a debater e negociar, através da razão e da visão de progresso, as propostas reformistas que se fazem necessárias.
Ao mesmo tempo em que o presidente eleito expressou tendências liberais no campo econômico, principalmente através de seu, agora ministro da Economia Paulo Guedes, ele também fez discursos nacionalistas, quando não estatizantes, que atendem o desejo de uma grande parte dos militares. Enquanto o novo ministro da Economia é favorável, por exemplo, a um amplo programa de privatizações, Bolsonaro quer focar apenas aquelas com prejuízos e deixar de lado empresas como a Eletrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e as atividades de pesquisa e produção de petróleo da Petrobras. Complementarmente, ao se propor a realizar um conjunto de reformas essenciais, e portanto, de grande impacto na vida nacional e das atividades econômicas, e sem dúvida com intensa repercussão política e social, o novo governo se obriga, num regime Democrático, a estabelecer prioridades, manter um sistema de comunicação claro, transparente e confiável, e ter habilidade política para obter as aprovações necessárias, não só junto ao Congresso Nacional, mas também perante a opinião pública. Aliás, já a partir de agora, quando se está “montando” a nova equipe governamental. Outro pressuposto básico, mostrar que é possível obter governabilidade de forma diferente dos modelos anteriores, nos quais o “é dando que se recebe” transformou-se em instrumento político.
Como comentei em meu artigo do dia 10 pp (“Economia Já”), Bolsonaro, enquanto candidato, e o próprio economista Paulo Guedes, não se preocuparam em detalhar, no programa de governo registrado junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nem tampouco em seus discursos ou entrevistas, as principais providências que comporão, inevitavelmente, um novo conjunto de políticas econômicas. Pelo contrário, e considerando-se o período eleitoral, eles se aproveitaram de um momento no qual os problemas éticos, de costume e culturais eram prioridade, e limitaram-se a apresentar pequenos resumos ou “linhas gerais”.
A meu ver, quatro problemas, imediatamente, precisam ser, se não totalmente resolvidos, posto que os resultados somente virão no médio prazo, pelo menos equacionados: o baixo índice de crescimento econômico, o desemprego, o desequilíbrio das contas públicas e o consequente aumento da dívida pública. Embora relacionados e interdependentes, medidas para cada um deles precisam ser elaboradas e implementadas. E quanto antes, melhor.
Há que se ocupar, sem dúvida, das relações internacionais e das circunstâncias que envolverão o mundo muito em breve. A diminuição dos índices de crescimento mundial, inclusive e principalmente da China e da Europa, e consequente decréscimo das atividades de comércio internacional, a guerra comercial entre China e EUA, possiblidades de fortalecimento do dólar e uma certa “animosidade” criada com relação ao Mercosul (Guedes disse não ter prioridade nesse mercado no momento), poderão criar dificuldades para todos os países emergentes, inclusive o Brasil.
De qualquer forma, o Brasil ainda conta com fortes setores exportadores, principalmente no agronegócios, satisfatório nível de reservas, inflação controlada, setor financeiro saudável e o compromisso, já assumido pelo futuro presidente e seu ministro da Economia, de manter o Banco Central independente. Isto, por si só, permite que eventuais pressões sobre o câmbio, tenham impactos minimizados, na medida em que as políticas monetárias poderão ser utilizadas convenientemente. Aliás, como pode ser constatado nestes “últimos tempos”, a desvalorização do real não tem gerado maiores impactos nos preços internos e/ou no mercado varejista.
Parece-me, portanto, que haverá um razoável período de estabilidade econômica, na medida em que não há previsões de altas taxas inflacionárias, aumento das taxas de juros ou de significativas alterações no preço do real, para o próximo ano. O próprio comportamento e as estimativas do mercado, bem como a última decisão do Copom, dia 31 pp, de manter a mesma taxa básica de juros, corroboram com essas expectativas de estabilidade. Isso, sem dúvida, trará um certo conforto e permitirá que o governo tenha condições de elaborar, negociar, aprovar e implantar as políticas necessárias O ex-ministro Antonio Delfim Neto sugeriu, inclusive, que se mantenha a equipe econômica atual, responsável pela obtenção dessa estabilidade, em quaisquer circunstâncias, sempre necessária e desejável.
É imperioso, entretanto, uma certa e cautelosa rapidez, a fim de que a crise não se agrave. No campo econômico, como já comentado, a retomada do crescimento econômico é fundamental, pois é a principal forma de se resolver vários problemas ao mesmo tempo, tais como a geração de empregos, de renda e de consumo, de aumento da arrecadação (sem aumentar impostos) e da obtenção de ‘certa’ paz social. Para isso, investimentos, notadamente privados, são imprescindíveis. Infraestrutura e construção civil, são aqueles que mais rapidamente trazem resultados. Além de, também, resolverem problemas específicos, como por exemplo, a melhoria de vida das pessoas, via maior oferecimento de água potável, saneamento básico, eletricidade, comunicação e moradia. Assim como a diminuição de parte do ‘custo Brasil’ e aumento da produtividade do produto brasileiro, frutos da expansão e da melhoria da infraestrutura logística. Crescimento econômico e combate ao desemprego são, aqui, os principais objetivos.
Para estimular os investimentos, o discurso pró-mercado, de diminuição do tamanho do Estado, diminuição da burocracia e racionalização das atividades públicas são bons inícios. Mas é necessário que se dê, aos empreendedores e empresários, segurança jurídica e expectativas de que as políticas voltadas ao crescimento econômico serão adotadas. Ao mesmo tempo, isso não poderá ser obtido via aumento do déficit público, isto é, diminuindo as receitas do Estado, seja por políticas de desonerações tributárias ou de diminuição ou eliminação de impostos. No curto prazo, aliás, o setor produtivo (que investe) e as famílias (que consomem) precisarão “aguentar” o peso da arrecadação atual. Se já se sabe que o País não consegue manter o tamanho do Estado brasileiro atual, sua diminuição, e consequente redução da carga tributária, exigirá medidas cujos resultados somente serão obtidos a partir do médio-prazo. Até porque, a elaboração dessas medidas também exigirá análise profunda e intensas negociações junto aos governadores e ao Congresso Nacional.
Na busca do equilíbrio das contas públicas, mesmo não se desejando, a criação de um novo imposto (IVA - Imposto sobre Valor Agregado), como forma de simplificar e obter níveis maiores de arrecadação, também será proposto, pois além de ser imprescindível no momento, é muito melhor que insistir na manutenção de déficits ou de se buscar a recriação da ‘malfadada’ CPMF (Contribuição por movimentação financeira). Mas além disso, e do que já foi citado no parágrafo anterior, cortar e controlar despesas, sem que se comprometa o já deficiente serviço público, é medida inegociável. Uma reforma administrativa que racionalize e aumente a produtividade do serviço público também se apresenta como necessária. E aqui, os novos governadores também terão que contribuir, pois os gastos da maioria dos Estados e Municípios brasileiros está fora de controle e com altos déficits. Com relação à reforma da Previdência, já se cogita buscar a aprovação da proposta feita pelo presidente Temer, pois mesmo não resolvendo todos os problemas, ela já está em adiantado estágio de discussão e resolve grande parte dos problemas.
E se as contas públicas apresentam déficits contínuos, o resultado automático é que se tenham aumentos da dívida pública que, segundo o IFI (Instituto Fiscal Independente do Senado Federal) chegará a 76,3% do PIB neste final de ano (em 2022, mais do que 83%), consumindo, do Tesouro, quantias substanciais de recursos para pagamento dos respectivos juros. Na falta desses recursos, como é o caso, exigem-se renegociações, novos empréstimos ou simples emissões de títulos do governo. Isto significa, sem dúvida, pressão para que as taxas de juros aumentem. E, no caso de simples emissões de moedas, impactos diretos na inflação. É fácil perceber que a perspectiva de falta de liquidez dificulta cada vez mais as negociações com os credores, possibilitando, a eles, oportunidades para novas e maiores exigências. Mesmo considerando que baixas taxas de juros contribuam para que a rubrica “juros da dívida” não cresça de forma exagerada, é necessário que se busquem novas formas de financiamento da dívida pública.
Utilizar parte das reservas internacionais e realizar um substancial processo de privatizações, como forma de amortização de parte dessa dívida, têm sido colocado como alternativas. O que se observa é que a utilização de parte das reservas, em um ambiente externo que se mostra, até certo ponto, desfavorável no futuro, não é recomendável e precisaria, sem dúvida, ser melhor discutido. A economista Monica De Bolle, no Estadão do último dia 31, fez uma rápida e correta análise sobre o assunto: “sair vendendo reservas antes de consertar os graves problemas fiscais (grifos meus) que tem o Brasil seria medida absolutamente inconsequente, sobretudo tendo em vista o ambiente externo menos favorável para mercados emergentes e a crise que se abateu sobre a vizinha Argentina”. O mesmo se diz, como já comentado, quanto ao programa de privatizações.
Como se pode notar, o novo governo terá pela frente, uma agenda econômica que exigirá esforços, trabalho e muita criatividade, além, é claro, de muita capacidade de negociação. Mas antes de mais nada, o novo governo precisará “pacificar” o País e ser capaz de trazer, para seu lado, a maioria do Congresso Nacional e da sociedade, único e possível caminho para que se adotem as providências necessárias, cujos objetivos maiores deverão ser, vale repetir, a retomada do crescimento econômico, a geração de empregos e o equilíbrio das contas públicas.
Perguntado sobre a possibilidade de haver um novo golpe, em entrevista realizada no dia 16.10, para a Folha de São Paulo, o filósofo e ex-professor da USP, José Arthur Giannotti, respondeu: “Esse perigo diminuiu. Agora tem menos risco de golpe porque as pessoas que eram golpistas encapuzadas passaram a ser golpistas dentro da dança política. Viraram parte da instituição. O golpe pode vir no impeachment do Bolsonaro (grifos meus). Em seis meses ele não vai ter essa aprovação que tem porque não vai resolver a crise econômica (grifos meus). Está todo mundo assustado, mas o resultado é bom”, pois “a grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas. Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem se mostra publicamente como um bandido. Eles serão obrigados a se civilizar. Não dá para ter também um país tão pobre. Isso não é mais tolerável”. E concluiu: “O Brasil está encalacrado e só vai desatar quando o sistema político ficar mais moderno e democrático. Antes estava inteiramente fechado. Agora desarrumou tudo. Que bom!”