Os números mostram que acidentes envolvendo caminhões provocam mais fatalidades. Segundo o Atlas de Acidentalidade no Transporte Brasileiro, eles representam 43% das mortes registradas em 2017. O motivo, como se sabe, é o fato dos veículos serem mais pesados – e no Brasil isso é agravado pela quantidade de caminhões que trafegam pelas rodovias com excesso de peso. “Esse é um problema antigo e grave”, reconhece o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros, José da Fonseca Lopes.
O engenheiro mecânico Rubem Penteado de Melo, da TRS Engenharia, que presta consultoria sobre prevenção de acidentes para empresas de transporte de cargas, explica que o excesso de peso torna os veículos instáveis e aumenta o risco de tombamento, principal causa de acidentes com caminhões. Também aumenta o tempo de frenagem e provoca sobrecarga nos freios, podendo causar o seu colapso. Isso põe em risco o próprio motorista do caminhão e todos os demais públicos das rodovias, como condutores e passageiros de veículos leves, motociclistas e pedestres.
Além do risco à vida, acidentes envolvendo caminhões com excesso de peso costumam exigir a chegada de guinchos ou guindastes para remoção – e muitas vezes envolvem ainda a ameaça ou o derramamento de substâncias tóxicas na rodovia, com consequências ruins para o meio ambiente. A interdição da pista acaba prejudicando todos os veículos e causando perda de produtividade para a economia.
Prejuízo para todos
Além disso, segundo o engenheiro Rubem de Melo, caminhões com excesso de peso causam o desgaste prematuro do piso da rodovia, sobretudo em pontes e viadutos. De acordo com estudo técnico da Agência Nacional do Transporte de Carga (NTC), o excesso de carga de 10% aumenta em 46% o desgaste do pavimento e reduz em mais de 30% a sua vida útil. Além de prejuízos materiais e financeiros à estrutura viária, causa buracos que também comprometem a segurança de todos os veículos que trafegam nas rodovias. Melo lembra também que o excesso de peso gera prejuízos aos próprios donos dos caminhões, reduzindo a vida útil de freios, suspensões e pneus, por exemplo.
Evasão fiscal
O excesso de peso muitas vezes está associado também com evasão fiscal pelo fato de que as mercadorias que ultrapassam o limite geralmente não são declaradas na nota fiscal do transportador. A sonegação retira recursos públicos para investimentos em serviços como saúde e educação, além de obras de infraestrutura.
Mas, se causa tantos males, por que esse problema continua tão frequente?
Os especialistas apontam algumas razões. “O excesso de peso é uma forma de concorrência predatória para o próprio setor”, afirma Melo. “O transportador usa o veículo com o dobro da carga para faturar o dobro.” O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros concorda que seria melhor para a categoria se todos respeitassem a lei. “Haveria mais viagens para fazer”, afirma Fonseca.
Fiscalização
Os dois acreditam que a solução do problema passa pelo fortalecimento da fiscalização. “Não há balanças suficientes nas rodovias e muitas funcionam de forma irregular”, lamenta Fonseca. “Hoje em dia, com as redes sociais, todos sabem quando uma balança está aberta ou fechada.” O engenheiro Melo afirma que a instalação de balanças no país tem aumentado. “Mas não na velocidade necessária”, diz.
A pesquisa Transporte Rodoviário de Carga – Características Estruturais e a Crise Atual, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), chegou à mesma conclusão. De acordo com o trabalho, existem no Brasil cerca de 2,3 milhões de caminhões, sendo que 1,2 milhão pertencem a empresas de transportes e 1,1 milhão a caminhoneiros autônomos. O estudo recomenda a “intensificação da fiscalização do peso dos veículos de carga que trafegam nas rodovias federais, acelerando a implantação de novos postos de pesagem de veículos.”
Novas tecnologias como solução
Segundo os especialistas, essa não é uma solução simples. Uma das dificuldades é o fato de que o sistema de pesagem atual exige inspecionar toda a frota o tempo todo. Uma alternativa mais eficaz consiste em adotar tecnologia de pesagem dos veículos em movimento, na própria rodovia, para fazer a triagem dos caminhões que estão acima do peso – e parar apenas estes para a fiscalização detalhada.
A iniciativa está em estudos na Agência Nacional de Transportes Terrestres, que cuida das rodovias concedidas à iniciativa privada. “Hoje os postos de pesagem da ANTT já operam com balanças que pesam veículos em movimento, com velocidade que variam de 40 a 60 km na balança de seleção e de 5 a 10 km na balança de precisão”, afirma Mauricio Hideo Taminato Ameomo, da Gerência de Fiscalização da Agência. “O projeto de HS-WIM (High Speed Weight in Motion) permitirá que o veículo passe pela balança na velocidade normal de tráfego da via, de 80 km para veículos pesados e velocidades maiores para outros tipos de veículos. A pesagem seletiva em alta velocidade evita a formação de filas nas entradas dos postos de pesagem e permite que o equipamento de pesagem seja instalado na própria via, diminuindo ou, em alguns casos, eliminando a necessidade de construção de uma pista exclusiva para seleção de veículos com redução de velocidade em direção ao posto.”
Segundo Ameomo, em um primeiro momento a pesagem em alta velocidade será utilizada para selecionar os veículos, direcionando-os para a fiscalização de precisão. “A intenção é de que, em um breve futuro, a tecnologia de pesagem em alta velocidade consiga atingir índices metrológicos de precisão suficientes para que possa ser utilizada também para uma fiscalização de precisão”, afirma. O sistema já foi testado em laboratório, mas ainda não há nenhuma balança desse tipo em funcionamento no país. A previsão é que a primeira seja instalada no próximo ano, em local ainda não definido.
Distribuição das cargas
Os especialistas lembram que o problema não está apenas no excesso de peso total do caminhão, mas também no sobrepeso em alguns de seus eixos. O engenheiro Melo explica que isso ocorre, principalmente, por falta de um planejamento cuidadoso da ocupação do caminhão. Muitas vezes, segundo ele, os transportadores acabam optando por colocar a maior parte da carga na parte de trás do caminhão, para facilitar a retirada no ponto de destino, sem considerar que esse desequilíbrio provoca excesso de peso em alguns eixos, o que também aumenta o risco de acidentes e o desgaste prematuro tanto do caminhão quanto da rodovia.
Além do rigor na fiscalização, outra medida considerada importante são campanhas de conscientização e educação dos caminhoneiros sobre os riscos que eles próprios correm, e dos que provocam à sociedade, com a manutenção dessa prática. “Só assim conseguiremos melhorar o quadro atual”, afirma Melo. A preservação da vida de muitos brasileiros depende dessas medidas.
O engenheiro lembra ainda que o excesso de peso produz importantes danos ao caminhão, aumentando a necessidade de manutenções e produzindo prejuízo financeiro. “Danifica o feixe de molas, quebra a ponteira de eixo, trinca ou empana o chassi; também aumenta o desgaste de pneus e lonas de freio”, conclui.