Não há dúvidas de que os próximos anos serão muito difíceis. O próximo governo, independente de quem seja, encontrará um País com um PIB menor do que há cinco anos, contas públicas com déficits seguidos, ainda sem controle e sem perspectivas de inversão no curto prazo, altíssima (e perigosa) dívida pública, também com tendências de crescimento, mais de 12 milhões de desempregados e outros 20 milhões de subempregados.
Não bastasse essa grave situação econômica, o Brasil ainda vive uma crise social, política, moral e ética, sem precedentes em sua história e que está generalizada em quase todos os lugares e setores da vida nacional.
Resultado da atuação medíocre de vários governos, mas principalmente nos últimos dez anos, o brasileiro foi perdendo seus principais valores, as esperanças e a crença na maioria das instituições constituídas. Do Congresso Nacional à Justiça, da Administração Municipal à Federal, e até a própria Democracia, tudo parece ter deixado de funcionar e, mais do que isso, deixado de cumprir suas reais funções. Parece que tudo está “sub judice” (expressão em latim que significa ‘em julgamento’).
Como comentado em artigo escrito no final do ano passado (“Em 2018, votar é preciso. Votar bem é imprescindível”, publicado no site do Guia do TRC dia 27.12.2017), e com base em uma lista real e infindável de exemplos, “o Brasil vive uma grande confusão e uma enorme desordem”. Como lá dito, até o judiciário, nossa última esperança, já há alguns anos tem dado sinais de estar em constante conflito, dividido em grupos antagônicos e se comportando de forma explicitamente política.
Naquele artigo lamentei, inclusive, que nossa classe dirigente, da qual por exemplo fazem parte, empresários, políticos, executivos e magistrados, não estava “tratando assuntos sérios, de forma séria” e ainda se mantinha preocupada apenas com seus próprios interesses. O comportamento dúbio de parte da classe empresarial não a impede, pelo contrário, facilita, aproveitar-se do poder e dos governos de plantão, para sempre conseguir obter suas benesses, pouco se importando com a real situação do País (artigo escrito e publicado no site Guia do TRC em 27.10.2018: “Classe Dirigente, Constituinte, Eleições e Sociedade Civil”).
Coincidentemente, no Estadão do último dia 25, o presidente do conselho da Associação de Incorporadoras e dono da Construtora MRV, Sr. Rubens Menin, comentou a importância de, às vésperas das eleições, o setor da construção civil publicar manifesto em defesa da Democracia. “Empresários também são culpados pela crise e, agora, querem ser protagonistas no debate político (grifos meus). A elite empresarial do País não quer ser mais omissa”, disse ele. Embora a associação não veja risco com relação à Democracia, entre diversos pontos elencados, a “defesa firme e obstinada da democracia” e a “observância irrestrita à Constituição”, foram considerados compromissos inegociáveis. Segundo ele “é um manifesto republicano, que vai ao encontro dos anseios da sociedade”. Por outro lado, e apenas para ilustrar o que disse anteriormente, no dia 26 pp., no site do Estadão, Sebastião Bonfim, dono da rede de artigos esportivos Centauro, em entrevista para a jornalista Renata Agostini, comentou que esse manifesto é eleitoreiro e vem de um setor que deu sustentação aos governos do PT. Disse ele: “Em defesa da democracia todos somos. Está implícito”. “Mas quem tenta explorar o discurso de frente democrática neste momento é o PT”. E, mais adiante, complementa ele: “Um manifesto publicado dessa forma a poucos dias do segundo turno me parece ter intuito político e eleitoral. O tal pacto pela democracia é uma ideia que o PT quis construir. Quem assina o manifesto é uma turma que diz querer preservar a Constituição, mas que faz parte de um setor que foi muito exposto pela Lava Jato e que adorava comprar lei ordinária. E agora querem se colocar como arautos da democracia? Essa elite empresarial nunca foi omissa, ela sempre foi é conivente” (grifos meus).
Esse posicionamento empresarial parece ser um ‘bom’ início, mas assim como entre os políticos, há que se separar o “joio do trigo”. Portanto, não é mais possível continuar com a crença de que o mercado é a solução para todos os males e o Estado brasileiro é o culpado por tudo. Nem, tampouco, acreditar que o povo brasileiro não sabe votar. Irá caber à sociedade civil organizada, não envolvida nesse processo perverso, e sem violência, desempenhar papel fundamental. Mas para isso será imprescindível uma nova mentalidade na qual a convergência e as causas comuns sejam itens inegociáveis.
Tenho observado, também, que a maioria da população, com pouca ou nenhuma informação, e ignorante em determinados assuntos, geralmente não se interessa por temas de difícil compreensão, como os econômicos, por exemplo. Imagine-se o tamanho da “confusão” diante do crescimento das “fake news” e de dados e informações diferentes e contraditórias, cada vez mais presentes e comuns nas palavras de políticas e “autoridades”, reproduzidas diariamente nos diversos noticiários. Alguns até tendenciosos. As dificuldades para tomada de posições claras e racionais, pela grande maioria da população, são cada vez maiores. O que se falar, então, na hora de votar, quando o eleitor já recebe “pacotes de candidatos” prontos?
Exceto em casos nos quais as mobilizações são realizadas por grupos mais restritos, ou quando o assunto é bastante simples, ou a partir de paixões inexplicáveis ou encabeçadas por líderes populistas e carismáticos, a participação dessa grande massa de eleitores, nas discussões de temas mais complexos, tem sido cada vez mais raras. Cito novamente, o professor de Teoria Política da UNESP, Marco Aurélio Nogueira que diz que “o brasileiro médio tem fé e esperança. Vê o Estado como provedor geral e protetor. Por essa via, transfere sua expectativa para políticos habilidosos em explorar a ingenuidade popular. Não entende porque a elite nacional se mostra cega e indiferente à miséria e à pobreza e se deixa seduzir por quem se anuncia como “salvador”.
Quinze dias mais tarde escrevi um novo artigo para demonstrar, como complemento do anterior, minha preocupação com a crescente radicalização que se instalava no Brasil (“Nas eleições de 2018, evitar a radicalização é fundamental”, Guia do TRC de 12.01.2018), pois tanto poderíamos nos encantar pelos discursos demagógicos e populistas de um ‘salvador da Pátria’, como poderíamos ser atraídos por verdadeiros estadistas. Da esquerda ou da direita!
Consequentemente, entre um e outro, à esquerda, ao centro ou à direita, tudo seria possível. Naquele texto fiz questão de citar o economista Thomas Piketty, que através de competente pesquisa, comprovou aquilo que a realidade diariamente nos apresenta, ou seja, mesmo com dificuldades, são democráticas as sociedades que mais criam condições para que os negativos impactos da economia, cada vez mais globalizada, sejam diminuídos. Se a democracia tem problemas com a desigualdade, problemas ainda maiores terão as sociedades ditas ‘socialistas’, uma vez que, entre outros desvios, joga a produtividade para baixo.
Há quem diga que uma economia, para evoluir e se desenvolver, precisa de um regime autoritário. Pura bobagem e que não se sustenta quando se analisa criteriosamente a evolução da história econômica. O liberalismo econômico e a economia de mercado sempre foram compatíveis com regimes cujos pressupostos se baseiam na liberdade, isto é, na democracia. Jamais com o autoritarismo ou sistemas cujas decisões sejam centralizadas. As desigualdades, quando existem, são devido a um capitalismo cada vez mais globalizado e jamais porque o regime político é democrático. São injustos, portanto, os ataques que os extremos, tanto da esquerda como da direita, fazem à Democracia. Como são injustas, vale ressaltar, afirmações do tipo “o povo não sabe votar”.
Antes do primeiro turno eram muitos os comentários que classificavam estas eleições como a grande decisão a respeito do tipo de País que os brasileiros querem para o futuro: um país democrático, com funcionamento pleno e independente de suas instituições, no qual o direito, a liberdade, a livre iniciativa e a economia de mercado sejam suas características principais, ou um país com poder centralizado, autoritário, economia estatizada e fechada, no qual o direito e a liberdade tem significados relativos.
Algumas escolhas já foram feitas. De um lado um capitão reformado do exército, Sr. Jair Bolsonaro do PSL, que apresenta um programa econômico liberal cujo objetivo maior é estimular os investimentos, gerar empregos e renda e retomar o crescimento econômico. Contemplam-se, nesse programa, a redução do tamanho do Estado, a diminuição do impacto tributário e da burocracia, a instalação de um grande programa de privatizações, a arrecadação de recursos para redução de parte da dívida pública, o corte de despesas e a redução das chamadas renúncias fiscais. Sem especificar ou detalhar suas propostas ou citar as medidas específicas a serem adotadas, o programa apresentado também se propõe a diminuir os entraves burocráticos e a interferência estatal, além de diminuir os impostos, como instrumentos principais para que o setor privado, ao funcionar melhor, obtenha ganhos de produtividade, de lucros e invista mais. Considera-se, inclusive, perda de algum direito trabalhista desde que seja para diminuir custos operacionais das empresas e gerar mais empregos.
Mesmo com uma proposta liberal para a economia, algumas contradições foram expostas em discursos proferidos pelo candidato, na medida em que ele mesmo questiona, por exemplo, a liberdade de preços dos combustíveis e a ‘demasiada’ (segundo ele) autonomia da Petrobrás. Pouco se falou sobre reformas, inclusive a da Previdência, mas muito se comentou sobre a necessidade de se combater a corrupção, a criminalidade e a violência. Armar a população, melhorar as carreiras ligadas à justiça e à segurança e aumentar os investimentos para equipar melhor as polícias e as forças armadas também foram temas apresentados e bastante discutidos.
Do outro lado, está o candidato do PT, ex-prefeito de São Paulo, senhor Fernando Haddad, que quer utilizar a força do Estado para recuperar o poder de compra dos mais pobres e gerar emprego. Para isso, a revogação das ‘medidas liberais’ do governo Temer, segundo Haddad, é uma providência necessária. Revogar a emenda que trata do teto dos gastos (não está claro como isso será feito) para liberar investimentos públicos e estimular o mercado interno, seriam os principais meios para a retomada do crescimento econômico. A retomada das obras de infraestrutura, por exemplo, seriam financiadas com recursos oriundos das reservas internacionais, do BNDES e do setor privado. Facilitar e baratear o crédito, principalmente entre os mais pobres é condição “sine qua non” para recuperar o poder de compra e incentivar o mercado interno. Sobre reforma da previdência e reforma trabalhista, pouco se sabe, apenas que elas “serão revistas”, uma vez que deverá haver a manutenção, quando não o aumento, dos direitos sociais. Neste programa acredita-se que o equilíbrio fiscal somente seria obtido de forma gradual, pois a prioridade seria, com forte presença do Estado, o crescimento econômico.
Como já comentado por mim em artigo anterior, ao se aproveitarem do momento atual brasileiro, no qual os problemas éticos, de costume e culturais passaram a ter prioridade, Bolsonaro e Haddad, assim como seus ‘economistas’, não detalharam suas propostas no campo econômico e nem mesmo se preocuparam com possíveis incoerências. Limitando-se a pequenos resumos, deixaram de lado as discussões sobre verdadeiras políticas de Estado, talvez por que saibam que muitas delas dependem de profundas e demoradas negociações junto ao novo Congresso Nacional.
É fundamental, neste momento, relembrar que na efetivação de propostas que levarão o Brasil ao liberalismo econômico do século XXI, não mais caberão simples argumentações que opõem, de um lado o dirigismo estatal extremo e de outro a ampla e irrestrita liberdade econômica. Será exigido, isso sim, que se trabalhe mais com a razão e uma visão clara de progresso, a ser obtido, este último, através de amplos debates, muita negociação e de implantação dos processos reformistas necessários. É importante que se acabe com a discussão simplória e falsa, na qual se colocam em campos totalmente excludentes e opostos, o Estado brasileiro sempre considerado como corrupto e ineficiente, diante de um mercado virtuoso e eficiente. Infelizmente, nada disto foi sequer abordado por qualquer candidato, principalmente porque o outro lado jamais tem qualquer virtude. É a burrice do “nós contra eles”.
É óbvio, mas importantíssimo relembrar, que debater, negociar e implantar reformas com sucesso, somente é possível em regimes democráticos. A Democracia, sem dúvida, é o único regime político no qual a correção de rumos é feita pela vontade da maioria. E aqui é que surgem as maiores dúvidas, pois tanto um candidato como outro, tem agido de forma dúbia, sem clareza e pouca sinceridade. Bolsonaro por já ter demonstrado tendências totalitárias, e Haddad por representar um partido que desafia a justiça e ataca as principais instituições constituídas. Com discursos e comportamentos que incentivam de forma crescente a polarização política, colabora-se pelo ‘embaçamento’ do cenário futuro.
A Democracia tem dificuldades para sobreviver em sociedades nas quais impera profunda e irracional polarização da política, levando extremistas a estimularem as discussões sob a ótica das diferenças, raciais, sociais, regionais, religiosas ou até mesmo clubísticas (ou de “nós e eles”, maléfica simplificação brasileira). Isso somente aprofunda a intolerância e o ressentimento e não serve à reconstrução do Brasil. Não é sem motivos que o Barômetro Político Estadão-Ipsos, divulgado ainda nesta semana, mostra que 58% dos brasileiros tem ‘preocupação’ com relação ao futuro do País.
Parece claro que momentos de instabilidade política e econômica, como a atual, criem condições para que os governos – de esquerda ou de direita - obtenham mais poderes, pois a centralização das decisões (principalmente no que diz respeito à distribuição de recursos financeiros) parece ser solução inevitável e indiscutível. Não é à toa que discursos personalistas, demagógicos e populistas causem efeitos positivos em razoável parte da população que não quer se preocupar em ‘pensar’, mas sim, transferir seus problemas para alguém.
Dois professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (“Como as democracias morrem”, editora Zahar, 2018), com base em casos reais, afirmam que “desde o final da Guerra Fria, a maior parte dos colapsos democráticos não foi causada por generais e soldados, mas pelos próprios governos eleitos”. Sem golpe e através do voto, “o retrocesso democrático hoje começa nas urnas”. “A via eleitoral para o colapso é perigosamente enganosa”. Mais à frente dizem eles: “as instituições isoladamente não são o bastante para conter autocratas eleitos. Constituições têm que ser defendidas – por partidos políticos e cidadãos organizados, mas também por normas democráticas”. E se é verdade, como dizem esses dois experientes professores, que “o período atual é de recessão democrática” e a ascensão de Trump representa “um desafio para a democracia global”, é preciso reagir. Aqui no Brasil, evitando que a radicalização e a polarização prosperem e criem condições reais para que alguém, de direita ou de esquerda, deseje violar as normas estabelecidas e desrespeite nossa Constituição. Já disse alguém, que o “preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Mesmo com a desinformação e a proposital difusão de notícias falsas e mentirosas e a ‘má fé’ de muita gente, como já dito anteriormente, é preciso separar o “joio do trigo” e escolher bem, principalmente agora que estamos na reta final e só há dois candidatos. Se não são aqueles que gostaríamos, são os disponíveis no momento. Aceitar a decisão da maioria é a essência da Democracia.
Após as eleições e eleito o novo presidente da república, respeitar os resultados das urnas é obrigação de todos aqueles que se dizem democratas. A sociedade civil de uma forma geral, políticos, empresários e a imprensa, de uma forma particular, deverão, a partir daí, juntar forças para que se construa um programa convergente e de total respeito à Constituição. Observar, receber e praticar as boas práticas, venham de que lado vierem, e trabalhar para evitar que alguém ou um grupo menos avisado tente se apoderar da República é função de todos nós.