No início do mês passado, ao lançar seu livro no Brasil ("O Novo Iluminismo - Em defesa da razão, da ciência e do humanismo", Companhia das Letras), Steven Pinker, psicólogo cognitivo, ressaltou a necessidade de se aumentar o foco na ciência, na razão, no humanismo e no progresso, como instrumentos indispensáveis para que, através de melhorias alcançadas, se evite a sedução dos “discursos catastrofistas e nostálgicos do populismo em expansão”, muito característico do mundo atual.
Em seu livro, Pinker defende a necessidade de se fazer narrativas que se contraponham ao populismo autoritário, no qual são desvalorizadas as conquistas obtidas pela democracia liberal. Ressalta inclusive, o fato de que, enquanto há muitos líderes, intelectuais e carismáticos formadores de opinião defendendo o populismo autoritário e a religião, o projeto “iluminista” carece de defensores. Mesmo considerando que a maioria das pessoas seja imune a fatos e dados, existe um contingente razoável de pessoas dispostas a aprender, duvidar de suas intuições e capazes de repensarem suas crenças. “Vivemos em uma era em que é possível acessar dados que costumavam ser obscuros e difíceis de encontrar, então podemos documentar o progresso e isso muda nossa compreensão das coisas”, conclui Pinker.
Por outro lado, a revista The Economist, criada há 175 anos atrás para defender o liberalismo (não confundir com o “progressismo” da esquerda ou o “ultra-liberalismo” de direita), a dignidade individual, o livre mercado, a limitação de atuação dos governos e a crença de que o progresso humano poderá ser obtido através do debate e dos processos reformistas, tem demonstrado, em suas últimas edições, muita preocupação com os ataques que vem sofrendo, em todo o mundo, a própria Democracia. Por ocasião de comemoração de seu aniversário o editorial da Economist foi taxativo: “O liberalismo construiu o mundo moderno, mas o mundo moderno está se voltando contra ele. Europa e Estados Unidos estão sob ameaça de uma rebelião popular contra as elites liberais, que são vistas como aproveitadoras e incapazes, ou sem vontade de resolver os problemas das pessoas comuns”. E mais: “Liberais devem aceitar críticas e dar boas-vindas ao debate como fonte de um novo pensamento que irá reviver o movimento. Eles devem ser ousados e impacientes por reformas. Os mais jovens, especialmente, tem o mundo para reivindicar”. Ao finalizar o editorial, The Economist relembra texto do seu primeiro editor, James Wilson: “uma disputa severa entre inteligência, que pressiona para frente, e uma ignorância tímida e indigna que obstrui o nosso progresso” é o nosso compromisso. Depois de 175 anos a revista renova esse compromisso e convida os liberais do mundo a se juntar a eles.
Enquanto isso, aqui no Brasil, parece claro que em meio à gravíssima crise, com mais de 30 milhões de pessoas desempregadas ou trabalhando menos do que poderiam, com a violência, a insegurança e os escândalos de corrupção totalmente inseridos no dia-a-dia do cidadão brasileiro, contingentes cada vez maiores de pessoas tendem a acreditar em populistas e demagogos, da esquerda ou da direita que, mesmo apresentando propostas irrealizáveis no curtíssimo prazo, aparecem como salvadores da Pátria. De um lado temos a esquerda prometendo voltar aos áureos (?) tempos de uma administração desastrosa, corrupta e totalmente irresponsável, inclusive e principalmente sob o ponto de vista fiscal, e de outro temos a direita acreditando resgatar soluções de tempos nos quais as liberdades não eram respeitadas e o mundo e as circunstâncias eram muito diferentes.
Aproveitando-se de um momento no qual os problemas éticos, de costume ou culturais passaram a ter prioridade, Bolsonaro e Haddad, assim como todos os demais candidatos à presidência da República, com exceção de Marina Silva e Geraldo Alkmin, não fizeram o menor esforço para apresentarem, por exemplo, suas propostas no campo econômico. Ao se limitarem a pequenos resumos de seus programas de governo, deixaram de lado as discussões sobre Políticas de Estado. Esse desvio de foco se deveu, segundo meu entendimento, a outros três motivos: 1º) são assuntos que rendem poucos votos, principalmente quando a solução implica em maiores sacrifícios de todos os eleitores e cujos resultados, quando obtidos, só serão percebidos no médio prazo; 2º) a gravíssima crise econômica e fiscal ainda não foi percebida como tal; e 3ª) embora os problemas sejam reconhecidos, eles não sabem, concreta e objetivamente, o que fazer a respeito. Em todos os casos, uma situação pra lá de lamentável.
Segundo o professor Carlos A. F. de Melo, do INSPER (entrevista para o jornal NEXO), “quando você tem uma situação de bem-estar econômico, a questão da corrupção, por exemplo, se torna secundária. Ela existe, mas fica secundária. As questões éticas ficam periféricas. Aí, quando você tem crise, insatisfação, todas as questões periféricas assumem centralidade (grifos meus). A raiva e o desalento chamam muito mais a atenção para questões de segurança pública — por conta da questão repressiva — do que para questões que pudessem mitigar os problemas no longo prazo, como políticas públicas em educação, assistência, Bolsa Família, enfim, coisas que retirem o indivíduo da alça de mira do crime”
Não considerar o déficit fiscal como um dos mais graves problemas a serem resolvidos ou prometer que, sem cortes profundos nos gastos públicos e aumentos de impostos será possível gerar superávit já no primeiro ano de mandato, ou que a solução do problema previdenciário virá através de um sistema novo, a capitalização, sem reconhecer que no primeiro momento os déficits nessa conta aumentarão significativamente, ou defender a anulação da recente reforma trabalhista (com o evidente resgate do imposto sindical, como querem as lideranças dos mais de 17 mil sindicados instalados no País), são apenas alguns dos exemplos que tem caracterizado a superficialidade e a falta de clareza de propostas inconsequentes e irrealistas que parecem ter, no momento, apenas importância eleitoreira.
Durante todas as discussões e propostas apresentadas até agora, notadamente pelos candidatos que disputavam a presidência da república, o importante foi “falar o que o povo queria ouvir”. Óbvio então, que a discussão econômica perdesse espaço para os assuntos mais ‘eleitoreiros’ e que, direta ou indiretamente, mexem com os sentimentos, os valores e os costumes dos brasileiros. Óbvio também, que quaisquer propostas que implicassem em mais sacrifícios para as classes trabalhadora ou empresarial, tais como a reforma da previdência (no orçamento para o próximo ano os gastos com a previdência chegam a R$ 767,8 bilhões ou 53,4% dos gastos totais), corte de privilégios de parte do servidor público (em todas as suas instâncias), maior controle dos gastos públicos ou extinção de benefícios direcionados às empresas ‘amigas’ (para 2018 são previstos R$ 283,4 bilhões nessa rubrica e no orçamento de 2019 já se prevê R$ 306,4 bilhões, ou 4,12% do PIB), não tivessem a mínima condição de serem correta e seriamente apresentadas. Nem ao menos discutidas.
O que se dizer então, de propostas voltadas ao aumento da eficiência e da produtividade da máquina pública, da efetiva e independente participação das agências reguladoras, da privatização, da educação, da saúde pública, das políticas industriais ou de investimentos em infraestrutura? O presidente do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), Pedro Wongtschowski, em entrevista dada para o Estadão no último dia 17, perguntado sobre os programas de governo dos presidenciáveis não teve dúvidas: “não dão relevância para o setor industrial”. Já o economista José A. Scheinkmanm, em entrevista para a Folha de São Paulo, em reportagem de Érica Fraga, não teve dúvidas ao dizer que os “presidenciáveis repetem erros que geraram a crise. A crise fiscal, que assola o País vem sendo ignorada na campanha”. O professor de políticas públicas brasileiras, Rodrigo Soares da Universidade de Columbia, também se manifestou a respeito e demonstrou seu temor sobre as propostas econômicas apresentadas as quais, além de muito genéricas, carecem de substância, sendo que até a promessa de se praticar políticas mais liberais ainda não está bem definida.
Como se sabe, e apesar da aprovação da PEC que limita os gastos do governo (que muitos candidatos querem acabar), estes se mantêm em crescimento ao mesmo tempo em que a receita do poder público encontra dificuldades de ser aumentada, seja pelo baixíssimo crescimento do PIB brasileiro ou pela real impossibilidade política (eu diria eleitoral) de se propor quaisquer aumentos de impostos. O resultado não poderia ser outro, a não ser os consecutivos e extraordinários déficits das contas públicas.
Os resultados primários do Governo Central (antes dos resultados primários dos Estados, Municípios e Estatais e da conta Juros) foram negativos em 0,56% do PIB em 2014, 1,86% em 2015, 2,49% em 2016, 1,69% em 2017 e com previsões de 2,13% para 2018, 1,79% em 2019, 1,21% em 2020, 0,66% em 2021 e 0,14% em 2022, segundo dados do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. O Fundo Monetário Internacional (FMI), ao concluir o Artigo Quarto de Consultas do órgão, projeta superávit primário de 0,5% para o Brasil, somente para o ano de 2023. A situação é crítica e está se tornando insustentável.
Embora menos comentado, os Gastos dos Estados e Municípios também precisam ser rediscutidos. E de forma séria, pois como disse Raul Velloso, um dos maiores especialistas no assunto (“Ao redor do abismo” – Globo de 10.07.17), “esses buracos (os déficits estaduais) vêm sendo meramente empurrados para frente, com os estados parando de pagar alguns itens, a exemplo do 13º salário, como fez o Rio em 2016, instalando-se o caos em algumas áreas”
No caso da Previdência, rubrica que faz parte do Resultado Primário do Governo Central e que acumula déficits seguidos, a reforma é fundamental. Ainda antes dos “remendos” feitos, em face das negociações políticas que se seguem, a Reforma da Previdência, segundo estudos realizados por Paulo Tafner, pesquisador da FIPE/USP, traria uma economia, em 11 anos, de quase R$ 607 bilhões! Os déficits vão se acumulando: R$ 58,7 bilhões em 2014, R$ 85,8 bilhões em 2015, R$ 149,7 bilhões em 2016 e R$ 182,4 bilhões em 2017. No acumulado de 12 meses, fechado em agosto de 2018, o déficit previdenciário foi de R$ 193,6 bilhões.
Os resultados nominais – a chamada última linha das contas do governo, que além do Governo Central inclui a conta de juros e os resultados dos Estados, Municípios e Estatais, exceto Eletrobrás e Petrobrás, também apresentaram déficits. Com relação ao PIB os déficits foram de: 5,95% em 2014, 10,22% em 2015, 8,99% em 2016 e 7,80% em 2017. As previsões para 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 são, respectivamente, 7,3%, 7,1%, 6,9%, 6,8% e 6,5%.
Esse terrível desempenho das Contas Públicas aumentaram significativamente a Dívida do Governo Federal. Segundo o BCB a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), que em 2014 representava 56,3% do PIB, passou para 65,5% em 2015, 70,0% em 2016, 74,0% em 2017 e já está em 77,3% em agosto de 2018, calculados os últimos 12 meses. As estimativas do IFI para 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, respectivamente são: 76,3%, 78,5%, 80,5%, 82,3% e 83,5%. E se considerarmos o critério de cálculo do FMI, que também incluem os papéis do Tesouro em poder do Banco Central, o percentual de 2017 é de 84% e deverá chegar no final de 2018 a 87,3%. Mesmo com a PEC do Teto de Gastos aprovada, a dívida deverá crescer até 2022. Para que se tenha uma ideia do tamanho dessa dívida, e segundo o FMI, os países emergentes ou com renda semelhante ao Brasil, em 2017, obtiveram, na média, uma Dívida Bruta equivalente a 49% do PIB. O governo brasileiro, infelizmente, perdeu totalmente o controle sobre as contas públicas.
Diante dessa catástrofe, e toda a incerteza gerada pelo período de eleições, as perspectivas de crescimento econômico sustentável, para o Brasil, vão ficando cada vez mais distantes. Ainda esta semana, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, em reunião em Bali, na Indonésia, reduziu suas previsões para o crescimento do Brasil, para os anos de 2018 e 2019, agora, respectivamente, em 1,4% e 2,4%. O Fundo estima ainda que, no médio prazo, a taxa de expansão do Brasil deve ser de 2,2%, mas somente alcançada em 2023.
A manutenção do desequilíbrio das contas públicas e o aumento da dívida farão a inflação voltar e isto, consequentemente, impedirá a continuidade do processo de queda de juros, gerando ainda mais desconfiança, mais instabilidade econômica e destruindo o pouco que se conseguiu nestes últimos anos. Com índices de desemprego também altos, as pressões da sociedade aumentarão e a instabilidade política poderá voltar, mesmo com um novo governo. O caminho para o Brasil sair da atual crise, portanto, precisa ser construído à partir da política e que tenha como base a reestruturação da economia brasileira e o equilíbrio das contas públicas.
Negar a política, alimentar o ódio, separar o Brasil entre “nós e eles” e transformar adversários políticos em inimigos ou imbuir-se de poderes “messiânicos”, em nada contribui para a Democracia e geram riscos que o Brasil não deve correr. Mas se tanto Bolsonaro, por já ter demonstrado tendências totalitárias, como Haddad, por ter seu Partido, o PT, desafiado a justiça e atacado as principais instituições constituídas (principalmente em face da Operação Lava Jato e do momento da prisão do Lula), aumentam ainda mais esses riscos, a falta de discussões esclarecedoras e de apresentação de propostas mais elaboradas sobre os sérios problemas da economia brasileira, também contribuem para o aumento das incertezas, criando ambiente de instabilidade já no curto prazo. Independentemente do governo de plantão.
O problema do desequilíbrio fiscal é seríssimo e não há soluções mágicas. Reorganizar a economia, retomar o caminho do crescimento econômico, de geração de empregos e de rendas devem ser, sem dúvidas, as principais prioridades para o próximo ano.
A efetivação de propostas que levarão o Brasil ao liberalismo econômico do século XXI, no qual não caberá mais a antiga oposição entre dirigismo estatal extremo e ampla e irrestrita liberdade econômica, exigirá que se trabalhe com a razão e a visão de progresso, obtido, este último, através do debate, da negociação e da implantação dos processos reformistas necessários.
É impossível antever o que acontecerá em 2019, quando se iniciará um novo governo e se instalará um poder legislativo mais conservador do que o atual. Voluntarismo e bravata, como todos sabemos, não resolverão os graves problemas nacionais, mas será preciso que a nova classe dirigente, instalada no poder a partir do próximo ano, mostre-se capaz e decidida a resolver os problemas das pessoas comuns. Para isso, é fundamental que propostas de governo e de Estado sejam realistas e compatíveis com os problemas existentes e as condições brasileiras atuais. Assim como são inegociáveis os compromissos pela recuperação econômica do País e pela defesa da Democracia e do Estado de Direito. Aliás, como quer 69% dos eleitores brasileiros que afirmaram, em recentíssima pesquisa realizada pelo Datafolha, ser o regime democrático a melhor forma de governo.