Está por demais difundido que o Estado brasileiro, principalmente nos últimos anos, tem enormes dificuldades para cumprir seu orçamento. Se por um lado os recursos do Tesouro Nacional, em face do desaquecimento da economia e consequente baixa de arrecadação, têm sido cada vez menores, por outro lado os gastos públicos, quase sem controle, têm aumentado muito acima dessa mesma arrecadação. Para piorar, gasta-se muito mal. O resultado disso tudo é que, além de não termos os retornos esperados, ainda geramos persistentes déficits fiscais e uma perigosa elevação da dívida pública.
Essa situação é agravada ainda mais quando computamos determinados programas de subsídios, isenções de impostos, desonerações ou perdão de dívidas que os governos têm criado ao longo do tempo para beneficiar, na maioria das vezes, pessoas físicas, jurídicas, estados e municípios que, ao contrário do que se poderia imaginar, caracterizam-se pelo não cumprimento das leis, pela irresponsabilidade fiscal e orçamentária, pela má administração e pela ineficiência.
Outro problema, que dificulta ainda mais o cumprimento das metas orçamentárias, é a existência de uma quantidade enorme de gastos obrigatórios sobre os quais o governo de plantão, qualquer que seja ele, tem pouquíssima gerência, a não ser cumpri-los, como determina a legislação. Como se sabe, a maioria dos gastos públicos é obrigatória e quaisquer mudanças necessitam de providências demoradas, geralmente impossíveis de serem adotadas, uma vez que necessitam de aprovações do legislativo, sempre “envolvido” em demandas políticas que, longe dos interesses da sociedade como um todo, estão muito mais voltadas ao atendimento dos diversos tipos de corporativismo que lutam para manter suas benesses. Caso nada mude, os déficits das contas públicas tenderão a aumentar, assim como as dificuldades para se retomar o caminho do crescimento econômico e da justiça social.
Diante desse gigantesco problema, parece evidente que “cortar” investimentos tem sido uma das soluções encontradas por quem está no poder. Como demonstram diversos estudos e pesquisas, são sucessivas as diminuições dos investimentos do governo ao longo dos anos. São sucessivas as quedas nos investimentos em infraestrutura (telecomunicação, energia, saneamento e transporte) nos últimos 40 anos, tanto do setor público como do setor privado: enquanto na década de 70 do século passado eles chegavam a valores equivalentes a 6,3% do PIB brasileiro, mais recentemente, entre 2011 e 2016, foram apenas 2,2%. Lamentavelmente, apenas um terço do que se investia exatamente há 46 anos.
Estudos de Claudio Frischtak e João Mourão, elaborados em agosto deste ano para o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), no contexto do projeto “Desafios da Nação”, demonstram que, diante do estoque de infraestrutura calculado em 2016, equivalente a 36,2% do PIB, o Brasil precisaria investir durante 20 anos o equivalente a 4,15% do PIB, isto é, mais do que o dobro dos investimentos observados no período entre 2001 e 2016, para alcançar um estoque equivalente a 60,4% do PIB, considerado como mínimo necessário para que se melhore o bem estar da população e se aumente a competitividade da economia brasileira. Ainda segundo esses estudos, os investimentos público e privado, especificamente em transportes (rodoviário, ferroviário, mobilidade urbana, aeroportos, portos e hidrovias), que representaram 2,36% do PIB brasileiro na década de 70, entre 2011 e 2016 alcançaram somente 0,85% do PIB. Resumo do estudo: “estamos muito distantes de uma infraestrutura que poderia ser considerada como aceitável para o país”.
Como consequência, pesquisas divulgadas por respeitados órgãos nacionais e internacionais apenas constatam nosso baixo desempenho em índices que avaliam a competitividade, a infraestrutura geral ou de transportes, a performance logística ou simplesmente a qualidade de estradas ou portos, quando se compara o Brasil a outros países. Ineficiência governamental, baixa confiança nas instituições brasileiras, desequilíbrio nas contas públicas, baixa capacidade de inovação e baixo índice de qualidade na educação, são outros itens nos quais o posicionamento brasileiro é mais do que sofrível. Dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), divulgados no Anuário CNT do Transporte 2018, dão conta de que, enquanto a frota brasileira aumentou 63,6% entre 2009 e 2017, com quase 100 milhões de veículos em circulação, a maior parte das rodovias pavimentadas é de pista simples (92,7%) e suas condições operacionais estão muito longe do que se exige: 61,8% das vias pavimentadas pesquisadas – federais e estaduais – apresentam problemas, sendo classificadas como regulares, ruins ou péssimas.
Explicável, portanto, o fato de o Brasil ocupar, segundo dados de 2016, com relação ao Índice de Desempenho em Logística (LPI, sigla para Logistics Performance Index), publicado pelo Banco Mundial, a 55ª posição dentre 160 países analisados. O LPI é montado com base na percepção de empresários e executivos entrevistados e os itens analisados, através de médias ponderadas, são:
Eficiência do processo de desembaraço (rapidez, simplicidade e previsibilidade do controle das fronteiras por parte das autoridades, incluindo as alfândegas);
Qualidade do comércio e infraestrutura relacionada com o transporte (portos, ferrovias, estradas e tecnologia de informação);
Facilidade para contratar o transporte com preços competitivos (disponibilidade de empresas transportadoras, concorrência, poder de barganha);
Competência e qualidade dos serviços logísticos (operadores de transporte, agentes de carga, despachantes);
Capacidade de rastreabilidade da carga;
Integridade de schedule (cumprimento dos prazos de entrega previstos).
De acordo com o Índice de Competitividade Mundial (IMD), elaborado pelo World Competitiveness Yearbook em parceria com a Fundação Dom Cabral, em 2016, o Brasil ocupa a 57ª posição entre os 61 países analisados! No item relativo à eficiência do governo, o Brasil ficou na penúltima posição. Outros itens que colaboraram com queda da competitividade brasileira foram baixa confiança nas instituições, desequilíbrio nas contas públicas, baixa capacidade de inovação e baixo índice de qualidade na educação.
Já no Global Competitiveness Index, do Fórum Econômico Mundial, também de 2016, com 138 países analisados, o Brasil ocupava a 81ª posição na avaliação geral. Demais posições: infraestrutura, 72ª, saúde e educação básica, 99ª, educação superior e treinamento, 84ª, inovação, 100ª.
Mas muito pior do que obter baixas “notas” são os efeitos negativos que esse desastroso desempenho representa, pois além de se transformar em um dos maiores componentes do “custo Brasil” e não propiciar os benefícios esperados, essa carência logística ainda impacta negativamente quase todas as atividades da economia. Exemplos:
“Estudo de Impacto da Facilitação de Comércio para a Indústria de Transformação no Brasil”, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre comércio exterior (base 2016) indica que os atrasos nos processos aduaneiros, relativos às importações, geram, em média, custos adicionais equivalentes a 14,2% nos preços dos produtos importados e 13% nas exportações;
CNI e Fundação Getulio Vargas FGV, em “Desafios à Competitividade das Exportações Brasileiras”, comprovam que o maior entrave para as exportações é o custo do transporte, que obtém nota 3,61 de um total de 5. Baixa disponibilidade e ineficiência dos portos (nota 2,53), situação das rodovias (2,46), baixa oferta de operadores logísticos e transportadoras (2,18), baixa oferta de terminais intermodais (2,08), baixa disponibilidade e ineficiência dos portos secos (2,03), baixa disponibilidade e ineficiência dos aeroportos (1,99), baixa oferta de hidrovias e portos fluviais (1,85) e situação das ferrovias (1,75), são outros entraves. Problemas institucionais e legais (2,72) e burocracia alfandegária e aduaneira (2,54) são outros itens também “bem posicionados”;
Estimativas da própria CNI indicam que a precariedade da infraestrutura brasileira faz com que aproximadamente US$ 1,5 bilhão em produtos manufaturados deixam de ser exportados para os países vizinhos da América do Sul. Esse estudo mostra, inclusive, que é a baixa competitividade do Brasil nas exportações para toda a América do Sul a responsável por esse desempenho negativo. Considerando as variáveis distância e tamanho dos mercados, o Brasil não explora seus verdadeiros potenciais de exportação. Ou seja, pode-se exportar para a América Latina muito mais do que tem sido. Exemplo: em 2014, segundo dados da CNI, só para a Argentina poderíamos ter vendido 7,5% mais;
Cálculos da CNT (Pesquisa CNT de Rodovias 2016) indicam que a má qualidade das rodovias brasileiras geram gastos adicionais médios de 24,9% com combustível, pneus e manutenção;
Alto índice no roubo de cargas: entre 1998 e 2017, segundo dados da CNT, foram registrados mais de 285 mil casos de roubo de cargas em rodovias de todo o Brasil, totalizando um prejuízo de R$ 16,3 bilhões. Dados da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística) de 2016, mostram que foram subtraídos, nas mais de 19 mil ocorrências, cerca de R$ 1,12 bilhão. Os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo concentram mais de 80% das ocorrências.
Contribuição exagerada do transporte nos índices de emissão de CO2, não só em função da matriz preponderantemente rodoviária, mas também pela idade da frota brasileira. Cerca de 97% do óleo diesel consumido no transporte provém do rodoviário: 39,2 milhões de m³ em 2017, segundo a CNT.
É óbvio que os custos maiores são aqueles relativos à vida de pessoas. Somente no ano passado, nas rodovias federais, foram contabilizados 58.716 acidentes com vítimas e 6.243 óbitos, segundo dados divulgados no Anuário CNT do Transporte 2018. Já os dados do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPvat) relativos ao ano de 2017 atestam 41.150 indenizações por morte e mais 284.190 por invalidez. Este é, sem dúvida, o maior de todos os custos.
Portanto, mais particularmente no campo da logística, há que se considerar a necessidade da retomada dos investimentos em infraestrutura de transportes, de estímulo à multimodalidade, de melhor equilíbrio dos diversos modais de movimentação e da inovação do setor, com políticas que combatam o desperdício e preservem o meio ambiente, notadamente aquelas que contribuam para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Investimentos que aumentem, em termos físicos, a infraestrutura logística, bem como sua produtividade, pois é preciso atender o crescimento da demanda por bens econômicos e serviços e incorporar as novas regiões e os novos mercados, agora inseridos mais efetivamente na economia.
E se há claro esgotamento das fontes de financiamento público, a alternativa é recorrer ao investimento privado, como constatam Frischtak e Mourão, em trabalho aqui já citado, posto que em infraestrutura o estado brasileiro e suas empresas investiram, no ano de 2016, o equivalente a 0,9% do PIB, enquanto o setor privado investiu em torno de 1,05%. Como será preciso, no mínimo, 4% do PIB, como já comentado anteriormente, o esforço adicional “será necessariamente do setor privado, dado o esgotamento fiscal do Estado”.
Mas, para isso, algumas providências são necessárias, pois “sem dinheiro o primeiro (investimento do Estado) não ocorre e sem atratividade o segundo (investimento do setor privado) também não surgirá. E lá vamos nós abrindo mão de um caminho claro para retomar o crescimento”, escreveu o economista Raul Velloso no Estadão, em “Como expandir a infraestrutura”, em 12 de julho de 2018.
Há que se constatar, como é óbvio supor, que as incertezas na política e na economia atuais inibem a realização de investimentos privados, nacionais ou estrangeiros e em todos os setores, notadamente naqueles cujos retornos se dão no longo prazo, uma vez que não há confiança suficiente para isso. Apenas como ilustração, dados do Banco Central dão conta de que no primeiro semestre deste ano o Brasil obteve o menor investimento estrangeiro direto depois de oito anos: cerca de US$ 30 bilhões em 2018 contra os US$ 27 bilhões de 2010.
Consequentemente, os programas de privatização, via concessões, novos leilões e/ou prorrogações contratuais (com processos de contínuo aperfeiçoamento), passam a ter significativa importância para o Brasil. Não só aqueles já previstos, mas outros que poderão ser estudados e implantados no futuro, pois além de tudo a participação do setor privado também libera caixa e esforços do governo. E na medida em que o governo abre mão de determinadas atividades e as transfere, com controle, para o setor privado – geralmente com maior produtividade – ele tem melhores condições para focar suas principais atribuições, tais como segurança, saúde e educação. Vale, aqui, reproduzir parte do Editorial do Estadão do dia 25 de agosto de 2017, intitulado “Uma chance de recomeçar”:
“No Brasil, além de racionalidade e eficiência econômica e administrativa, outros motivos justificam a privatização: despolitizar e desaparelhar a gestão pública que, como se sabe, tem sido ineficiente, ideológica e corrupta: estrategicamente obsoleta, politicamente loteada e economicamente ineficiente. A pilhagem e a bandalheira nos contratos e o desperdício, em projetos mal feitos, mal avaliados ou de má-fé, geram perdas econômicas e sociais incalculáveis. É o atraso”.
Livre de desnecessárias discussões ideológicas que nada têm a ver com a realidade do mundo atual, mantidas as mínimas condições de competitividade (isonomia e transparência), assegurados retornos econômicos compatíveis com os riscos pertinentes, mantidas as estabilidades jurídica, política e econômica e estabelecidos os marcos legais, regulatórios e de controle necessários, haverá, sem qualquer dúvida, clima de confiança para atrair os investimentos privados, nacionais ou estrangeiros, de que tanto necessita o Brasil.
Além de defender o Estado de Direito, a Democracia Representativa, o respeito à Constituição e a Economia de Mercado, objetivos centrais de qualquer governo e, no caso brasileiro, compromissos indiscutíveis e inegociáveis, é preciso tomar providências para a retomada do crescimento econômico, condição imprescindível para a geração de empregos, de rendas e a consequente diminuição da desigualdade social.