São diversos os motivos pelos quais o Brasil tem uma logística deficiente e cara. Todas as pesquisas a respeito, nacionais ou internacionais, realizadas por órgãos de pesquisas independentes ou oficiais, universidades ou escritórios especializados, indicam que o país conta com uma logística muito aquém de suas reais necessidades. E muito inferior à tudo aquilo que se encontra na maioria dos países emergentes e desenvolvidos. O Brasil, em 2017, ocupou a 55ª posição entre 155 países avaliados em desempenho logístico (LPI - Logistics Performance Index) pelo Banco Mundial.
Com relação especificamente ao custo dessa logística (que inclui transporte, estoque, armazenagem e administração), e segundo estudos do ILOS (Instituto de Logística), em 2004 ele representava 12,1% do PIB brasileiro, sendo o transporte, sozinho, responsável por 7,5%. Em 2016 o custo logístico representou 12% do PIB e o transporte 6,6%. Quedas, portanto.
Também são diversos os motivos pelos quais se constata que o Brasil tenha um transporte de cargas – 56% dos custos logísticos em 2016, ainda segundo dados do ILOS – caro e que é realizado em condições discutíveis, sobre os pontos de vista da qualidade e da pontualidade. E que desse transporte de cargas, 63% sejam realizados pelo modal rodoviário, quando comparamos a participação de cada um dos demais modais (rodoviário, ferroviário, aquaviário, aéreo e dutoviário) por tonelada de quilômetro útil (TKU).
Um dos motivos, sem dúvida, é a falta de investimentos nesse setor, conforme demonstram as estatísticas oficiais e outros estudos feitos a respeito. Apenas um exemplo: estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) constataram que as quedas das taxas de investimentos em transporte (todos os modais) foram regra dos últimos anos e muito significativas: de 2,36% do PIB na década de setenta e entre os anos de 2011 e 2015, em 2016 esse percentual foi de apenas 0,85% do PIB.
Também não faltam motivos para se explicar porque o Brasil tem uma matriz de transporte dependente do rodoviário (63% do total em tku). Nos EUA, por exemplo, o transporte rodoviário representa cerca de 30% do total, no Canada, 43%, na Rússia, 8% e na Índia, 50%. O aquaviário nos EUA é equivalente a 24%, enquanto no Brasil é de apenas 13%. O ferroviário na Rússia é 81%, enquanto no Brasil é de apenas 21%.
Embora possa haver alguma discrepância entre essas estatísticas, muito mais por causa dos critérios, metodologias ou períodos de análise, do que erros de interpretação, o fato é que o Brasil conta com uma matriz de transporte dependente exageradamente do rodoviário. Observação importante: mesmo assim, o Brasil ainda é carente nesse modal, posto que, quando comparamos o quanto de estradas asfaltadas se tem por área territorial (km de estradas asfaltadas por 1000 km² de território), o país também deixa a desejar: enquanto o Brasil tem cerca de 186 km de estradas asfaltadas por 1000 km² de extensão territorial, o Japão tem mais de 3,2 mil, a França, mais de 1,8 mil, a Espanha supera os 1,3 mil, a Índia mais de 1 mil, os EUA, quase 700 e a China cerca de 400 km (dados do Anuário Exame de Infraestrutura).
Também são fartas as explicações para que o transporte rodoviário de cargas seja ineficiente e, em alguns momentos, caro se comparado com outros países. A ineficiência se dá por diversos motivos, dos quais me permito listar alguns:
- Qualidade de nossas estradas (pesquisas da CNT indicam isso claramente – na pesquisa de 2014, por exemplo, das estradas asfaltadas, apenas 38% eram consideradas como ótimas ou boas, enquanto 24% eram classificadas com ruins ou péssimas. E, atenção, apenas 13% a 15% das estradas são asfaltadas! E aqui, também são diversos os motivos: falta de manutenção, erros de projeto e de construção; utilização de material discutível; falta de locais de apoio a motoristas enquanto em viagens, etc.
- Altíssimos índices no roubo de cargas e de acidentes que geram, consequentemente, prejuízos diretos e a necessidade de se gastar muito com gerenciamento de riscos e seguro;
- Pressão de parte das transportadoras e/ou embarcadores para que se cumpram prazos, às vezes, impossíveis de serem atendidos e que, muitas vezes, aumentam os índices de acidentes;
- Perdas desnecessárias de tempo no carregamento ou no descarregamento das mercadorias, em virtude, dentre outros motivos, pela falta de espaços para armazenagem ou de disponibilidade de equipamentos de carga e descarga; etc.;
- Custos e perdas desnecessárias de tempo nas operações, nacionais e internacionais, em função do excesso de burocracia documental, seja para se obter autorizações especiais, no território nacional ou estrangeiro (principalmente para cruzar fronteiras terrestres) ou para transportar determinados produtos;
- O exagerado número de órgãos intervenientes (e onde ‘todos mandam’) para realizar as atividades de transporte, também contribuem para que a burocracia e os custos aumentem. Os movimentos grevistas dos auditores da receita, do fisco ou das aduanas, aliás, como a atual, quando estão trabalhando na chamada “operação padrão”, também aumentam os custos operacionais, na medida em que fazem as viagens durarem muito mais tempo do que o necessário;
- Motoristas, pelo menos uma parte deles que, tomam remédios (o chamado “rebite”) para se manterem acordados e que, em muitos dos casos, fazem-nos dirigir imprudentemente. E outros que dirigem sempre, de forma imprudente;
- Frota demasiadamente velha e em condições precárias (dados recentíssimos da ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre, indicam que a idade média da frota total (equipamentos com tração própria, reboques e semirreboques) é de 12,6 anos, sendo que a frota “nas mãos” de motoristas autônomos, que representa 37,3% do total, tem idade média de 16,4 anos de idade);
A ANTT registra atualmente, 1,8 milhão de equipamentos, dos quais cerca de 65% são de veículos com tração e os 35% restantes são reboques ou semirreboques, isto é, dependem de estar acoplados aos veículos com tração. Da frota com tração, os autônomos tem cerca de 80%, ainda segundo os dados da ANTT.
As empresas de transporte, operadores logísticos e embarcadores, por sua vez, e ao longo do tempo, para diminuírem seus custos fixos (equipamentos e motoristas na folha de pagamento) e ficarem menos vulneráveis às oscilações de mercado e da sazonalidade, começaram a utilizar, cada vez mais e sempre que possível, os motoristas autônomos em suas operações. Em muitos casos contratando os autônomos e todos os seus equipamentos de transporte, fossem eles com tração ou sem tração. Em outros casos, essas empresas contratam os autônomos mas apenas com seus cavalos-mecânicos (equipamento com tração que “puxa” uma carreta - reboque ou semirreboque), colocando à disposição dos autônomos suas próprias carretas. Até porque em muitas operações há a necessidade de se utilizar carretas especiais, em operações específicas e que só podem ser utilizadas nessas operações. Isso explica porque nas mãos das empresas, estão 77% da quantidade total de equipamentos sem tração e apenas 23% nas mãos dos autônomos.
Há que se ressaltar, também, que há outros motivos para que se “terceirizasse” o transporte de cargas. Um deles, sem dúvida, é a alta produtividade da frota de autônomos quando comparado com a frota na mão das empresas que contratam motoristas como empregados, via CLT. Quem estuda ou trabalha no setor sabe bem quais as diferenças entre um e outro. Aliás, foi essa alta produtividade do autônomo que deu, ao transporte rodoviário de cargas, seu merecido lugar de destaque. Para algumas atividades, setores ou regiões, e até por falta de outros modais, o transporte rodoviário de cargas tornou-se imbatível. “Sem caminhão o País para”, já dizia antigo lema publicitário do setor. Quase tudo dependia do transporte rodoviário de cargas.
Enquanto os volumes transportados eram suficientes para toda a frota disponível (de autônomos e empresas) e todos “rodavam” com cargas, as reclamações eram pontuais, ficavam menos intensas e por conta de alguns setores mais afetados. E quando os custos aumentavam (quaisquer um deles), a alternativa era sempre repassar os custos para o contratante, através do aumento do preço do frete. Como a demanda era maior que a oferta, esses problemas não eram devidamente percebidos ou, no mínimo, reconhecidos como problemas.
Porém, como é de se presumir, na medida em que os volumes de cargas para transporte vão diminuindo, as empresas, sempre que possível e como primeira providência, deixam de utilizar os autônomos e privilegiam a frota própria. Até certo ponto, uma medida administrativa aceitável. A ociosidade e todos os custos fixos decorrentes, portanto, ficam apenas nas contas dos autônomos. Até onde puder. Tudo se modifica, entretanto, quando essa ociosidade e seus custos fixos correspondentes começam a afetar também as empresas. A recessão brasileira chegou nesse ponto e a crise econômica dos últimos anos somente piorou o que já estava ruim. Não mais se consegue transferir custos para o contratante, seja ele empresa de transporte ou embarcador.
Segundo estudos realizados pelo ILOS, em 2017 foram movimentadas 1.636 bilhões de toneladas por quilômetro útil (TKUs) em todos os modais, ou seja, foram movimentados 2,7% menos do que 2014. No modal rodoviário, essa queda foi ainda maior: - 9,7% entre 2017 (1.021 bilhões de tku’s) e 2014 (1.130 bilhões de tku’s). Apenas como exemplo, o transporte de automóveis ‘zero quilômetro’, conhecido como “cegonheiro”, em 2013, com a mesma frota atual, transportou cerca de 3,7 milhões de automóveis. Em 2017, com essa mesma frota, o total transportado foi 40% menor, quando foram produzidos, no Brasil, aproximadamente 2,2 milhões de automóveis! O mesmo ocorreu com aqueles que transportam peças para a fabricação de automóveis. Se as empresas de transporte tiveram problemas, posto que elas tem diversos custos fixos atrelados às operações (equipamentos de movimentação, pátios, estrutura etc), imaginem o que acontece com os autônomos, que tem, como principal e maior custo fixo o seu próprio caminhão. Em algum momento eles precisariam “gritar”.
Além dessas características próprias do setor de transporte de cargas, os custos também são pressionados pelas variações dos preços de seus insumos, tais como mão-de-obra (salário e encargos do motorista empregado via CLT ou remuneração do profissional autônomo), combustível, pneus, custos de aquisição dos equipamentos de transporte, depreciação, manutenção, seguros, pedágios e documentações e licenças diversas.
Com relação ao diesel, principal combustível do setor de transporte rodoviário de cargas, vale à pena ressaltar alguns pontos. Entre 2001 e 2018 o preço médio do barril do petróleo (Brent) variou, em dólar, mais de 212% (US$ 24,00 foi o preço médio de 2001 e US$ 74,91 foi a média deste ano considerando cotações até o dia 24, segundo dados do ILOS e da AbacusLiquid.com). Nesse mesmo período o valor do dólar, com relação ao real, variou 48,3%, saindo de R$ 2,473 para R$ 3,668, de acordo com tabela do BCB. Portanto, e apenas sintetizando, o valor de um barril de petróleo, adquirido pelo Brasil, teve aumento nesse período de 363%. Enquanto isso, o valor do óleo diesel, na bomba dos postos de combustível, variou, nesse mesmo período, 334%, saindo de R$ 0,890/litro, na média de 2001, para R$ 3,863/litro na média entre os dias 20 a 25 de maio deste ano. O preço do diesel no Brasil, portanto, mesmo considerando os preços atuais, está reajustado em percentual abaixo daquele observado no barril de petróleo importado pelo Brasil. Outra informação importante é que, em dólar, a média mundial do preço do litro do óleo diesel é de US$ 1,07. Considerando o dólar atual, de R$ 3,6683, o valor médio do litro do óleo diesel no Brasil o valor é de US$ 1,05, isto é, 1,87% abaixo da média mundial. O Estadão de hoje, utilizando-se das mesmas fontes, mas fazendo essa comparação com o preço do litro do óleo do diesel do dia 21 de maio (R$ 3,595 ao invés dos R$ 3,863 utilizados por mim), mostra que o preço do óleo diesel brasileiro, em dólar, é de US$ 0,98, isto é, 8,41% abaixo da média mundial. Apenas como ilustração e para exemplificar, nosso óleo diesel tem preço menor do que, entre outros países, Noruega, Suécia, Reino Unido, França, Itália, Portugal, Alemanha, Espanha, Coréia do Sul, Uruguai, África do Sul, Japão, Austrália, China e Canadá, segundo dados do último dia 21 (antes dos impactos da greve, portanto) da Global Petrol/Prices.com. Segundo o IBGE, no último ano, em face das variações do dólar e do preço internacional do preço do barril de petróleo, enquanto o Brasil aumentou o preço do seu óleo diesel em 15,5%, o Canadá aumentou 21,5%, o Chile em 23,2% e os EUA em 28,1%.
Não é por outro motivo que, segundo o ILOS, a participação do diesel, no transporte rodoviário de cargas, que era de 35,7% em 2006, passasse para 26,2% em 2016. Pedro Parente, embora tivesse tomado posse no dia primeiro de junho de 2016, somente a partir do dia 30 de junho de 2017 implantou a nova política de preços para combustíveis, na qual definiu-se a possibilidade de variações diárias dos preços, como forma de se acompanhar o mercado internacional. De acordo com publicações da Petrobrás, nota-se direta proporcionalidade quando se analisam as evoluções – para cima ou para baixo - dos preços do Petróleo Brent, no mercado internacional, e do litro do Diesel no mercado brasileiro.
Não há dúvida. A vida de caminhoneiro é dura e difícil. Mas como é de todo o brasileiro. Não é à toa que o Brasil tem, hoje, 27,7 milhões de pessoas sem emprego, no conceito de força de trabalho subutilizada (13,7 milhões de desempregados mais 14 milhões de pessoas que gostariam de trabalho mais e até os que desistiram de procurar emprego) utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse número, relativo ao primeiro trimestre de 2018, é o maior desde 2012, quando foi iniciado esse tipo de pesquisa. Êta vida sacrificada essa do brasileiro, caminhoneiro ou não!
De fato e com toda a certeza, o Brasil precisa melhorar muito e em quase todas as diversas atividades que caracterizam a vida em sociedade, que possui, principalmente no caso do Brasil, um conjunto de normas e procedimentos confusos e conflitantes que, ao longo de nossa história, foram sobrepostos sem análises mais criteriosas. A incompetência, as mazelas, os roubos, a corrupção, a imoralidade, a falta de ética, o descaso, a desfaçatez e tudo o mais, são algumas das características que imperam no cenário brasileiro e, não tenho dúvida, muito mais na classe que dirige este País. Grande parte dos políticos, sejam eles dos poderes legislativo, judiciário ou executivo, parte considerável de empresários, líderes sindicais, imprensa, intelectuais e até da igreja, tem feito o que querem com o Brasil e pouco se importam com os reais problemas brasileiros. Escrevi sobre isso diversas vezes.
O transporte rodoviário de cargas é mais um dos setores que sofre com a “desorganização total” que tomou conta do País. E agora, quando e Estado brasileiro não mais consegue “cobrir” essas ineficiências com dinheiro público, começou a cobrar. Com razão e de forma veemente.
É óbvio que a culpa pela “desgraça” em que vive o transporte rodoviário de cargas – e tudo o mais no Brasil - não é do Temer, embora ela tenha contribuído, e muito, para isso. O problema existe há décadas e é fruto da incompetência, inação, desconhecimento e até de má-fé da classe dirigente brasileira que, ao setor, jamais deu a devida importância.
Embora o discurso de combate à carestia seja justo, em qualquer momento, é preciso fazer um diagnóstico correto da atual situação. Apenas seis pequenos exemplos. Primeiro sobre a reivindicação – hoje aceita pelo governo - para que não se “reonere” a folha de pagamento das empresas de transporte de cargas, conforme estava nos planos do Ministério da Fazenda, para, entre outras providências, fazer frente aos déficits públicos constantes. Duas observações a esse respeito: 1ª) a desoneração da folha, desde que foi implementada pela presidente Dilma, é um benefício para as empresas de transportes e não para os motoristas autônomos; 2ª) não se percebeu, em todo o tempo em que esse benefício tenha proporcionado qualquer desconto no frete cobrado dos embarcadores ou repassado para melhoria dos fretes cobrados pelos autônomos.
O segundo exemplo é relativo ao fim da cobrança de pedágios. Reivindicação discutível, posto que, quem trabalha no setor, sabe que é preferível pagar pedágio e andar em estradas boas do que não pagar nada e perder muito mais ao transitar em estradas de baixa qualidade. Apenas como ilustração, pesquisas da CNT mostram que, rodovias públicas consideradas como ótima ou boa representam apenas 29,3% do total, enquanto 28,6% são consideradas ruins ou péssimas. Já pelo lado das estradas privadas, 74,1% são ótimas e boas e apenas 4,1% são ruins e péssimas. Deve-se discutir, sim, se os valores cobrados são exorbitantes ou não. E considerar um outro ponto: desde 2001, quando se instituiu o Vale-Pedágio (Lei nº 10209), os custos do pedágio, nas movimentações de mercadorias (caminhões carregados) deveriam ser dos embarcadores. É válido, porém, que não se pague pedágio sobre eixos de carretas que estão suspensos quando voltam vazios.
O terceiro exemplo, cuja reivindicação também foi atendida, é o da obrigação da Conab (Companhia de Abastecimento) de contratar os “autônomos” para realizarem até 30% do transporte rodoviário de cargas relativos às suas operações, dispensando-se, inclusive, procedimento licitatório. Reserva de mercado? Será que os desempregados no Brasil também terão direito a obterem, sem processos de seleção e avaliação, 30% das vagas existentes no serviço público?
O quarto exemplo diz respeito à Medida Provisória que irá estabelecer a Tabela de Preço Mínimo de Fretes, a ser publicada periodicamente pela ANTT. É óbvio que essa interferência nos preços – mais uma - é, até certo ponto, um “volta para traz” no relacionamento comercial entre vendedores e compradores de fretes. Muitos erros poderão ser cometidos ao se estabelecer um valor mínimo para o frete quando não se consideram a sazonalidade do mercado ou as diferenças existentes entre mercadorias ou regiões. Evidente que já há setores tomadores de fretes que estão reclamando.
O quinto exemplo, além me causa estranheza e serve para reflexão. Segundo a Fecombustíveis, na composição do preço do óleo diesel, incidem 27% de impostos, sendo 1% da CIDE, 12% do PIS/Cofins e 14% do ICMS. O governo federal, pressionado e fraco, fez propostas que, como já dito, beiram a irresponsabilidade, entre elas a fiscal, na medida em que acaba com a CIDE e zera o PIS/Cofins do óleo diesel. Mas os governos estaduais, arrecadadores do ICMS – maior percentual tributário na composição do preço do óleo diesel, 14% - não se pronunciaram e tampouco foram “cobrados” pelos manifestantes. Quero ressaltar que não estou defendendo o governo Temer, muito pelo contrário, pois sempre fui muito crítico à ele. Apenas para ilustrar, no dia 29/11/2016, em artigo específico, critiquei o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por não punir e cassar a chapa Dilma / Temer (“Pode custar ainda mais caro para o Brasil, o desserviço prestado pelo TSE”). Esse “caro” chegou.
O último exemplo é quanto a reclamação que se faz sobre os reajustes diários. De fato, isso dificulta o planejamento de qualquer um. Mas o que se pergunta é se isso não é uma prática comum, nas economias capitalistas, ocorrendo em todos os setores. Em grande parte dos países desenvolvidos, da América do Norte ou da Europa, os preços dos combustíveis são definidos pelas empresas de petróleo e variam sempre que necessário, inclusive diariamente. Isso não é segredo e faz parte dos procedimentos estratégicos dessas empresas. Talvez, sob o ponto de vista político, não foi o momento certo. Trigo mais caro no mercado internacional, posto que o Brasil importa muito, aumenta automaticamente o preço do pãozinho. A alteração do dólar, aumenta automaticamente todos os preços dos produtos ou insumos importados. Até as viagens internacionais, ficam mais caras de uma dia para outro. Chuvas aumentam, de um dia para outro, o valor do chuchu ou do tomate. Falta de qualquer produto, aumenta seu preço de um momento para outro. Aliás, como fizeram centenas de postos de gasolina neste momento de falta de combustível. E muita gente, inclusive apoiadores do movimento dos caminhoneiros, não se importou em ficar uma ou duas horas na fila, para comprar gasolina mais cara. Muito mais cara!
Imaginem quais são as dificuldades de uma empresa como a Petrobrás (da qual todos os brasileiros são sócios) que, Três observações adicionais a respeito da Petrobrás e a nova política de preços: 1ª) Segundo a U.S. Energy Information Administration, embora o Brasil seja o 9º ou 10º maior produtor de petróleo em todo o mundo, é preciso importar petróleo (ele tem qualidades diferentes de outros e, por ser mais ‘pesado’, dificulta e encarece o refino para a produção de combustíveis) e gasolina (nossa capacidade para a transformação de petróleo em combustível é limitada e não atende toda a demanda); 2ª) A partir do “alinhamento” do preço da Petrobrás aos preços internacionais – sem interferência política – a concorrência aumentou, fazendo com que as demais distribuidoras (Raízen e Ipiranga) busquem alternativas, inclusive no mercado exterior; 3ª) Além de precisar se recuperar dos estragos feitos pelos últimos governos a empresa ainda precisa comprar insumos mais caros, em dólar, e ter que pagar com reais mais desvalorizados. Não está fácil.
Diante da possibilidade de que a Petrobrás volte a ser usada de forma populista e política, somente no último dia 24 as ações PN recuaram 13,71% e as ON 14,55%. Em valor de mercado, somente nesse dia, a Petrobrás perdeu mais de R$ 47 bilhões. O governo tem 50,26% das ações com direito à voto. O percentual restante está nas mãos de acionistas.
É preciso reconhecer que a nova administração da Petrobrás fez um trabalho correto e a recuperou. O comentário de que a Petrobrás, com ações na bolsa de valores e milhares de acionistas, deva exercer política econômica, é um erro. Ou ela é totalmente estatizada e passa a ser instrumento de política econômica e todos os brasileiros, através dos impostos, custeiam suas atividades, ou é uma empresa privada e vai atrás do lucro, mesmo com as limitações que possam ser impostas pelas agências reguladoras.
O erro, com a Petrobrás, foi cometido pelo governo anterior que, quase levando-a à falência (pela corrupção e por uma política equivocada), impossibilitou-a de realizar investimentos importantes e comprometeu seu futuro. A administração da Petrobrás é realizada pelo poder público e quando os prejuízos da empresa são oriundos de má administração, inclusive para uso político ou corrupção, tem que ser cobertos com dinheiro do Tesouro Nacional. Ou seja, dinheiro retirado do governo que, como se sabe, convive há alguns anos com déficits enormes e não tem recursos para fazer o mínimo que lhe é de competência. Ainda no último domingo, o senhor Michel Temer, ao fazer acordo com as lideranças (?) grevistas, garantiu que a Petrobrás não terá prejuízos, pois toda a diferença entre o real preço dos combustíveis e aquele que será vendido na “bomba”, será coberto pelo Tesouro Nacional. Esse custo está estimado, para apenas 60 dias, em cerca de R$ 13,5 bilhões. Portanto, benefício para caminhoneiros com custo para toda a sociedade brasileira. Está mais do que claro que corporações organizadas, de um jeito ou de outro, conseguem obter benefícios à custa de toda a sociedade brasileira.
Juntamente com o recorde de desempregados (e subutilizados), o déficit das contas públicas se transformou em um dos maiores problemas do Brasil atual. Esses benefícios implicarão em maiores rombos fiscais, a menos que se criem outras receitas através de outros e novos impostos. A pergunta seguinte é saber de qual ou de quais segmentos da atividade econômica, deverão vir esses sacrifícios.
É por isso que, por mais justa que sejam as reivindicações de motoristas autônomos, fica difícil entender por que esta greve, dentre tantas outras do setor e, como já dito, com características que me causam estranheza, está tendo ‘tanto sucesso e apoiada por tanta gente’. Talvez ela expresse, de fato, o real sentimento da maioria da população brasileira atual que se cansou de tudo e está deixando de acreditar na própria Democracia. Aliás, como demonstram as pesquisas a respeito em todo o mundo.
Parece-me que o movimento dos caminhoneiros foi iniciado reivindicando diminuição dos preços do óleo diesel. Mas, daí para a frente transformou-se em algo não esperado. Mais ou menos como em 2013 quando começaram as manifestações contra o preço do transporte urbano.
Prova disso é que o governo, perdido, mesmo fazendo todo o tipo de propostas para finalização do movimento, inclusive acabar com a CIDE, zerar os impostos federais (Pis e Cofins) e dar descontos diretos no preço do diesel, não conseguiu suspender a greve. Que, parece, cada vez mais forte. Ainda no último dia 28, no Estadão, a jornalista Cida Damasco reporta conversas trocadas por caminhoneiros, via WhatsApp, que querem manter o movimento paredista. Exemplos: ‘Não vamos sair’, ‘É guerra’, ‘Não quero mais saber de imposto, quero todo o governo fora’ e ‘Não podemos parar, eles viram a força que temos’. Segundo a jornalista, “alguns acreditam que se conseguirem manter a paralisação por mais tempo, o governo atual será obrigado a renunciar; outros vão além: querem derrubar os Três Poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo)”. É, parece que os motoristas acreditam poder mudar o rumo do país e, mesmo com objetivos e entendimentos diferentes, a maioria acredita que as forças armadas são suas aliadas e que a intervenção militar é a única solução.
O governo atual é refém desse movimento que o chantageou desde o começo e isso possibilita que todos se aproveitem do momento: o ex-presidente, agora presidiário Lula, deverá manter sua posição de candidato à presidência; outros setores também poderão reivindicar sabe-se lá o que (está fácil) e aqueles que sempre se apropriaram da empresa se postarão cada vez mais contra a privatização da Petrobrás e outras empresas estatais.
O Congresso Nacional? Os candidatos à presidência da República? Oportunistas como sempre. Todos atacam o governo mas não apresentam qualquer plano coerente para o futuro. Apoiar movimentos grevistas que utilizam discursos fáceis e criticar governos ruins, como o atual, é um caminho, mas é preciso dizer, como clareza, para onde deveremos ir.
Em tempos de festas juninas, todos gostamos de colocar mais lenha na fogueira. Os adultos (organizadores e responsáveis pelas festas) colocam mais lenha por diversos motivos: alguns para aquecer o ambiente, outros para iluminá-lo, outros para assar sua própria batata e outros querendo botar fogo em tudo. E todos tem discursos apropriados para essa ocasião, pois quem não quer ouvir, no inverno, que terá um ambiente mais quente, ou mais iluminado e ainda com batata como alimento? Apenas não fazem discursos aqueles que querem botar fogo em tudo pois, embora mais atuantes, não podem externar seus motivos ‘obscuros’. Por outro lado as crianças (sempre inocentes mas inconsequentes com relação aos riscos do fogo), não só colocam mais lenha, como ainda ajudam indo busca-la. Mas elas, sem dúvida, queriam copiar os adultos e brincar. Queriam se divertir.
Talvez, no início, os caminhoneiros estivessem no grupo daqueles que querem assar suas próprias batatas, mas sem se importar com os demais (é o que se viu na pauta de reivindicações: nenhum pedido que ajudasse, de fato, o “povo brasileiro”, tão utilizado por eles em seus discursos). Mas como eles só precisam das brasas, mexem na fogueira, bagunçam e desorganizam ainda mais. E fazem isso às custos dos outros, pois ao espalhar a fogueira, diminuem o calor e a intensidade do fogo. Mas a beleza da fogueira, e os discursos convenientes, fazem a fogueira aumentar, pois cada um com seu particular interesse, colocavam mais lenha. Adesão e concordância, pois festa junina, sem fogueira, não é festa junina.
E todos, sem se darem conta, não percebem que aqueles que estão querendo botar fogo em tudo, continuavam enganando as crianças e colocando mais lenha. Quase todos cegos, diante de tanta claridade e calor, ficava cada vez mais difícil entender o que ocorria, ou pior, controlar o fogo que já era bastante alto.
Não sei se o fogo se alastrará ou se haverá tempo para mantê-lo sob controle, mas deixar de alimentá-lo com mais madeira é o primeiro passo. E se o fogo ficar incontrolável, como querem muitos, seja por inocência, ignorância ou má-fé, a festa junina terá que acabar. A reconstrução, depois disso será extremamente difícil, pois muita madeira deve ter sido queimada, assim como muitas pessoas. Infelizmente, em alguns casos, irremediavelmente.
Não sei se há outra forma fora da Democracia para resolver esse ‘imbrólio’. Mas não acredito que seja ‘tacando fogo’ em tudo. Mas se houver uma forma, gostaria de ouvir.
Parafraseando Sócrates – o filósofo – “sei que nada sei”, mas uma crença eu tenho: este não é o caminho, por mais que ele nos ajude a entender o momento atual e nos alerte sobre os perigos de uma fogueira sem controle.
Minha crença é na Democracia. A menos que Deus se disponha a ser o ditador do Brasil.