Nossa classe dirigente, por ignorância, conveniência, má fé, burrice ou tudo isso junto, ainda não se deu conta da gravidade do momento e está de “costas” para o País, preocupando-se, apenas, com as novas eleições e a manutenção de seus privilégios, principalmente, o ‘foro privilegiado’. Stephen Kanitz, no prefácio do livro “Por que o Brasil é um País atrasado?”, escrito por Luiz Philippe de Orleans e Bragança (2017 – Editora Novo Conceito), deixa claro: “Chegamos ao momento atual em que fica óbvio que nossos governantes não nos protegem. Nem sequer nos representam: eles nos espoliam”.
O combate à Lava Jato, com certeza o único assunto no qual há convergência de interesses e de posicionamento, continuará nas agendas desse pessoal e, consequentemente, se pouco tempo já era disponibilizado para a discussão dos verdadeiros problemas do Brasil, agora muito menos haverá. A única exceção será com relação à copa do mundo de futebol, que merecerá, sem quaisquer dúvidas, atenção de todos, inclusive da mídia.
Está cada vez mais difícil, portanto, ouvir o noticiário diário, ruim em quase tudo que diz respeito ao Brasil. A evolução dos fatos e o noticiário não nos deixa respirar e, por incrível que possa parecer, tudo tem piorado, apesar de muitos pareceres contrários. Como salientado em meu último artigo, esta situação, bastante ‘assustadora’, já chegou ao caos.
Mesmo considerando que alguns índices da economia estejam melhorando, a incerteza na política vem gerando mais dúvidas do que certezas. E como dito por Keynes, quadros de grandes incertezas (tanto faz se políticas, econômicas ou jurídicas) fazem com que os agentes econômicos as incorporem em suas decisões econômicas (e nos preços!).
Vejamos apenas algumas dessas “pioras”: (a) a reforma da Previdência (transformada em panaceia pelo governo e por parte da imprensa, embora imprescindível) dificilmente será aprovada neste ano e, se for, será em condições muito ruins, uma vez que ela foi (e ainda será) alterada para ‘pior’; (b) o governo libera gastos, distribui recursos e outras benesses, dificultando ainda mais o ajuste fiscal; (c) Congresso e Justiça, quase que por ‘vingança’, inibem quaisquer tipos de reformas e agravam o cumprimento do orçamento. Exemplo: proibição, por parte do STF, da suspensão de reajuste do salário do servidor público, que fazia parte do ajuste proposto pelo governo; (d) o próprio governo, frente talvez a um dos maiores problemas do País, o desemprego, nomeia (e ainda insiste!) uma deputada que, conhecida apenas por ser filha do presidente de um partido político, não participou ou se envolveu, pelo menos que se saiba, de qualquer tema importante da vida política do País, em toda a sua ‘trajetória política’; (e) embora tenha melhorado, a poupança brasileira – 14,4% do PIB em 2017 – ainda será um grande obstáculo para a retomada vigorosa dos investimentos. Como dito pelo ex-presidente do BCB, Affonso C. Pastore: “sair da recessão é fácil. Difícil é o aumento persistente da taxa de crescimento, que depende da taxa de investimentos e da produtividade do trabalho”; (f) o déficit primário não será zerado antes de 2020; (g) a dívida bruta, consequência da total perda de controle por parte do governo federal, ficará próxima dos 80% do PIB (76% em 2018 e 78,4% em 2019. Agências de riscos consideram que 80% do PIB seria o limite máximo para que governos se caracterizem como sustentáveis); (h) o julgamento do ex-presidente Lula, transformado em um jogo entre Corínthians e Palmeiras, deu lugar à paixão e ao fanatismo, ao invés da racionalidade e da justiça.
Com relação às contas públicas e à dívida bruta do governo, vale à pena relembrar que, caso o processo que busca o equilíbrio fiscal seja interrompido, por quais motivos forem, a inflação poderá voltar, o processo de queda do juro poderá ser estancado, voltará o clima de desconfiança (a agência de risco Standard & Poor's - S&P - ao rebaixar a nota de crédito do Brasil comentou: "A falta de apoio substancial na classe política brasileira para fortalecer medidas fiscais mais rápidas enfatizam o quão importante será para o próximo presidente do país começar com um importante capital político e rapidamente passar medidas corretivas que tenham impacto". Citou, também, os possíveis impactos que a Lava Jato ainda poderá proporcionar) e uma certa instabilidade econômica poderá surgir, destruindo o pouco que se conseguiu até agora. E com desemprego ainda nas ‘alturas’, as pressões da sociedade só aumentarão.
Portanto, mesmo considerando que algumas reformas importantes foram realizadas, se o caminho para o Brasil sair da atual crise estava sendo construído com base na “habilidade política” de nosso presidente, que com autoridade deveria liderar um conjunto de projetos reformistas, podemos esperar grandes dificuldades. Quando não, impossibilidades.
Com um governo fraco e, salvo algumas exceções, composto por ministros incompetentes e ocupando suas cadeiras apenas por conveniências políticas, sem lideranças políticas capazes e comprometidas com a condução do processo de mudanças exigidas pelo Brasil atual, com a postura de indiferença com relação aos principais problemas do País, das corporações representativas do funcionalismo público, não querendo abrir mão de seus privilégios (muitos deles ilegítimos) e com a maior parte da população brasileira, mesmo vivendo concretamente o caos, não entendendo e até certo ponto ignorando o quê, de fato, está acontecendo, o que esperar do futuro próximo?
É indiscutível que o Brasil, com a crise e apesar dela, tem conseguido obter alguns ganhos institucionais importantes, pois a população percebeu, pelo menos, de forma clara e inequívoca, que a movimentação política e o voto são importantes na vida dos cidadãos. Mas é impossível maiores progressos enquanto o poder político for centralizado nas mãos de uma classe corroída, medíocre e que controla, através de uma burocracia obediente e conivente, toda a máquina pública e a maioria dos recursos governamentais disponíveis.
Em artigo do dia 31.08.17 (“Apesar de tudo, a solução da economia está na política”), eu concluía que é impossível antever o que acontecerá com o Brasil, pois tanto seria possível nos aproximarmos “da Venezuela como da Argentina”. A citação à Venezuela se deu pelo fato de que, segundo meu entendimento, não há qualquer dúvida que esse País se tornou num dos maiores exemplos de como é possível, num curto espaço de tempo, destruir instituições que, uma vez criadas, imaginamos indestrutíveis. Portanto, todo cuidado é pouco.
E concluía: “tanto poderemos ser atraídos por um tirano demagógico e populista que, para não se comprometer com nada e agradar a todos ‘deixe tudo como está’ e se venda como ‘salvador da Pátria’, como poderemos eleger um verdadeiro Estadista, disposto a implantar as reformas necessárias e reforçar a Democracia”. Entre esses dois extremos, tudo é possível, inclusive culpar a democracia pelas dificuldades existentes na vida dos cidadãos brasileiros neste momento.
Os ataques que os extremos, tanto da esquerda como da direita fazem à Democracia é injusto, pois, como nos ensina Thomas Piketty, as desigualdades existem por causa de um capitalismo cada vez mais globalizado. E mesmo com dificuldades, são democráticas as sociedades que mais criam condições para que os negativos impactos dessa economia, cada vez mais globalizada, sejam mitigados. Se a democracia tem problemas com a desigualdade, problemas ainda maiores terão as sociedades ditas ‘socialistas’, posto que, entre outros desvios, joga a produtividade para baixo. O mundo, apesar da ‘cegueira’ de muitos, tem demonstrado isso farta e claramente.
Não há dúvidas que 2018 será um ano extremamente importante para o Brasil, pois será decidido se queremos, de fato, renovar o Congresso Nacional e acabar com as velhas práticas políticas, ao invés de simplesmente ‘maquiá-las’. Será decidido se queremos construir um País democrático, com funcionamento pleno e independente de suas instituições, no qual o direito, a liberdade, a livre iniciativa e a economia de mercado e aberta para todo o mundo, propiciem condições claras de crescimento, desenvolvimento, igualdade e justiça social, ou um País com poder centralizado, autoritário, com estruturas arcaicas e comprometidas com o atraso, economia estatizada e fechada, no qual o direito e a liberdade servem apenas alguns ‘apaniguados’. E mesmo aceitando que a corrupção, um dos maiores males do nosso País atualmente, seja um ‘defeito’ existente em qualquer sociedade, é nas sociedades totalitárias e fechadas que elas mais prosperam, uma vez que são economias que funcionam sem concorrência, sem liberdade de imprensa e de expressão e sem qualquer transparência no trato da ‘coisa pública’. Como já comentado em outros artigos, a corrupção premia a ineficiência e inibe a inovação e o desenvolvimento.
Parece claro que momentos de instabilidade política e econômica, como a atual, criem condições para que os governos obtenham mais poderes, pois a centralização das decisões (principalmente no que diz respeito à distribuição de recursos financeiros) parece ser solução inevitável e indiscutível. Não é à toa que discursos personalistas, demagógicos e populistas causem efeitos positivos em razoável parte da população que não quer se preocupar em ‘pensar’, mas sim, transferir seus problemas para alguém.
Mas por outro lado, se é verdade, como já dito por alguém, que o “preço da liberdade é a eterna vigilância”, é preciso prestar atenção no momento pelo qual vive o Brasil atualmente, cuja exacerbação da discussão entre “nós x eles”, tem criado ambientes de muita radicalização e pouco raciocínio. E que nada contribui para a resolução de nossos problemas.
As eleições deste ano são fundamentais para o futuro do Brasil. Expressei este sentimento no artigo do último dia 27 (“Em 2018, votar é preciso. Votar bem é imprescindível”), pois é possível termos novos governantes dispostos a realizarem as reformas de que tanto o País precisa. Isto poderá nos levar de volta ao crescimento, ao desenvolvimento e a um relevante papel no cenário internacional. Caso contrário o caos será mantido e estaremos próximos, muito próximos, da Venezuela. E que me perdoem os venezuelanos hoje, e os brasileiros se chegarmos lá.