Escrevo este texto antes do início do julgamento, pelo TSE, da chapa Dilma / Temer, acusada de “abuso de poder econômico na campanha de 2014”. A abertura desse processo se deu 30 meses atrás, mas ainda espero, sinceramente, que o Tribunal Superior Eleitoral cumpra, de fato e de direito, o seu papel. Como esclarece seu próprio site, o TSE, além de regulamentar o processo eleitoral, organizar e realizar eleições, também é responsável pelo julgamento das questões eleitorais. Com relação ao trecho grifado, lamentavelmente, não é isso o que parece ter feito.
É a primeira vez, em toda a sua história, que o TSE julga se deverá ou não a cassar uma chapa presidencial. Com baixíssima popularidade e um governo dividido, o presidente Temer, diga-se de passagem, legal e legitimamente empossado no cargo, também é suspeito de alguns outros crimes, que vão da obstrução à justiça à corrupção passiva. É, reconheçamos, um contexto político e econômico pra lá de complicado
Como dito pelo jornalista José Casado, em sua excelente coluna n’O Globo de hoje, “A eloquência dos fatos já revelados conduz a uma certeza: não há inocentes na Praça dos Três Poderes, em Brasília”. E conclui Casado: “O julgamento das contas Dilma-Temer é importante, independentemente do desfecho, porque resume a leniência institucional com a liquefação da política brasileira. Deveria servir de marco à refundação da Justiça Eleitoral. Caso contrário, continuará no papel de cartório a que foi reduzida por 2.244 políticos, beneficiários de propinas e subornos disfarçados de doações eleitorais em jogos de poder bancados por grupos como Odebrecht e JBS”.
Em todo julgamento, o resultado, caso não haja algum pedido de vista, poderá absolver ou condenar a chapa Dilma / Temer. Em caso de condenação, a chapa será ‘cassada’ e nova eleição presidencial, agora de forma indireta como estabelece a Constituição brasileira, deverá ser convocada dentro de um prazo de trinta dias. Particularmente eu não acredito em eleições diretas por três simples motivos: (i) não é conveniente que se altere a constituição a todo momento, principalmente de forma casuística; (ii) não haverá tempo suficiente para que isso ocorra; (iii) os partidos de oposição não querem, pois eles ‘apostam no quanto pior melhor’, como forma de se prepararem para as eleições constitucionalmente marcadas para 2018.
Há apostas para essas e outras soluções. Alguns dizem que, diante das delações da JBS e a prisão do ex-deputado Rocha Loures, ‘homem de confiança’ de Temer, a tendência será algum ministro pedir vista e adiar a definição do caso para ‘algum dia no futuro’.
Embora eu acredite que para as classes dirigentes é sempre melhor deixar tudo como está, particularmente entendo que a alternativa de “pedido de vista” é muito complicada e, em nada, ajudará o Brasil. Apenas justificará o título deste texto: que este País tem medo de tomar as medidas necessárias, procrastina suas decisões e, como dito popularmente, “empurra tudo com a barriga”, pelo menos até o momento no qual os problemas alcancem patamares insustentáveis. Quando a perda dos dentes é inevitável.
Eu já havia comentado sobre isso quando escrevi e publiquei, em 29/11/2016, um texto com o seguinte título: “Pode custar ainda mais caro para o Brasil, o desserviço prestado pelo TSE ao demorar tanto para julgar as denúncias contra a chapa Dilma / Temer”. É o que estamos passando agora.
A percepção é de que, neste País, falta coragem, ou no mínimo audácia, para se discutir e resolver os principais problemas que dificultam a vida de todos os brasileiros. No caso do Mensalão em 2005, por exemplo, o próprio ex-presidente Lula, totalmente envolvido naquele caso de corrupção, já começava reconhecer as dificuldades para continuar presidindo o Brasil, fazia pose de quem tinha desculpas a pedir e ameaçava o ‘mea culpa’. Infelizmente, porém, prevaleceu a tese de se “deixar o governo Lula sangrar” para aplicar-lhe um golpe final nas eleições seguintes. O golpe final jamais foi dado! Muito pelo contrário, ele não só se elegeu como fez, incrível, seu sucessor.
Mais tarde, no caso do impeachment da presidente Dilma, a história quase teve o mesmo final. Não tenho dúvidas que, a depender das negociatas de Brasília e de grande parte de nossa classe dirigente, tudo teria sido arranjado para que nada acontecesse. Uso o termo classe dirigente porque incluo uma grande maioria de políticos, de alguns representantes do poder judiciário, de parte da classe empresarial e de diversas outras lideranças, inclusive sindicais, que como tem sido demonstrado pelas inúmeras delações premiadas já divulgadas, tomaram o governo e o poder para si.
Felizmente, no dia 13/03/2016, a pressão das ruas alcançou seu ponto máximo ao realizar o maior movimento popular da história do Brasil e exigiu que, desta vez, tudo fosse diferente. Nunca antes na história deste país vimos manifestação popular como aquela. Em centenas de cidades, inclusive no exterior, milhões de pessoas, de verde, amarelo, azul e branco (as verdadeiras cores do Brasil) saíram espontaneamente de suas casas para protestar e exigir mudanças. Aí o impeachment aconteceu.
Eu confesso que depois desse primeiro passo, esperava mais. Tanto que postei em seguida, dia 26/03/2016, próximo dos festejos da Páscoa, outro artigo: “A ressurreição do Brasil está na imediata realização de eleições diretas para a Presidência da República”.
Não é preciso ser especialista no assunto para saber que a corrupção brasileira não só tomou conta da política como tomou conta de todo o País. Aliás, está muito claro para todos os brasileiros que a corrupção está enraizada em quase todas as esferas públicas e atividades econômicas, com ou sem ligações com o governo. Parece que todos acreditam que a única forma de sobreviver, neste País, é através do ‘jeitinho’ brasileiro e da propina.
Algum brasileiro adulto, em seu ‘juízo’ normal e com um mínimo de compreensão sobre “as coisas da vida”, acredita que alguma campanha política realizada no Brasil, pelo menos desde a República, não tenha tido a participação efetiva e até preponderante do poder econômico? E que esse ‘poder econômico’, ao realizar sua contribuição, fez isso sem quaisquer interesses particulares? E que, ao serem pressionados por ‘mais dinheiro’, jamais tiveram que recorrer à utilização de “caixa dois” ou de recursos oriundos de fraudes e corrupção?
As coalizões políticas articuladas em torno de muitos dos governos brasileiros, notadamente nestes últimos (Lula, Dilma e Temer), apoiaram-se na redistribuição de dinheiro público para os partidos da base, para diversos políticos da oposição e para executivos e dirigentes das principais estatais e fundos de pensão do Brasil. Aliás, como disse a jornalista Miriam Leitão, “a Lava-Jato é uma investigação sobre a corrupção no sistema político brasileiro e que foi deflagrada contra uma prática e não contra um partido”, derrubando a tese do PT, portanto, “de que a Lava-Jato era uma conspiração contra Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores”.
E é bom que se frise também, como muitos querem fazer crer, que não é a Lava Jato a responsável pela crise que o País vive atualmente. A Lava Jato, sem dúvida, está ajudando a esclarecer como está podre nosso sistema político e este, aí sim, atrapalha o crescimento e o desenvolvimento de nossa economia. O quê fazer, a partir daí é outro problema. O que não pode é que tudo continue como está.
É evidente que o atual modelo político-eleitoral brasileiro, de fisiologismo e práticas ultrapassadas de se fazer política (“é dando que se recebe” ou “toma-la-dá-cá”) exauriu-se. “É um modelo obsoleto, oligarca, intervencionista, cartorial, corporativista e anti-isonômico, que concede super salários, foros privilegiados e muitos outros benefícios a um pequeno grupo de agentes públicos e políticos, enquanto o resto da população não tem meios para superar a ineficiência do Estado e exercer seus direitos mais básicos” (trecho do artigo escrito pelos advogados Modesto Carvalhosa, Júlio Bierrambach e José Carlos Dias, publicado no Estadão dia 17/04/17: “Manifesto à Nação” – “Impõe-se a mobilização da sociedade por uma Constituinte originária e independente”).
A crise se aprofundou, não há dúvidas. Mas é preciso decidir e tomar providências. O jornalista Paulo Francis tinha uma frase mais ou menos assim: “a esperança de adulto começa pelo conhecimento da realidade”. Isto é, se temos um problema temos que conhecê-lo e entendê-lo, pois somente a partir daí é que haverá oportunidade de encontrar solução para ele. Ignorá-lo ou escondê-lo ‘de baixo do tapete’, não fará com que deixe de existir. Não haverá medo do futuro quando se entender que o futuro, nada mais é do que o resultado de nossas atitudes no presente.
Os dois últimos governos, eleitos legitimamente pelo voto da maioria dos brasileiros, perdeu a grande oportunidade de fazer o que deveria ser feito. De encarar nossos reais problemas e realizar as reformas necessárias. Com viés ideológico, medo, covardia, ignorância ou conivência e enquanto a situação internacional e o caixa ajudaram, protelou e “empurrou tudo o que podia com a barriga”. Mentiu, enganou novamente e, deu no que deu!
O governo Temer, também eleito legitimamente para o cargo de vice-presidente da República e que assumiu, conforme manda a Constituição, a posição da presidente impedida, iniciou uma fase que se colocava como promissora. Trouxe à mesa de discussões alguns dos principais problemas do Brasil (reformas trabalhista, da previdência, da política e do ensino) e conseguiu alguns êxitos importantes (nomeou uma equipe econômica competente e comprometida, retomou a agenda econômica, trouxe a inflação e a taxa de juros para limites civilizados, conseguiu a aprovação da PEC do Teto, iniciou renegociações com Estados e Municípios a respeito de suas dívidas, acabou com o BNDES dos “campeões nacionais”, retomou a agenda de investimentos em infraestrutura e, mesmo timidamente, já conseguiu os primeiros resultados de crescimento econômico, após onze trimestres seguidos de recessão).
Entretanto, diferentemente de outras épocas, a imensa maioria do povo brasileiro deixou de acreditar no “rouba mas faz” e também quer governos honestos. Mas, para infelicidade geral da nação, o presidente Temer e seu núcleo político (diversos foram os ministros e assessores próximos do presidente que precisaram deixar seus cargos) continuaram cometendo alguns pecados inaceitáveis e, assim como a Dilma, precisa ser devidamente julgado.
E sem protelações, por mais que o cenário atual seja catastrófico e que tudo ainda possa piorar. É fundamental encararmos a realidade de frente e discutir os problemas que atravancam e inviabilizam nosso País. A indecisão e as incertezas, quanto ao futuro deste atual governo é um desses obstáculos, pois as reformas imprescindíveis para a retomada do crescimento econômico estão novamente paradas e o mercado não funcionará em sua plenitude (o futuro da economia ficou novamente comprometido), posto que os empresários, investidores e consumidores aguardarão melhores momentos.
Não há dúvida, portanto, que nossa crise também é fruto da indecisão e da demora da justiça brasileira. Neste caso específico, do Tribunal Superior Eleitoral, que desde o início de 2015 não tem reunido coragem para ‘ir ao dentista’. O risco de ficarmos ‘banguelas’ é muito grande!
Além do respeito ao Direito e à Constituição, é preciso que o julgamento chegue ao seu final o mais rapidamente possível, pois o Brasil tem pressa. E que tudo seja apresentado, de forma isenta e transparente, para toda a nação. Nosso País, com fama de não fazer planejamento ou fazê-lo de forma incorreta e não acurada, terá que buscar no caos as condições mínimas de recomeço e de retomada, no qual a frase “o crime não compensa” fará real e concreto sentido para todos nós mas, principalmente, para as novas gerações.