* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.
Ainda em setembro do ano passado, mais precisamente no dia seis, escrevi um texto (1) no qual externava minha total indignação com o excesso de informações falsas, distorcidas, mentirosas (ainda não havia sido criado o termo ‘pós-verdade’) e que, divulgadas com insistência, começavam a aparecer como verdades. E concluía: “mesmo que a mentira, a hipocrisia e a idiotice ainda façam parte da vida de muitos, mesmo que outros ainda permaneçam insistindo na manutenção de um sistema político atrasado, cujo objetivo maior é manter a população distante da verdade e sem condições de influir coerente e corretamente no processo, a Democracia é o único caminho conhecido e que busca minimizar, com liberdade, as distorções naturais de uma sociedade
Naquele texto citei também, o Informe 2016, elaborado pela Corporação Latinobarómetro (2) que, coletando dados durante os dias 15/05/16 e 15/06/16, junto a mais de 20 mil pessoas de 18 diferentes países, concluiu que apenas 32% dos brasileiros se mostraram de acordo com a democracia, diante da afirmação de que “a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”. Uma, das outras opções, era que “em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível”. Ainda, segundo o relatório, o apoio à democracia no Brasil teve queda de 22 pontos percentuais no último ano, alcançado a segunda maior queda entre os países pesquisados. E mais: 75% dos brasileiros não confiam ou confiam pouco no Congresso Nacional.
Atualmente vivemos uma nova era de incertezas (3) e movimentos reacionários ou a favor de governos populistas ou ditatoriais parecem presentes em todos os lugares, notadamente nos países do mundo ocidental.
Pieter Zalis, historiador americano da Universidade de Columbia, em entrevista para a jornalista Mark Lilla (Revista Veja, edição 2590 de 30.11.16) comenta que “o mundo deu uma guinada com o Brexit e a vitória do Trump e são respostas da população que já não se sente representada pelos partidos políticos tradicionais, tampouco pelos seus principais líderes”. E acrescenta: “Na Europa, partidos socialistas e comunistas representavam a classe trabalhadora, enquanto os conservadores representavam a Igreja e a antiga aristocracia. Isso não existe mais! (grifos meus). A nova divisão se dá entre aqueles que vivem no conforto e se beneficiam da globalização e os que carecem de conforto ou não se beneficiam da globalização. Não há partidos que representem isso de forma clara”. A consequência imediata é que, não só no Brasil, mas em todo o mundo, surge um claro sentimento de frustração com a política, de uma forma geral e, em particular, com as classes dirigentes, os partidos políticos e o ‘establishchment’.
Pieter Zalis chama de “A Era da Nostalgia”, o fato de que o mundo atual, “em choque psicológico, diante da voracidade das mudanças tecnológicas e sociais, vive uma onda reacionária que quer a volta a um éden passado e fictício”. E conclui que “o apego a um passado grandioso é um sentimento que sustenta o reacionarismo” (4).
De uma forma resumida, o quê se constata é que, embora trouxesse muitos benefícios para todos, a globalização parece ter favorecido menos as classes médias e baixas do que as classes altas, gerando, sem dúvida, insatisfações que também se generalizaram por todo o mundo. Segundo Michael Sandel, é aqui que “brotam o populismo, o nacionalismo extremo, a hostilidade aos imigrantes e a xenofobia” (Michael Sandel, filósofo e professor de Harvard em entrevista para Thiago Prado e que foi publicada pela Revista Veja, edição nº 2512, de 11/01/17).
Uma pergunta: aqueles que, segundo Pieter Zalis, “carecem de conforto ou não se beneficiam da globalização”, seriam, na sua maioria, os desempregados?
Já no último artigo do ano passado, também escrito para este Portal (“A economia e a política brasileiras na era da “pós-verdade””), comentei que “é evidente que o encaminhamento das soluções ou do equacionamento dos problemas econômicos brasileiros atuais necessita de um esforço gigantesco, que abranja políticas micro e macroeconômicas e a grande maioria dos setores de produção nacional. Mas é inegável que, juntamente com a busca do equilíbrio fiscal, algumas providências específicas sejam buscadas simultaneamente. Encarar sem ‘meias-verdades’ o problema do déficit nominal, e não somente o primário, fazer cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e adotar políticas que melhorem efetivamente os níveis de produtividade, beneficiará toda a economia e, com certeza, contribuirá no combate ao desemprego, que é, neste momento, o maior flagelo de aproximadamente 12 milhões de brasileiros” (grifos meus).
Sem dúvida é aqui “onde mora o perigo”, pois caso não haja uma solução rápida para esse “flagelo”, o governo Temer, o Brasil e, talvez, a própria Democracia, poderão ter problemas ainda maiores.
Artigo do jornalista Rolf Kuntz, publicado no Estadão do último dia 8 (“Entre os bons sinais da inflação e risco Trump”) vai direto ao ponto: “a oferta de emprego demora a crescer quando a economia sai de uma recessão. Essa tendência tem sido geralmente confirmada pela experiência de muitos países. Na fase inicial as empresas conseguem aumentar a produção sem novas contratações. Só depois de algum tempo, quando a recuperação começa a se consolidar, as contratações são retomadas”. Verdade, infelizmente.
E isto é facilmente constatado quando se leem as análises de conjuntura ou as montagens de cenários econômicos projetados para o Brasil, para este ano que se inicia.
Boletim Macro do IBRE projeta, para março próximo, taxa de desemprego de 12,1%, um recorde histórico. Ainda, segundo esse Boletim, variação positiva no emprego somente deverá ocorrer a partir de junho deste ano. Com relação ao PIB de 2017, percebe-se claramente que a maioria das projeções, feitas mais recentemente, está sendo revisada para baixo, se comparamos com aquelas feitas à época da efetivação do Sr. Michel Temer na Presidência da República. O próprio FMI já projeta, para 2017, um crescimento de apenas 0,2% no PIB (contra 1% projetado ainda no final do ano passado e 1,3% há cerca de cinco ou seis meses atrás!). Também para 2016 a queda do PIB está mais acentuada do que se previa anteriormente: ao redor dos 3,6%. Todos os brasileiros – com raríssimas e honrosas (?) exceções - ficaram mais pobres.
Com economia fraca nos últimos três anos, desequilíbrio fiscal ainda não totalmente equacionado, alto nível de endividamento das empresas e das famílias, grande capacidade ociosa em quase todo o setor produtivo brasileiro e lenta queda da taxa de juros (agora, com a inflação dentro do limite da meta, parece que o governo irá acelerar o processo de queda), gastos do governo, consumo e investimentos – as principais variáveis macroeconômicas que compõem a demanda agregada e, portanto o PIB, não estão obtendo a prioridade que merecem (5). Evidente que demanda agregada “em baixa” não cria, por consequência, oportunidades para a geração de empregos.
Está claro, também, que solução não virá do exterior (outra importante variável que compõem a chamada demanda agregada), pois China, União Europeia e EUA ainda precisam resolver seus próprios problemas. A China, por exemplo, também contará com crescimento econômico menor que os anteriores. A Europa, além da crise política atual (nova onde de populismo e dificuldades para implantar política migratória que satisfaça a maioria da sociedade europeia, por exemplo), do aumento da violência e do terrorismo, ainda precisa equacionar a saída do Reino Unido do bloco das nações europeias (Brexit). E os EUA, com o governo Trump, queiram ou não, ainda é uma ‘incógnita’, mesmo em cenários mais otimistas. Tudo indica, inclusive, que “voltado mais para si mesmo”, o governo americano deverá promover aumento em suas taxas de juros, o que poderá, em algum grau, dificultar a obtenção de novos investimentos para o Brasil. Acrescente-se a isso o fato de que, diante da ‘perda do grau de investimentos’, os financiamentos externos estão mais caros para o Brasil, se os compararmos com aqueles conseguidos anteriormente.
Mesmo após a aprovação da PEC do Teto dos Gastos e as melhoras nas perspectivas para aprovação de uma Reforma na Previdência, o caminho da retomada do crescimento e da geração de empregos é cada vez mais longo. Tempo que, lamentavelmente, a grande maioria dos desempregados pode não ter... É fato que, neste País, o maior desalento do momento é o desemprego que, como já comentado anteriormente e como indicam pesquisas recentes, antes de melhorar, os índices de desemprego ainda deverão piorar, pelo menos até meados deste ano (6).
Diante deste cenário (7), além dos problemas políticos e econômicos já conhecidos, é possível que o Brasil também comece a enfrentar outros tipos de problemas que foram características marcantes de muitos países ocidentais, tais como as fortes ondas de populismo (tanto de esquerda como de direita), de reacionarismo e de crescimento da extrema direita.
É urgente, portanto, que se desenvolvam políticas mais efetivas de geração de empregos. O economista Raul Veloso, especialista em finanças públicas ao comentar o pacote econômico anunciado pelo Governo Temer ainda no final do ano passado disse que “podemos chama-lo de pacote miudeza, porque não alavanca nada: como é que o governo mexe com quinquilharias quando a economia está superdeprimida e precisa de bilhões para se reerguer?”.
Possíveis excessos à parte (8), a frase de Raul Veloso traz, à mesa de discussão, muitas verdades, principalmente no que diz respeito à falta de investimentos que busquem, primordialmente, geração de empregos para as classes menos favorecidas (10).
É imprescindível que o governo priorize uma agenda estimuladora de investimentos, públicos e privados, mas voltados a uma forte geração de empregos, dando indícios claros de que se está agindo de forma objetiva e concreta a favor dos mais carentes - os desempregados. O desemprego é consequência e, ao mesmo tempo, causa, não só das crises política e econômica que se mantêm ‘firmes e fortes’, apesar de todos os esforços realizados até aqui, mas também de uma crise social que, sem controle, poderá gerar problemas muito mais profundos e sérios para o Brasil. O País não pode e não deve correr esse risco e nem, tampouco, criar condições para que o ambiente de insatisfação popular seja ainda maior, no qual os movimentos contrários à Democracia e que se caracterizam “pelo cerceamento do pluralismo e pela intolerância ao contraditório” (11) prosperem.
(1) “Informação, Conhecimento e Democracia. Custe o que custar”, Paulo Roberto Guedes, Portal Guia do TRC de 06/09/16.
(2) Algumas das conclusões da pesquisa: “As percepções sobre economia são de agitação na América Latina, não nos níveis vistos na primeira metade da última década, mas com tendência crescente. Dados de 2016 refletem uma baixa em satisfação econômica, em ingresso de renda e em otimismo econômico, bem como um aumento na insegurança no trabalho, a falta de comida e pessimismo econômico. Esses fatores, somados à queda de apoio à democracia, à manutenção, sem grandes alterações, do autoritarismo político, bem como o surgimento da corrupção como problema principal em vários países e o aumento da violência e a sua conscientização, em suas múltiplas formas, levam à conclusão de que o ano de 2016 combina elementos negativos que se fortalecem em matéria política e econômica” (Informe 2016, elaborado pelo instituto de pesquisa chileno, Corporação Latinobarómetro).
(3) Parece incrível, mas enquanto o próximo presidente americano, Donald Trump, além de elogiar Wladimir Putin e defender o fim das sanções contra a Rússia, critica a globalização e promete adotar políticas protecionistas, o presidente da China, Xi Jinping, na abertura do Fórum Econômico Mundial, recebe os aplausos da grande maioria dos executivos de empresas internacionais presente em Davos, ao fazer um discurso pró-globalização e defender maior abertura comercial em todo o mundo.
(4) “Revolucionários acreditam em uma ruptura no tempo, mas confiam que o mundo que perdemos será trocado por um mundo futuro e melhor. Os reacionários, exilados no presente, não acreditam nisso, mas que são os guardiões de algo que realmente aconteceu. São os cavaleiros de uma realidade passada, não de um sonho futuro. Principal exemplo de reacionarismo: o Islamismo Político, pois está baseado numa fantasia de retorno a uma era de pureza religiosa e força militar que existiram há mais de um milênio”. “Reacionários podem ser de direita e de esquerda. Com o fim da URSS e o fim das esperanças revolucionárias, a esquerda trocou sua retórica da esperança no futuro pela da nostalgia, das grandes greves gerais, das revoltas e dos levantes do passado. A esquerda vive uma crise de identidade muito mais profunda do que se imagina. Não é apenas uma questão de falta de candidatos ou lideranças. A esquerda não consegue se adaptar ao mundo de hoje, baseado na economia de mercado e na democracia liberal. Conservadores sempre viram a sociedade como uma espécie de herança pela qual são responsáveis. As mudanças devem ser realizadas através de pequenas transformações nos costumes e tradições e jamais através de projetos reformistas ousados. Acreditam que a história nos move”.
“Os reacionários, que hoje respondem pelos movimentos da direita global, são radicais e destrutivos como os revolucionários, com a diferença de que voltam os olhos para o passado, não para o futuro”. (Pieter Zalis em artigo já citado).
(5) Enquanto o desequilíbrio fiscal continua inibindo gastos e investimentos por parte do governo, o consumo e os investimentos privados, diante do desemprego, das altíssimas taxas de juros e do significativo endividamento de famílias e empresas, também continuarão baixos. Apesar da capacidade ociosa em diversos segmentos econômicos brasileiros, a maioria dos investidores está bastante cautelosa no momento de tomar algum empréstimo. Além do que, como se sabe, o BNDES sozinho não conseguirá suprir, sozinho, a necessidade de recursos (sem contar que o fluxo de dinheiro está sendo invertido no início deste ano, quando o banco de fomente devolveu R$ 100 bilhões para o Tesouro). Os bancos privados, por sua vez e por falta de total confiança nas possibilidades de retomada do crescimento no curto prazo, também não estão dispostos a emprestar.
(6) Texto no caderno de Economia do Estadão de 08/01/17 (“O desafio de voltar a crescer”, escrito por José Fucs) é extremamente claro: “com ajuste fiscal bem encaminhado, a retomada da economia deve se tornar a prioridade número um do governo”.
(7) Ainda com base no texto do jornalista José Fucs, do Estadão, comentado na observação anterior: “como mostram os principais indicadores (queda de confiança do empresário industrial, diminuição do nível de crédito, queda dos investimentos e recuo das exportações), falta força para o País sair do atoleiro em que se encontra”.
(8) Queiramos ou não, foi no Governo Temer que o “controle de gastos públicos”, inclusive com a criação do Ministério de Fiscalização e Controle, passou a ser instrumento importante na administração de toda e qualquer economia. Além do que outras providências foram tomadas, tanto para se buscar o equilíbrio das contas públicas (9) como para melhorar o ambiente de negócios e as atividades comerciais e estimular os investimentos privados (programa de regularização tributária, redução das multas na demissão de empregados e a diferenciação entre “preços à vista e preços a prazo”, são alguns exemplos).
(9) Nomeação de equipe econômica competente e comprometida com a melhoria do País; efetiva renegociação das dívidas dos Estados, sempre a partir do conceito de reciprocidade; desestatização das atividades que não sejam estratégicas ou nas quais o setor privado é melhor e mais produtivo (deixar de obrigar a Petrobrás a participar com 30% em todo e qualquer projeto do Pré-Sal é um bom exemplo); introdução de critérios mais justos e corretos para a implantação de programas sociais novos e rígida auditoria nos programas sociais já existentes;
(10) “Investimentos em infraestrutura são imprescindíveis para o aumento da eficiência e diminuição dos custos da produção, além de colaborar diretamente para o crescimento da economia, seja através da viabilização das atividades de comércio ou como fonte para a geração de empregos e rendas” (Infraestrutura logística brasileira: desafio e solução. Artigo publicado no Portal Guia do TRC em 13/06/2016).
Investimentos na construção de moradias e em melhoria e expansão da infraestrutura, inclusive logística, poderiam fazer parte dessa solução e, consequentemente, merecer prioridade, posto que além de gerarem empregos quase que imediatamente, trazem benefícios diretos para toda a economia, seja através da diminuição do chamado custo Brasil ou do aumento da eficiência das atividades comerciais e produtivas.
O próprio presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, em pronunciamento no Fórum Econômico Mundial, que se realiza nesta semana em Davos, comentou que “uma vez tendo expectativas de inflação ancoradas, temos espaço para reduzir as taxas de juros e contribuir para o crescimento econômico. Obviamente esse não é o único fator (para a retomada do crescimento), mas o avanço das reformas e dos investimentos em infraestrutura também são importantes no processo de recuperação da economia” (Valor Econômico).
(11) “Eles (os movimentos populistas) desprezam as instituições democráticas, nem pensam em conciliar interesses contrários aos seus e se apresentam como únicos representantes do ‘povo real’”. “O Risco Populista”, texto escrito pelo jornalista Rodrigo Burgarelli, para o Caderno Aliás do Estadão de 08/11/17.
“O prenúncio do caos” é a matéria escrita pelo jornalista Diogo Schelp e publicada na Revista Veja do último dia 11. Analisando a ‘imagem da semana’, na qual três cidadãos de bem espancam um ladrão, pego por eles mesmos, em flagrante ao tentar roubar banhistas nas praias do Rio de Janeiro, Schelp conclui: “dá para entender que os cidadãos estejam indignados, fartos e revoltados. Mas quando eles assumem o papel simultâneo de polícia e Justiça, é o prenúncio de que a sociedade caminha para o caos”.
“A moderação e o estado de espírito do povo quanto ao tratamento dado ao crime e aos criminosos são uma das provas mais irrefutáveis da civilidade de uma nação”, disse o ex-primeiro ministro britânico, Winston Churchill, em 1910 (Revista Veja de 11.01.17).