À semelhança do que foi feito em 2000, quando foi proposto o estabelecimento dos Objetivos do Milênio (1), a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, em setembro do ano passado, uma agenda que tem, como única e resumida finalidade, durante os próximos 15 anos, “propiciar padrões de vida adequados aos habitantes do planeta, de forma sustentável e com direitos iguais para todas as pessoas”. Essa agenda, em seus 17 grandes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS (quadro a seguir) está subdividida em 169 metas principais e, de acordo com o próprio relatório, com concretas e reais possibilidades de serem viabilizadas (2)
Fonte: Ministério de Relações Exteriores
Haverá, evidentemente, esforços maiores junto aos países mais necessitados ou considerados mais vulneráveis, como é o caso dos países africanos, mas as propostas são globais e para incluem todos os países do mundo, com destaque para os países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.
Como se percebe, analisando-os de forma mais detalhada, a amplitude dos objetivos e das metas estabelecidas leva à discussão de algumas questões sistêmicas e de coerência entre as diversas políticas e demandas institucionais existentes em todo o mundo e que precisam ser equacionadas e realizadas concomitantemente, pois caso contrário tornar-se-á extremamente difícil a concretização de qualquer um dos objetivos estabelecidos. Neste sentido, destacam-se três pontos fundamentais a serem buscados: a) estabilidade macroeconômica global, b) coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável, e c) respeito ao espaço político e às lideranças de cada país, como forma de se estabelecer e implantar políticas específicas, não só para a erradicação da pobreza, como também alcançar o desenvolvimento sustentável.
Fundamentais também, e que determinarão o maior ou o menor grau de sucesso da Agenda, serão as parcerias realizadas: (i) as parcerias globais de desenvolvimento sustentável e as parcerias multissetorias que, eficientemente realizadas, possibilitarão melhor difusão e compartilhamento do conhecimento, da experiência, da tecnologia e dos recursos financeiros envolvidos, notadamente junto aos países em desenvolvimento; (ii) as parcerias público-privadas, e da sociedade civil de uma forma geral, principalmente a partir das experiências e das estratégias de mobilização de recursos já conhecidas.
É evidente, portanto, que uma agenda de “tal porte” não poderá prescindir de uma eficiente logística que, sem dúvida, de infraestrutura compatível. E é o que se percebe quando se analisam os objetivos da Agenda da ONU, bem como algumas das 169 metas a serem cumpridas. Para ilustrar e criar um vínculo com a logística, permito-me citar apenas algumas delas:
a) Aumento do investimento em infraestrutura rural de maneira a aumentar a capacidade de produção agrícola nos países em desenvolvimento;
b) Construção e melhoria das instalações físicas para a educação;
c) Aumento do uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação;
d) Ampliação da cooperação e do apoio ao desenvolvimento de capacidades em atividades e programas relacionados à água e ao saneamento, incluindo a coleta de água, a dessalinização, a eficiência no uso da água, o tratamento de afluentes, a reciclagem e as tecnologias de reuso;
e) Expansão da infraestrutura e modernização da tecnologia para o fornecimento de serviços de energia modernos e sustentáveis para todos;
f) Desenvolvimento de infraestrutura sustentável e resiliente, notadamente nos países em desenvolvimento;
g) Aumento substancial do número de cidades e assentamentos humanos;
h) Aumento significativo das exportações dos países, em particular aqueles de menor desenvolvimento.
Por outro lado, não há qualquer dúvida que o aumento da movimentação de produtos e de pessoas, entre os diversos países do mundo, tem exigido operações logísticas cada vez mais complexas e com graus de dificuldades mais elevados, posto que a velocidade, a qualidade, a integridade e os baixos custos são algumas das ‘solicitações’ do momento atual. O que aconteceria com a logística e sua infraestrutura, em todo o mundo e em particular no Brasil, caso alcancemos, nos próximos 15 anos, padrões de vida mais adequados, sustentáveis e com direitos iguais para todos, como estabelecido na Agenda de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU?
As atividades logísticas têm crescido de importância na medida em que os mercados se expandem e os consumidores comportam-se de forma cada vez mais exigente. Novos mercados surgem em regiões que, até então, não constavam no mapa de prioridades, de governos ou de empresas. Em todo o mundo, milhões de novos consumidores e fornecedores são incorporados ao mercado todos os anos, completando um quadro desafiador para os profissionais e operadores da logística.
Coincidentemente, no último dia 11, aqui mesmo no Guia do TRC, ao publicar o texto “Novidades e tendências da logística foram apresentadas no XXII Fórum Internacional de Supply Chain realizado pelo ILOS”, eu comentei que em cenários de extrema complexidade e com mudanças cada vez mais rápidas, característicos dos dias atuais, especificamente no que diz respeito às operações logísticas, houve uma clara compatibilidade entre as diversas tendências comentadas e discutidas, não só entre os diversos expositores e palestrantes presentes naquele Fórum, mas também com tudo aquilo que vem sendo feito pelas empresas e profissionais de logística no Brasil de hoje. Citei, ainda, aqueles considerados, por mim, como alguns dos pontos mais importantes. Alguns deles:
• Buscar redução da complexidade, aumentar eficiência e produtividade e reduzir custos;
• Buscar total colaboração entre os “stakeholders”;
• Realizar planejamento estratégico conjunto entre contratados e contratantes e manter conceito colaborativo nas operações logísticas;
• Desenvolver, capacitar e reter talentos e identificar futuros líderes;
• Inovar e incrementar a TI para atuar juntamente com o cliente;
• Focar melhoria contínua dos processos operacionais e aperfeiçoar instrumentos de trabalho;
• Implantar gestão por demanda e integrar o desenho logístico ao S&OP e às operações logísticas;
• Implantar boas práticas e medidas de desempenho compatíveis e alinhadas aos objetivos da empresa e dos clientes;
• Buscar, sempre que possível, a multimodalidade como forma de obter o melhor de cada modal, reduzir custos de transporte e riscos e obter ganhos de produtividade;
• Cuidar permanentemente da Qualidade, da Segurança, da Saúde e do Meio Ambiente;
• Alcançar sustentabilidade através da substituição, paulatina e constante, da matriz energética fóssil por uma matriz com energia renovável, sendo obrigatório a redução na emissão de Gases de Efeito Estufa -GEE.
Ora, como pode ser concluído, observando-se a lista acima e aquilo que a maioria dos especialistas e profissionais do ramo da logística está vislumbrando como evolução e tendência naturais, há total aderência e compatibilidade entre estas últimas e os objetivos maiores das nações que aderiram à Agenda da ONU. A logística, sem dúvida, será fundamental para o seu sucesso!
As consequências imediatas, diante desse cenário, serão, inevitavelmente, aumento, de forma ainda mais extraordinária, das movimentações nas estradas, nas ferrovias, nos portos, nos aeroportos, nos armazéns, nos centros de consolidação e distribuição e nas aduanas (3). E quase que de forma automática, serão exigidas, também, providências mais eficazes e urgentes na infraestrutura de transporte e comunicação, nos sistemas de informação e comunicação e nas organizações das empresas, sejam elas tomadoras ou prestadoras dos serviços logísticos. Em resumo: investimentos em infraestrutura logística e de transporte.
Vale à pena repetir o que é sabido pela grande maioria das pessoas: “Num prazo mais longo, o crescimento econômico somente poderá ser mantido e sustentado quando as condições econômicas e sociais estimularem investimentos significativos em todos os setores cujas carências mais se apresentam”. E quando se analisa a atual situação do Brasil não é demais afirmar que “se é preciso priorizar, além dos itens como ajuste fiscal, educação, saúde e segurança, há que se colocar o investimento em infraestrutura logística como condição igualmente necessária” (4), pois “a falta de investimentos em infraestrutura contribuirá para o altíssimo custo e pela baixa produtividade da produção e da economia como um todo” (5), além de dificultar a entrada do Brasil no rol dos países que conseguem proporcionar, à sua população, padrões de vida adequados e sustentáveis e com direitos iguais para todos.
(1) Agenda global com oito grandes metas, lançada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2000 e que foi monitorada durante 15 anos. No caso brasileiro, a coordenação da Agenda Pós-2015 e dos ODS gerou o documento "Elementos Orientadores da Posição Brasileira" e que foi elaborado a partir das discussões feitas com representantes da sociedade civil, das oficinas de representantes das entidades municipais organizadas, pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência e pelo Ministério das Cidades, bem como das deliberações do Grupo de Trabalho Interministerial, especificamente criado para a Agenda e que reuniu 27 Ministérios e órgãos da administração pública federal.
(2) Objetivos: 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; 7. Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia, para todos; 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos e atingir níveis mais elevados de produtividade das economias, por meio da diversificação, modernização tecnológica e inovação, inclusive por meio de um foco em setores de alto valor agregado e intensivos em mão-de-obra; 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável; 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros e resilientes; 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos; 14. Conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento; 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra, e deter a perda de biodiversidade, promover o manejo florestal sustentável, inclusive para a conservação e o reflorestamento; 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
(3) “Infraestrutura logística brasileira. Desafio e Solução. Organização e Financiamento”, artigo publicado no Portal Guia do TRC, nos dias 13 e 20/06/2016 e escrito por Paulo R. Guedes.
(4) “Necessidade de priorizar investimentos do novo Governo, poderá criar reais oportunidades para a infraestrutura logística brasileira”, escrito por Paulo R. Guedes e publicado no Portal Guia do TRC, dia 16/05/2016.
(5) Artigo escrito em 2005 e publicado pela Folha de Alphaville (“Brasil: Política Monetária ou Política Econômica?”),
* Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes, consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.