O Fórum Internacional de Supply Chain, realizado anualmente pelo Instituto de Logística e Supply Chain é, sem dúvida, um dos melhores eventos para a discussão, o entendimento e absorção das novas tendências da logística e do supply chain, no Brasil e no mundo. E foi o que aconteceu, na semana passada, com a realização do Fórum em sua vigésima segunda versão.
Eu já havia feito breve observação a respeito deste Fórum quando, no último dia 20 de setembro, em artigo publicado aqui no Guia do TRC (A contratação de serviços logísticos exige avaliação que considere a relação “custo / benefício”) escrevi sobre o texto-convite elaborado pelo ILOS: “Ao longo da última década, nos deparamos com maior frequência com os termos “ruptura” e “resiliência” em Supply Chains... Em empresas líderes, o objetivo central tem sido incorporar mecanismos de reconhecimento e dimensionamento dos riscos de ruptura e minimizar o hiato que resulta da capacidade de resposta das empresas em superá-los, principalmente nos casos de Supply Chains complexos e profundos. As fontes de rupturas no SC são de origens diversas, as quais podem advir desde novas tecnologias capazes de transformar as operações e mercado consumidor; de contexto geopolítico; responsabilidade social e sustentabilidade; financeiro e econômico; e àquelas relacionadas à natureza, como mudanças climáticas e eventos dramáticos, como terremotos e tsunamis; dentre outras. Neste sentido, as empresas globais líderes têm investido cada vez mais na gestão de riscos no SC para mitigar impactos negativos nos negócios e até obter vantagens comparativas frente à concorrência”. Nada mais verdadeiro e atual.
Com palestrantes atualizados, competentes e com vastas experiências acadêmicas ou profissionais, diversos assuntos foram abordados mostrando que as empresas, em todo o mundo, precisam estar preparadas para inibir as principais causas, originadas nas mais diversas origens e fontes, que geram rupturas nas cadeias de abastecimento e de distribuição.
Não há novidade quando se diz que, atualmente, as cadeias de produção são muito mais globais e complexas e estão permanentemente exigindo um conjunto de ações integradas, coordenadas, com desenhos e soluções logísticas cada vez mais personalizadas – a clientes, produtos e regiões - e adaptadas às novas realidades que, teimosa e frequentemente, se apresentam.
Multiplicação dos canais de distribuição e dos requisitos de entrega e distribuição, comércio eletrônico acelerando e estimulando entregas cada vez mais fracionadas, em mercados cada vez mais distantes e complexos, sejam eles de consumidores ou fornecedores, entre empresas ou entre países, fazem parte do cotidiano de todo o profissional de logística.
E como consequência imediata, esses profissionais têm que lidar com um aumento significativo dos riscos, oriundos da natureza, de caráter financeiro (inclusive de algum fornecedor ou operador logístico), econômico, político ou em face do aumento da volatilidade e da imprevisibilidade (culturas, costumes (1), regulamentações, infraestruturas e custos diferentes) que se tornaram mais constantes na vida dos operadores logísticos e administradores das cadeias de abastecimento, notadamente daqueles que trabalham com o comércio exterior e no mercado internacional.
Ao se contextualizar o Brasil, assuntos ligados à infraestrutura, ao baixo desempenho logístico e aos seus altos custos operacionais (2), foram devidamente abordados. O representante do BNDES, Engenheiro Edson Dalto, do Departamento de Transporte e Logística, por exemplo, fez observações importantes quando comentou que o aprimoramento da logística brasileira exigirá, de forma quase que compulsória, o equilíbrio na matriz de transporte, ainda notoriamente rodoviária, como demonstra o quadro a seguir, elaborado com base nas informações dos pesquisadores do ILOS. Pipeline e estruturação de projetos, regulamentação, inclusive com fortalecimento das agências reguladoras, operações mais eficientes, ativos estruturados e integrados e financiamento mais diversificado, seja através de capitais nacionais, estrangeiros ou mesmo o mercado de títulos, também são itens considerados importantes, pelo representante do BNDES, para que a logística brasileira se aperfeiçoe.
Ainda com relação à estrutura logística brasileira, mais especificamente com respeito a ativos mais estruturados, palestra do representante da GLP – Global Logistics Properties, mostrou números interessantes: enquanto os EUA tem espaço logístico per-capita igual a 5,5 m², o Brasil, com 77 milhões de metros quadrados para armazenagem, possui apenas 0,36 m² per-capita, isto é, 15,3 vezes menos. Sem dúvida, mais um dos gargalos logísticos brasileiro, além daqueles citados pelo representante do Banco Mundial, Sr. José G. Reis, ao comentar a posição do Brasil no Índice Mundial de Desempenho Logística ou Logistics Performance Index - LPI (3).
Entretanto, as maiores novidades, como era de se esperar, ficaram por conta das apresentações que justificaram o tema central do Fórum: a logística, o supply chain e a gestão de suprimentos em tempos de crise, diante das incertezas e dos contextos diversos de ruptura.
E com relação a isso destaco a observação feita pelo Dr. Dale Rogers, Head SCM Department da Arizona State University. A frase, não exatamente com estas mesmas palavras, expressava o fato de que os principais líderes empresariais, em épocas de crise, deveriam encarar a realidade como ela é, não importando como as coisas poderão estar ruins, pois elas poderão se agravar. Faça caixa, utilize o ‘supply chain’ como um fundo e seja agressivo. Nunca desperdice uma boa crise! Ele citou, inclusive, a frase de Paul Romer, economista-chefe do Banco Mundial: “Uma crise é uma coisa terrível para ser desperdiçada”.
Aliás, o professor Bill George, da Universidade de Harvard tem uma frase semelhante: “A crise não se resolverá sozinha, então negar sua existência pode apenas deixar as coisas piores, muito piores”.
O professor Thomas W. Derry, CEO do Institute for Supply Management (ISM), que proferiu a palestra “Gestão de Suprimentos em Tempos de Crise”, foi objetivo: “O papel mais estratégico da gestão de suprimentos acontece durante crises econômicas quando é mobilizada para otimizar o capital de giro da empresa, gerenciar estoques de forma mais eficiente, gerenciar relacionamentos com fornecedores e manter a garantia de abastecimento, dentre outros”.
A professora Wendy L. Tate, PhD by The University of Tenesse e do Department of Marketing and SC Management, em sua palestra “Iniciativas para resiliência no SC em situação crítica”, indicou providências específicas e voltadas à redução de custo, à elaboração de orçamento base zero, à criação de salas de guerra (o quê é preciso saber? quem fará o quê? como tomar as decisões?), à redefinição das redes de relacionamentos e às decisões a respeito da terceirização ou da utilização de recursos próprios.
Considerações a respeito das implicações fiscais sobre o SC também são fundamentais. E concluiu: “trabalhe com seu parceiro de SC na certeza de que a solução possa não ser a ideal, mas é possível não haver melhor alternativa no momento”.
Em síntese, o gerenciamento em momentos de crise exige algumas providências que, embora óbvias, nem sempre são adotadas. Exemplos citados pela maioria dos palestrantes: a) aplicar o princípio de Pareto (4); b) otimizar os recursos financeiros, c) renegociar contratos, d) identificar fornecedores críticos e que tenham riscos de insolvência; e) gerenciar e minimizar inventários; f) reduzir sku’s e sua complexidade, g) buscar proteção contra ruptura e gerenciar riscos.
Vale à pena, para concluir, resumir a excelente palestra do Diretor de Logística da Magazine Luíza, Ricardo Ruiz Rodrigues, na qual ele afirma que “Períodos de crise não são períodos de abandono de estratégia. No máximo, de revisão estratégica” e, para tanto, sugere que o “supply chain” deve, obrigatoriamente:
• Estar na posição de protagonista;
• Estar integrado às demais áreas de negócios;
• Ter carteira de projetos, pois precisam ser rápidos e com evolução progressiva;
• Ter contratos, operações e SLAs que permitam mudanças rápidas e que se adaptem aos novos cenários;
• Realizar observações, interações e ações imediatas e que acompanhem a velocidade das mudanças;
• Ter métricas de avaliação de desempenho que levem em conta, cenários dinâmicos.
Ainda, segundo Ricardo R. Rodrigues, é fundamental saber o que é relevante para o cliente e ter claro que ele irá perceber as melhorias implementadas. E complementa: “O supply-chain, além de garantidor da competitividade empresarial, passou a ser indutor e impulsionador do desenvolvimento e do crescimento, no qual o cliente deverá estar no centro das atenções”.
Em face desse cenário de complexidade e rápidas mudanças, especificamente no que diz respeito às operações logísticas, seja do lado dos operadores ou dos usuários dos serviços logísticos, houve uma devida e clara coerência, não só entre os diversos expositores e palestrantes presentes, mas também com tudo aquilo que vem sendo feito pelas empresas e profissionais de logística no Brasil atualmente. Os principais pontos em comum, segundo minhas observações, podem assim ser resumidos:
• Buscar rentabilidade e geração de caixa;
• Buscar redução da complexidade, aumentar eficiência e produtividade e, como consequência, reduzir custos;
• Buscar total colaboração entre os “stakeholders” (5);
• Realizar planejamento estratégico (6) conjunto entre operadores e usuários da logística. Entre contratados e contratantes;
• Manter conceito colaborativo nas operações logísticas, no qual a relação “ganha-ganha” passa a ser postura rotineira (7);
• Desenvolver, capacitar e reter talentos e identificar futuros líderes;
• Inovar e incrementar a Tecnologia da Informação para atuar juntamente com o cliente e admitir que a utilização de ferramentas de otimização é inevitável;
• Focar melhoria contínua dos processos operacionais, aperfeiçoar instrumentos de trabalho e incrementar a realização de inventários;
• Implantar gestão por demanda e integrar o desenho logístico ao S&OP e às operações logísticas;
• Implantar boas práticas, SLAs e KPIs compatíveis, alinhados aos objetivos da empresa e sempre como mecanismos de gestão;
• Buscar, sempre que possível, a multimodalidade como forma de obter o melhor de cada modal, reduzir custos de transporte e riscos e obter ganhos de produtividade;
• Cuidar permanentemente da Qualidade, da Segurança, da Saúde e do Meio Ambiente; e
• Alcançar sustentabilidade através da substituição, paulatina e constante, da matriz energética fóssil por uma matriz com energia renovável, sendo obrigatório a redução na emissão de Gases de Efeito Estufa -GEE.
Enfim, o XXII Fórum Internacional de Supply Chain, ILOS 2016, além da oportunidade para “network” e conhecimento das novas tendências, mostrou que a Logística não só é essencial e estratégica para o alcance do crescimento e do desenvolvimento, de empresas e países, mas também proporciona o caminho mais curto para que se encontrem soluções adaptáveis aos tempos de crises.
(1) Ao abordar a diversidade cultural, de costumes e de filosofia, a professora de SCM na S.M.Walton College of Businesse University of Arkansas, Adriana Rossiter Hofer (“A diversidade e seus efeitos na gestão do Supply Chain”) foi incisiva: “no atual cenário de negócios globalizado, a diversidade da força de trabalho no dia-a-dia é uma realidade complexa e com potencial para gerar benefícios de uma pluralidade de ideias e inovações, mas também de desafios, posto que esses trabalhos têm que ser coordenados entre indivíduos de diferentes empresas no SC, com diferentes nacionalidades e filosofias”, motivo pelo qual, acrescento, exige cuidados muito maiores de que em períodos anteriores.
(2) Segundo os novos estudos elaborados pelo ILOS os custos logísticos brasileiros aumentaram durante o ano de 2015 e alcançaram 12,7% do PIB, cerca de R$ 689 bilhões. Os custos logísticos nos EUA, segundo o ILOS, representam 7,8% do PIB americano. Em 2010 os custos logísticos brasileiros representavam 10,6% do PIB, em 2012, 11,5% e em 2014, 12,1%. Dentre os custos logísticos brasileiros de 2015, aquele de maior representação é o relativo ao transporte, com cerca de R$ 401 bilhões, equivalentes a 6,8%. Depois vem os custos relativos ao estoque, 4,5%, armazenagem, 0,9% e administração, 0,5%. Vale ressaltar que os custos de estoque, em 2014 representavam 3,8% do PIB (R$ 203 bilhões) e passaram a 4,5% em 2015. Três fatores para que isso acontecesse: queda do PIB brasileiro, que impacta diretamente na proporção entre um e outro, alta taxa de juros e aumento dos estoques, que fazem com que os custos de inventários sejam maiores.
(3) O Índice de Performance em Logística (LPI), relativo ao ano de 2016, apresentado pelo Gerente da Unidade de Comércio Internacional e Competitividade do World Bank, José Guilherme Reis, mostrou o que todos os usuários da logística no Brasil percebem no dia-a-dia: o Brasil ocupa a 8ª posição entre os dez top’s de renda média-alta. E embora tenha melhorado sua posição geral, comparando-se com a posição anterior e obter a melhor média da América Latina e Caribe, o Brasil caiu, entre 2010 e 2016, de 45ª posição para 56ª, na classificação feita entre 160 países analisados. O LPI é montado com base na percepção de empresários e executivos entrevistados e o itens analisados são: 1) Alfândega, 2) Infraestrutura, 3) Qualidade dos Serviços, 4) Carregamento Internacional, 5) Acompanhamento e Localização e 6) Prontidão. Em 2016 já foi incluído o item Competência e Qualificação em Logística.
(4) Lei de Pareto (ou Princípio 80/20), criada em 1897 pelo economista italiano Vilfredo Pareto: 80% do que se realiza, vem de 20% do tempo gasto. Ou seja, 80% do esforço é nulo. Ou ainda, 20% dos seus clientes, respondem por 80% dos resultados. Ou ainda, 20% das ocorrências causam 80% dos problemas. E mais, 20% dos recursos investidos respondem por 80% dos resultados.
(5) “Conectando expectativas do cliente com a execução do Omnichannel”, palestra de Slimane Allab, RVP, Head of Global Solutions Advisory da JDA Software, foi objetiva e clara: “Mudanças rápidas de comportamento do consumidor e de expectativas de serviços relacionadas às atividades de compra, uso e retorno do produto, estão impulsionando varejistas a evoluir continuamente seus processos de planejamento de produtos e sortimento. A transformação digital está moldando um novo modelo de negócios, concebido em torno da experiência do cliente. Isto tem resultado no fato de que empresas líderes estão elevando o Cliente em suas decisões estratégicas, refletindo diretamente nas estruturas organizacionais, nas quais o nível mais alto de decisão empresarial inclui o Chief Customer Officer (Diretoria de Clientes)”.
(6) O desenho da Cadeia de Abastecimento ou da Rede Logística, diante dessa nova realidade passou a ser muito mais do que um desenho de malha, pois incorpora decisões estratégicas e táticas tais como: (i) “sourcing” x “insourcing”; (ii) papel dos diversos atores da cadeia de abastecimento; (iii) instalações de manufatura e de logística; (iv) “postergação x antecipação”. A compreensão de que é preciso repetir desenhos uma ou mais vezes por ano, dependerá, sempre, do negócio de cada empresa;
(7) “Logística colaborativa. A importância do trabalho integrado na evolução dos processos logísticos” foi a palestra apresentada por Gustavo R. de Morais, Coordenador de Logística da Sabó e Renato Taveira, Gerente Geral de Logística da Atlas Logística, empresa do Grupo Femsa Logística. Outros pontos importantes apontados na palestra: Solução de RH (Perfis de Cargos, Controle de Absenteísmo e Treinamento), Gestão de Recursos (planejamento, rodízio e compartilhamento de riscos) e Envolvimento da Alta Gerência (‘follow-up’ e ‘feed-back’).
* Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes, consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.