No texto do último dia 20 (“A contratação de serviços logísticos exige avaliação que considere a relação custo / benefício“), comentei o fato de que a terceirização dos serviços logísticos, assim como em todo o mundo, tem crescido de forma bastante significativa no Brasil. Segundo dados da ABOL, Associação Brasileira dos Operadores Logísticos, relativos ao ano de 2013, o mercado brasileiro já supera a casa dos R$ 44 bilhões. O quadro 1, a seguir, apresenta outras informações a respeito do “tamanho desse setor” (1).
Comentei, também, que tanto operadores como tomadores de serviços logísticos terceirizados, estão tendo a compreensão de que a venda ou a aquisição desses serviços exige postura e processos diferentes daqueles normalmente utilizados na venda ou na compra de “commodities” (2). Isto não quer dizer, necessário lembrar, níveis diferentes de importância ou de prioridade, posto que ambos – “commodities” e serviços logísticos - constituem parte do imenso universo de bens econômicos e serviços, diariamente produzidos, que são imprescindíveis à vida e ao funcionamento de qualquer sociedade atual.
Portanto, o quê significa dizer que “vender e comprar serviços logísticos é diferente de vender e comprar commodities”? O quadro 2, a seguir, tenta resumir algumas das principais diferenças entre um e outro.
Como se percebe, muito diferentemente de produtos comuns, com pouca ou nenhuma diferenciação, os serviços logísticos devem ser desenvolvidos de forma personalizada (“customizadas”) e que, uma vez adaptadas às exigências e necessidades de cada cliente, visam encontrar soluções específicas. Não há receita única, pois a logística precisa respeitar as características de cada cliente, de cada produto, de cada região ou de cada mercado. Diferem-se, inclusive, diante das diversas alternativas estratégicas empreendidas pelos seus clientes (serviço ‘spot’ ou parceiro operacional?). A solução para o cliente deverá, inclusive, ser encontrada juntamente com o cliente, como forma de envolvê-lo na implantação e no sucesso do novo projeto.
Enquanto no mercado de ‘commodities’ o preço tem que ser o mais competitivo possível, uma solução logística estabelece seu preço baseado no projeto elaborado que é, vale repetir, desenvolvido somente para aquele cliente.
Considerando-se, inclusive, que a seleção de um operador logístico é feito com base no seu conhecimento técnico e na sua reputação, o critério de escolha, diferentemente do que ocorre nas ‘commodities’, não é o menor preço e, sim, o valor agregado que esse prestador de serviços irá propiciar ao cliente. Ou, como comentado em artigo, na relação “custo / benefício”. A palavra-chave, portanto, é “agregar valor” (3) e o relacionamento entre ambos, tomador e prestador de serviços, ocorre em clima de intimidade (confiança, comprometimento e lealdade (4)). A realização desses serviços é lastreada em contratos com duração mínima de um ano e tendem a refletir as operações por todo o período contratual, adaptando-se às mudanças de cada momento. Contratantes e contratados partilham prêmios e insucessos e correm os mesmos riscos por todo o período no qual a parceria se mantem. Há um comprometimento explícito entre eles, posto que a necessidade de se prestar e receber serviços com qualidade e que atendam as exigências contratuais, são colocadas aos dois, diariamente e de forma ininterrupta. Não se trata de um lote definido e acabado de um produto, mas sim, a prestação de um serviço que assume, para ambos, importância estratégica.
Na operação de compra e venda de “commodities”, isto é, de produtos ou serviços parecidos, semelhantes, comuns e que não têm qualquer (ou significativa) diferenciação, quando comparados aos demais concorrentes, o relacionamento empresarial, em quase toda a sua maioria, é estabelecido através de contatos momentâneos e que não ultrapassam o tempo exigido para a sua realização. Uma nova aquisição, mesmo que venha ocorrer num momento bastante próximo da anterior, exigirá um novo processo de seleção no qual o menor preço será o principal, e talvez, o único item do processo de seleção.
É sabido por todos aqueles que militam na logística, que se os operadores logísticos vieram para ficar, tornou-se imprescindível que eles se preparem para o futuro, uma vez que estarão num segmento de mercado extremamente diferenciado e com novas e mais complexas exigências. Já os tomadores de serviços, por sua vez, precisarão se adaptar a esse novo mercado e modernizar seus processos de compra, seleção e contratação, com o objetivo precípuo de garantirem a eficácia dessas aquisições.
Portanto, partindo-se da premissa de que a alta direção da empresa usuária de serviços logísticos já tenha tomada a decisão de terceirizá-los (5), é necessário que os demais departamentos e gerências da empresa aceitem essa decisão e considerem o operador logístico como um verdadeiro parceiro, por mais que esse termo possa estar desgastado.
Vale lembrar, uma vez mais, que a relação entre operador logístico e cliente será construída através da confiança, do comprometimento e da lealdade, pois um tomador de serviços logísticos somente terceirizará suas operações se tiver certeza que o operador a ser contratado, além da capacidade operacional e dos conhecimentos técnicos exigidos, tenha condições de entender e respeitar a cultura, os costumes e os ‘tempos’ do cliente, assim como das demais empresas que compõem a sua cadeia de fornecimento, abastecimento ou distribuição.
Considerando que a logística, como define o professor Ronald H. Ballou, da Weatherhead School of Management, de Cleveland, Ohio, EUA, “visa diminuir o hiato entre a produção e a demanda, de modo que os consumidores tenham bens e serviços quando e onde quiserem, e na condição física que desejarem”, os operadores logísticos, em contrapartida, precisarão ter claro que quaisquer erros que possam vir a cometer, em suas operações, comprometerão não somente os resultados de seus clientes, mas a sobrevivência dessas empresas (6).
A terceirização de serviços logísticos, como quaisquer outros serviços terceirizados, sempre gera resistências internas, mais ou menos intensas, pois a maioria das pessoas é refratária a mudanças, principalmente quando veem ameaçadas suas posições. Ademais, problemas e dificuldades trabalhistas e sindicais, também se farão presente. E mais do que isso, a avaliação do serviço adquirido e sua compatibilização com os cálculos do preço cobrado, nem sempre é fácil de ser feita, dificultando ainda mais sua aceitação. Maiores problemas ainda, quando notamos a imensa quantidade de serviços logísticos oferecidos no mercado atualmente, e com complexidade crescente.
Portanto, ao se decidir terceirizar as atividades logísticas da empresa, é preciso entender que o Operador Logístico:
• Nem sempre, no dia-a-dia, conseguirá manter os níveis de qualidade estabelecidos nos contratos;
• Em diversos momentos estará sem sugestões de melhorias e com pouca criatividade consultiva;
• Poderá ter dificuldades para manter-se atualizado, principalmente com relação aos avanços tecnológicos;
• Poderá ter, em determinados momentos, sua capacidade gerencial aquém das necessidades da operação e do cliente;
• Poderá, em face de diversas circunstâncias, não realizar exatamente o que foi prometido, principalmente no que diz respeito a custos;
• Terá dificuldades para construir relacionamento duradouro e confiável.
Não é à toa que os processos para selecionar um operador logístico estão cada vez mais rigorosos e compreendem um razoável conjunto de itens a serem atendidos, como comentado no artigo do último dia 20.
Uma vez terminado o processo de seleção e escolhido o novo operador logístico, é preciso, ainda, ter bastante cuidado na elaboração do correspondente contrato. Sempre em conjunto, frise-se, com a área jurídica da empresa. Dentre muitos, uma vez que cada contrato deve refletir aquela e tão somente aquela operação, a seguir listamos alguns dos itens que, sempre que possível, jamais poderão ser esquecidos (7):
- Definição clara do escopo contratual;
- Obrigações de contratante e contratado;
- Fluxo operacional e aspectos estruturais relevantes;
- Cronograma de todo o processo de implantação;
- Programa de comunicação que contemple, inclusive, a participação direta dos funcionários, da empresa contratante, envolvidos no processo de terceirização;
- Programa de gerenciamento de riscos e de proteção ao meio-ambiente;
- Nível de serviço e de segurança exigidos;
- Indicadores de desempenho e relatórios de acompanhamento;
- Programas de melhoria contínua e ganhos de produtividade;
- Procedimentos claros de premiações e penalidades sem, contudo, colocarem em risco a continuidade das operações;
- Preços, condições de reajustes, de faturamento e pagamento claros;
(evitar, quando possível, a utilização de tarifa única, na qual se misturam serviços cujos custos comportam-se de forma muito diferentes uns dos outros); - Programa de auditorias periódicas;
- Planos de contingência;
- Periodicidade das revisões contratuais.
Pesquisas realizadas por institutos de renome, e em todo o mundo, têm demonstrado que o prestador de serviços logísticos pode vir a ser um grande parceiro na cadeia de valores e que a terceirização logística, quando feita de forma estratégica, não só libera energias para que as empresas se dediquem com mais foco aos seus próprios negócios, como também ajuda no aperfeiçoamento das atividades de “supply-chain management” (8).
Portanto, se terceirizar é preciso, tomar o devido cuidado nos processos de compra, seleção e contratação do operador logístico, entendendo-o como uma empresa que presta serviços “tailor-made” (feito sob medida), é pressuposto fundamental e imprescindível.
(1) Dados relativos às pesquisas que culminaram com essas informações foram divulgados pela ABOL – Associação Brasileira dos Operadores Logísticos, através do livro “Operadores Logísticos – Panorama Setorial, Marco Regulatório e Aspectos Técnicos”, elaborado, publicado em 2015, em conjunto com a KPMG, Mattos Filho Advogados e Fundação Dom Cabral.
(2) “Diante desse cenário, parece estar em consolidação, por parte dos tomadores de serviços, a compreensão de que a compra de serviços logísticos é muito mais complexa do que a compra de “commodities”, enquanto os operadores, por sua vez, começam entender que é imprescindível oferecer serviços com custos competitivos, mas, sobretudo, com qualidade, excelência operacional, segurança, atitudes inovadoras e respeito à ética e ao meio ambiente”. Portal Guia do TRC de 20/09/2016.
(3) “Os tomadores de serviços estarão dispostos a terceirizar suas atividades, inclusive aquelas mais complexas, mesmo com preços maiores, posto que o relevante a ser considerado, e que de fato é o que justificará a terceirização, são os benefícios que essa contratação poderá gerar. Portal Guia do TRC de 20/09/2016..
(4) Pode-se deduzir diante desses resultados que, embora os preços dos serviços a serem contratados tenham relevância quase que fundamental na escolha de um operador logístico, variáveis relativas à qualidade, à excelência operacional, à segurança, à garantia de entrega desses serviços, ao relacionamento e à ética, também passaram a ter suas importâncias aumentadas e consideradas. Portal Guia do TRC de 20/09/2016.
(5) “Terceirizar é transferir a terceiros, atividade ou departamento que não faz parte de sua linha principal de atuação” (Dicionário Aurélio). Terceirização é a “forma de organização estrutural que permite uma empresa transferir para outra, suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura operacional, diminuindo custos, economizando recursos e desburocratizando a administração (Houaiss)
(6) Imagine o que aconteceria a uma empresa, vendedora de brinquedos para crianças, caso o abastecimento de sua rede de distribuição fosse abastecida com atraso, isto é, sem condições de atender o “Dia das Crianças” ou o “Natal”. Nem toda a eficiência, baixo custo e integridade da carga, obtidos, poderão compensar o fato de não se ter os brinquedos disponíveis nas datas combinadas? O operador logístico perderá seu cliente. Mas a empresa de venda de brinquedos perderá, sem dúvidas, “toda” a sua clientela.
(7) Assunto tratado no texto “O momento econômico e os operadores logísticos”, aqui mesmo no Portal Guia do TRC de novembro de 2015.
(8) ”Supply Chain Management” (SCM) é um processo de integração dos processos do negócio desde o usuário final até os fornecedores originais que proporcionam os produtos, serviços e informações que agregam valor para o cliente (The International Center for Competitive Excellence – 1994). “O objetivo do SCM é diminuir o total de recursos necessários para proporcionar o nível exigido de serviço ao cliente em um dado segmento” (Administração Estratégica da Logística, de Lambert, Stock e Vantine - 1998).
* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.