Não viver de forma alienada exige que as pessoas se mantenham minimamente informadas. Consequentemente, a leitura de livros e jornais e o acompanhamento de alguns dos principais noticiários da TV, do rádio e da internet, transformaram-se em atividades rotineiras da maioria da população mundial. Até porque a facilidade de acesso também é cada vez maior, permitindo que a qualquer momento e em qualquer lugar, as pessoas estejam rapidamente em contato com tudo o que está acontecendo. As novas tecnologias de informação e comunicação, com alcance global e extrema velocidade, difundem acontecimentos de forma instantânea, automática e em grande quantidade. Boas ou não, corretas ou não, fidedignas ou não, falsas ou não, todas as informações e notícias transitam livre e rapidamente pelo sistema instalado. E por ser impossível estar a par e gostar de tudo, a seleção é inevitável.
Seleção que se faz necessária, inclusive, diante das bobagens que diariamente são divulgadas ou postadas, da superficialidade com que são tratados assuntos sérios ou da demasiada profundidade com que se discutem assuntos banais. Aliás, a audiência dada por uma sociedade, para determinados assuntos é a clara indicação daquilo que é importante para essa sociedade. A lista de assuntos bobos e fúteis que tomam conta de grande parte da mídia todos os dias é imensa e não vale à pena, aqui, maiores aprofundamentos.
Mas é exagerado o sensacionalismo que se dá a determinados noticiários, de uma forma geral, assim como é demasiada a quantidade de notícias veiculadas sobre futilidades e ‘coisas’ sem importância que visam, tão somente, a mercantilização de produtos e a promoção pessoal. A falta de pudor e de desrespeito aos leitores, telespectadores e ouvintes, com as exceções de sempre, tem sido o tom geral, numa demonstração quase inequívoca, principalmente no caso do Brasil, de que grande parte de nossos governantes, políticos, intelectuais e imprensa, trabalham fortemente com o objetivo de transformar os brasileiros em idiotas. Pelo menos parece que é assim que eles consideram uma parte significativa da população do País.
Para os políticos, então, a tentativa de fazer seus eleitores de bobos é insuperável. Na busca de resolver somente seus próprios problemas, e nunca os principais problemas nacionais, e sem qualquer constrangimento, a maioria dos políticos mente com uma “cara-de-pau” e com uma desfaçatez que, caso não se esteja preparado, passa-se a acreditar em qualquer coisa. O período eleitoral, então, é uma festa. O exemplo da última eleição presidencial demonstrou a que ponto se pode chegar (1).
Mas há outros exemplos. Cito apenas dois dos mais recentes: (i) políticos e empresários falando sobre o “legado” que a Copa do Mundo e as Olimpíadas deixarão para o Brasil, e (ii) os motivos pelos quais se deveria ou não aprovar o impeachment da ex-presidente Dilma. Este último caso, então, foi um primor.
Como se percebeu, em momento algum das discussões realizadas sobre o possível legado que obras esportivas poderiam gerar, houve real preocupação – mínima que fosse – no atendimento de qualquer das inúmeras necessidades que aflige diariamente a população brasileira, notadamente aquela mais pobre. O ‘contorcionismo oral’ para justificar as obras, principalmente aquelas que não implicavam em instalação ou aperfeiçoamento de infraestrutura, foi condizente com as melhores atuações teatrais e digno de premiação. Alguém já imaginou, por exemplo, quais seriam os “legados” se todo o recurso dispendido nessas duas ‘festas’ fosse utilizado na construção de hospitais, postos de saúde, escolas, creches e infraestrutura? A quem, de fato, interessava a realização desses eventos e a quem eles beneficiam?
Observação: a maioria das obras realizadas e os eventos, propriamente dito, foram realizados de forma satisfatória e corresponderam às melhores expectativas. Uma vez convidados representantes de todo o mundo para participarem dessas festas aqui no Brasil, restava-nos fazer o melhor. E se fez! O que aqui se discute, é o momento e a situação brasileira atual, caracterizada pela total falta de recursos, aliás, como demonstram as contas públicas do governo brasileiro, para outras obras muito mais necessárias e, alguns casos, imprescindíveis, como são aquelas, por exemplo, voltadas à educação e à saúde.
No caso do impeachment, que teve transmissão ao vivo, quais eram os verdadeiros objetivos dos políticos que, exaustivamente, um-a-um, ocuparam a tribuna ou o microfone mais próximo? Como sempre, excetuando-se alguns poucos, a maioria dos políticos, de forma arrogante, como dona da verdade e da virtude, num cansativo teatro de revezamento, discursava para plateias específicas. Com estudados jogos de cena e demagogia, atuavam por eles mesmos e na defesa de seus próprios interesses ou de minorias que, sem qualquer dúvida, não representam a maioria da população brasileira.
É sabido que, mesmo sobre as mesmas e até verdadeiras informações, as pessoas discordam do seu significado e têm compreensões diferentes, seja por ignorância, por conveniência ou mesmo má fé. Imaginem o nível e a quantidade de divergências existentes quando a análise que se faz está baseada em informações mentirosas, pela metade ou dúbias (2)?
É óbvio que isso faz parte da democracia e as discussões, quando pertinentes, bem elaboradas e esclarecedoras, aperfeiçoam o processo. Porém, como comentado pelo Estadão deste último sábado “há um limite para tudo, inclusive para a tolerância em relação ao comportamento político”, posto que “a consciência popular” permite aos seres humanos, possibilidades “de se dar conta, parafraseando Abraham Lincoln – de que alguns podem ser enganados todo o tempo, todos podem ser enganados por algum tempo, mas é impossível enganar a todos, por todo o tempo”. Até os livros que tratam da comunicação empresarial alertam sobre a impossibilidade de se manter determinados segredos por muito tempo. Muito menos, ainda, aqueles ligados à realização de “coisas erradas” ou “malfeitos” (3).
Ao mesmo tempo nos damos conta, como demonstram recentes pesquisas, que mais de 13 milhões de brasileiros são analfabetos. Imagine-se, portanto, considerando as circunstâncias de nosso País e o que aqui já foi dito, o que não se pode fazer com um bom marketing, bons discursos e mentiras repetidas diversas vezes, até que a ‘consciência popular’ apareça? Utilize-se o mesmo raciocínio para as épocas de eleições (4)!
Por outro lado foi divulgado, na semana passada em Buenos Aires, os resultados do Informe 2016, elaborado pela Corporação Latinobarómetro (5). Dados coletados entre os dias 15/05 e 15/06, junto a mais de 20 mil pessoas de 18 diferentes países, dão conta que apenas 32% dos brasileiros se mostraram de acordo com a democracia, diante da afirmação de que “a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”. Uma, das outras opções, era que “em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível”. Ainda, segundo o jornal, o apoio à democracia no Brasil teve queda de 22 pontos percentuais no último ano, alcançado a segunda maior queda entre os países pesquisados. Menos mal que a pesquisa indica os brasileiros como aqueles “que mais pregam a obediência às leis como princípio absoluto (75%)” e que os meios de comunicação “fazem um trabalho muito bom ou bom” (82% contra uma média entre os países pesquisados de 68%).
Particularmente, e ainda considerando os últimos acontecimentos pós-impeachment, entendo que os resultados da pesquisa citada são, para todos nós brasileiros, um alerta, pois a Democracia ainda é a única forma de governo na qual o poder supremo é do povo e, através dos representantes eleitos, em seu nome é exercido. Tocqueville (6), dizia que “a Democracia visa à igualdade na liberdade”. Ao contrário disso, um governo ditatorial ou déspota, tem poder absoluto e o exerce como lhe convier. “O maior mal é um governo sem limite”, sentenciou Friedrich Hayek (7). “Um governo grande o suficiente para lhe dar tudo o que você quer é forte o bastante para tirar tudo o que você tem”, complementou Gerald Ford (8).
Mesmo sabendo que ainda teremos que ler notícias que não nos agradam, é imprescindível que nos informemos, mais e melhor. A informação nos leva ao conhecimento, esta nos tira da ignorância e da alienação e, consequentemente, da idiotice. A partir daí poderemos 'tomar partido', de forma consciente e coerente.
Martin Luther King dizia que “nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera”.
Todos nós sabemos que o Brasil vive uma crise sem precedentes, agravada pelo excesso de informações falsas, distorcidas, mentirosas e que são divulgadas a todo o momento. Daí ser fundamental, via educação, da informação e do conhecimento, aumentar e melhorar a participação de cada brasileiro na vida nacional.
Mesmo que a mentira, a hipocrisia e a idiotice ainda façam parte da vida de muitos, mesmo que outros ainda permaneçam insistindo na manutenção de um sistema político atrasado, cujo objetivo maior é manter a população distante da verdade e sem condições de influir coerente e corretamente no processo, a Democracia é o único caminho conhecido e que busca minimizar, com liberdade, as distorções naturais de uma sociedade.
(1) “As campanhas presidenciais estão prestes a se tornar disputas midiáticas entre operadores da internet altamente especializados. O espaço que no passado já foi ocupado por debates substantivos a respeito do conteúdo de políticas de governo acabará reduzindo candidatos a porta-vozes de esforços de marketing realizados por métodos cujo caráter invasivo teria sido considerado, na geração passada, tema de histórias de ficção científica” (Ordem Mundial, Henry Kissinger, Editora Objetiva, 2015).
(2) “As causas desses conflitos (no interior ou entre sociedades) não têm se limitado à inexistência de informações ou à incapacidade de compartilhá-las”. Eles têm surgido porque, “embora diante da mesma fonte de material a ser examinada, indivíduos têm discordado sobre seu significado ou sobre o valor subjetivo daquilo que ela descreve”. “Nos casos em que valores, ideais ou objetivos estratégicos estão em contradição fundamental, a exposição e a conectividade podem finalmente tanto alimentar confrontações como amenizá-las”. (Ordem Mundial, Henry Kissinger, Ed. Objetiva, 2015).
(3) “Esconder ou minimizar os fatos, mentir sobre os fatos ou tentar manipulá-los é uma prática que perdeu força e é um dos pecados capitais que a sociedade mais rejeita e condena”. “As palavras são armas potentes contra a ignorância, a prepotência e a mentira. São ferramentas úteis para tornar visíveis fatos positivos e compromissos éticos” (Comunicação Empresarial de A a Z”, Francisco Viana, 2004).
(4) Este assunto foi abordado por mim no artigo “Pragmatismo Eleitoral e Marketing Político: Crimes contra o País?”, publicado dia 17/08/2016 no Portal Guia do TRC.
(5) Algumas das conclusões da pesquisa: “As percepções sobre economia são de agitação na América Latina, não nos níveis vistos na primeira metade da última década, mas com tendência crescente. Dados de 2016 refletem uma baixa em satisfação econômica, em ingresso de renda e em otimismo econômico, bem como um aumento na insegurança no trabalho, a falta de comida e pessimismo econômico. Esses fatores, somados à queda de apoio à democracia, à manutenção, sem grandes alterações, do autoritarismo político, bem como o surgimento da corrupção como problema principal em vários países e o aumento da violência e a sua conscientização, em suas múltiplas formas, levam à conclusão de que o ano de 2016 combina elementos negativos que se fortalecem em matéria política e econômica” (Informe 2016, elaborado pelo instituto de pesquisa chileno, Corporação Latinobarómetro).
(6) Alexis de Tocqueville (1805-1859), francês nascido em Paris, foi morar nos Estados Unidos e escreveu seu famoso livro “Da democracia na América” (1840). “A democracia visa à igualdade na liberdade. O socialismo deseja a igualdade na limitação e na servidão”. Apesar de acreditar na Democracia, Tocqueville alertava para alguns perigos, tais como o materialismo e o excesso de individualismo (O Livro da Política, Editora Globo, 2013).
(7) Friedrich Hayek (1899-1992), nascido em Viena, na Áustria, formado em economia, lecionou na School of Economics de Londres e na Escola de Chicago. Escreveu, em 1960, “The constitution of liberty” (O Livro da Política, obra já citada).
(8) Gerald Ford (1913-2006), foi o 38º presidente dos Estados Unidos da América.