Como está cada vez mais claro, o estrago feito pelo governo Dilma foi grande demais. Além de uma das mais prolongadas recessões vividas pelo Brasil, o caos instalado é total e em todos os setores. Como escrevi em artigo no final do mês de maio, “andamos para trás”. Mas pior do que isso é que nosso País, além de estar mais pobre, passou a contar com uma estrutura governamental incompetente, perdulária e com enraizados vícios ideológicos, nos quais, infelizmente, o que menos importa são eficiência e honestidade.
Em face da inflação, do desemprego e dos péssimos serviços públicos prestados, em todas as esferas de governo, muito do que se conquistou anteriormente está sendo perdido e a população de baixa renda ficou ainda mais desamparada, na medida em que ela também não se vê atendida nos itens mais elementares da vida minimamente digna e civilizada, tais como, e principalmente, saúde, educação e segurança.
E se não bastassem todos esses erros, e além do crime de responsabilidade fiscal, o desgoverno do PT e da Dilma também foi responsável pelos maiores escândalos de corrupção já ocorridos em toda a história brasileira e, sem dúvida, dos maiores do mundo.
Há que se incluir, também, a péssima situação na qual vive a política brasileira atual, que, com base na máxima “é dando que se recebe”, transformou os governos em balcões de negócios e os executivos de plantão, em todas as esferas, em reféns de legislativos apenas interessados em si mesmos e, portanto, mais distantes da população e da própria realidade. É impressionante observar a “fome” dos senhores parlamentares, de todos os partidos, por verbas e cargos da administração pública, mesmo neste momento difícil da vida nacional. Aliás, as aprovações de leis e de reformas que são de interesse do Brasil (agora mais do que nunca) e a decisão final sobre o afastamento de Dilma, prevista para meados de setembro, têm aumentado ainda mais o poder de barganha dos partidos e políticos brasileiros junto ao governo provisório!
Portanto, uma vez finalizado o processo de afastamento da Dilma (é impossível acreditar que o Senado da República tenha alguma outra opção), encaminhar soluções para os diversos problemas do Brasil, neste delicadíssimo momento, não será uma tarefa fácil, embora seja uma grande oportunidade para Michel Temer (1).
Acredito que o senhor Temer, neste momento ímpar de sua vida, não deveria almejar mais nada, seja como ser humano ou político, a não ser exercer seus dois anos e meio de mandato na Presidência da República, da melhor forma possível, isto é, a favor do Brasil e dos brasileiros. Falar clara e objetivamente, para toda a população, que não mais irá disputar eleições legislativas é fundamental.
Mas está evidente, também, que Michel Temer não desfruta da confiança da maioria dos brasileiros, posto que, direta ou indiretamente, ele participou dos governos petistas, seja como vice-presidente da República ou como presidente do principal partido da base de apoio, o PMDB. E será visto com desconfiança ainda maior, posto que qualquer progresso que se obtenha, consequência das eventuais “novas políticas”, será lento e pouco visível para a maioria da população. Imagine-se então, a que grau essa desconfiança ele poderá chegar, considerando que “remédios amargos” ainda serão necessários! O exemplo da Previdência fala por si só.
E é quase impossível imaginar o que ocorrerá, num futuro próximo, considerando-se que o PT e seus grupos de apoio, contrários ao impeachment e ao seu governo, deverão continuar protestando nas ruas dispostos e a dificultar ainda mais.
Parece claro, por outro lado, que o maior desafio econômico do momento é a equalização das contas (2) e da dívida (3) públicas, pois isso está inibindo o próprio governo, sempre o maior investidor da economia, a reagir de forma contundente e, até mesmo, com eficácia. Mas o equilíbrio fiscal, além de necessária sob o ponto de vista econômico, é fundamental para que se conquiste a confiança dos investidores, principalmente aqueles do mercado produtivo.
Ao se comentar a crise nas contas públicas, deve-se fazer uma justa observação: além do governo federal, a maioria dos governos estaduais e municipais brasileiros, também contribuiu, e muito para esse desastre. Segundo o economista Raul Velloso, estudioso do assunto, “os gastos com pessoal e serviço da dívida extrapolam os limites desejáveis para manter as contas em dia”. Dados do Ministério do Planejamento dão conta que, em 2015, o gasto com funcionário público chegou a 5,3% do PIB, o maior desde 1995. Segundo informações da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), até abril de 2016, 22,5% das prefeituras haviam ultrapassado o limite estabelecido pela LRF, que é de 60% das receitas líquidas com a folha de pagamento. Reportagem da jornalista Alexa Salomão, do Estadão deste domingo, e com base nas informações obtidas junto ao Ministério da Fazenda e ao Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal / STN (Secretaria do Tesouro Nacional), indica que as despesas com pessoal dos Estados, cresceram R$ 100 bilhões, de 2008 até 2015. Já haviam crescido R$ 74 bilhões entre 2000 e 2008.
Talvez seja esse motivo pelo qual grande parte dos nossos governadores de Estado (4) tenha se “calado” a respeito do impeachment da Dilma, enquanto todo o Brasil se movimentava a favor. E esses governadores ainda querem transformar seus contratos de emprestimos, junto ao governo federal, de juros compostos para juros simples. Isto resultará em ‘jogar’ nas costas do Tesouro Federal, de acordo com cálculos feitos por Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, cerca de R$ 313 bilhões.
Maílson da Nóbrega, em artigo na Revista Veja desta semana, também comentando sobre a crise financeira dos Estados e Municípios (“Estados Incontroláveis”), não deixa por menos: “É preciso criar limites severos e incontornáveis a gastos estaduais e municipais”. “Caberia, ainda, criar fortes restrições ao endividamento estadual e muncipal”.
As necessidades são imensas e as mais diversas possíveis (5), mas será obrigatório que se estabeleçam prioridades e se recomponha a moralidade no trato da ‘coisa pública’, através da manutenção da operação Lava Jato e da instalação de auditorias específicas, notadamente nos casos do BNDES, dos Fundos de Pensão e dos ‘fantasmas’ do Incra, do Bolsa Família e do Funcionalismo.
Portanto, mesmo que o Sr. Temer não seja o presidente dos nossos sonhos, mas considerando que a solução constitucional e o respeito ao Estado de Direito estão dados, é preciso desenvolver um pacto entre todas as lideranças nacionais para apoiá-lo, tanto na elaboração como na execução de um programa que contemple os pontos, ou pelo menos uma parte, aqui mencionados. Um programa que restabeleça a confiança no País e na sua gente, que seja convergente (para todos os brasileiros e sem revanchismo), simples (é impossível resolver tudo neste curto mandato), transparente (claro e com ampla difusão) e objetivo (que priorize os principais problemas brasileiros, notadamente, a geração de empregos, o equilíbrio fiscal, a retomada do crescimento econômico e a reforma política). Reportagem do Valor Econômico, desta segunda-feira, já dão mostras de que Temer deverá trabalhar nessa direção (7).
Desta forma, mesmo que involuntariamente estejamos ajudando Temer a reescrever sua biografia (e espera-se que para melhor), todos nós estaremos, de fato, ajudando o Brasil a sair da armadilha na qual se encontra atualmente, e a criar melhores condições para o futuro. Caso contrário, o empobrecimento deste País será ainda maior e as consequências imprevisíveis.
(1) Há que se ressalvar que o Temer substituirá a Dilma na Presidência da República, por dois justos e corretos motivos: por causa do próprio PT, que o colocou como vice na chapa eleitoral de 2014, e porque, como prevê a constituição brasileira, no caso de vacância da presidência do País, em face de seu impeachment, o substituto imediato é o vice-presidente.
(2) O déficit primário do governo, em 2015, foi de R$ 115 bilhões, já incluindo R$ 57 bilhões das ‘pedaladas fiscais’ de 2014. O déficit nominal (que inclui os juros e as amortizações) chegou a R$ 531,2 bilhões, segundo dados do Tesouro Nacional. Para este ano o novo governo, ainda provisório, estimou um déficit primário de R$ 170,5 bilhões e um déficit nominal de, aproximadamente, R$ 720,5 bilhões, caso o montante de juros e amortizações seja de R$ 550 bilhões. Como se vê, embora pouco se fale a respeito, a conta juros e amortizações também precisa ser reduzida, pois em 2015 ela consumiu 8,5% do PIB (R$ 502 bilhões). Segundo informações do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, publicadas no Estadão de 29/05/16, os juros brasileiros em 2015, com relação ao PIB representaram 4,62%. Em Portugal eles representam 4,11%, na Itália 4,02% e na Grécia 3,61%.
(3) A dívida pública em 2014 era de R$ 3,3 trilhões (57,2% do PIB), em 2015 foi para R$ 3,9 trilhões (66,5% do PIB) e em 2016 poderá chegar a R$ 4,6 trilhões (80,3% do PIB). O rápido crescimento da dívida pública fez com que o governo passasse a gastar cada vez mais com juros e amortizações (US$ 416 bilhões em 2015 e que representaram 10,8% do PIB), intranquilizando os agentes econômicos e dificultando a diminuição da própria taxa de juros, que tão mal faz aos devedores, como bem faz aos credores. E tudo isso num momento no qual, além de ter pouca eficiência, aumentar impostos é contrário ao desejo de expressiva maioria da sociedade brasileira. O tamanho da carga tributária brasileira atual não tem estimulado, de forma eficiente, o crescimento da economia e, sem dúvida, causará mais problemas no longo prazo. O sistema tributário atual, complexo, burocrático, oneroso e injusto, tem estimulado a informalidade, a sonegação e a queda de competitividade das empresas brasileiras. O simples aumento da carga tributária manterá esse processo perverso e, como consequência, diminuirá a eficiência do tributo como instrumento de política econômica e de incentivo à produção. O peso do governo em nossa economia é bastante exagerado se considerarmos que além da carga tributária, de 36% do PIB, há um déficit orçamentário de 10%. Isto é, o governo brasileiro atual administra 46% de tudo o que é produzido no Brasil. Há estudos que mostram a faixa percentual entre 33% e 35% do PIB, como limites máximos, posto que, a partir dessa faixa, a queda das atividades econômicas é iminente, o pagamento de tributos em dia, também diminui, e quedas ainda maiores da arrecadação, passam a ser simples consequências.
(4) As despesas do governo federal representam 36% do total das despesas públicas, enquanto que Estados e Municípios representam os 64% restantes. É óbvio que a situação crítica pela qual passa a maioria dos Municípios, deve-se à baixa arrecadação do governo federal e aos erros cometidos pela política de desoneração do PT. Informações da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o Fundo de Participação dos Municípios (o FPM é constituiído por parcelas das arrecadações do IPI e do IR), em 2015, teve queda real de 2,3%, se comparado com o ano anterior. Pior do que isso: no primeiro quadrimestre de 2016 já caiu outros 13,7%. Estimativas do CNM dão conta de que, entre 2008 e 2014 o FPM perdeu R$ 165 bilhões!
(5) Reformas Política (6), na Previdência e nas leis trabalhistas, controle do gasto Público e contingenciamento das despesas obrigatórias, diminuição e seletividade de isenções tributárias, diminuição do papel do Estado, enxugamento e aumento da produtividade da máquina pública, privatizações, estabelecimento de regras claras para as PPP e os programas de concessões, simplificação tributária, investimentos em infraestrutura, maior abertura da economia e melhorias nos programas de financiamento do comércio exterior, fortalecimento das agências reguladoras, diminuição do custo Brasil etc.
(6) No Estadão deste domingo, Dora Kramer comenta (“Quando setembro vier”) decisão do governo Temer, assim que assumir em caráter definitivo, concentrar-se em dois pontos importantes sobre mudanças nas regras eleitorais: “fim das coligações em eleições proporcionais (deputados e vereadores) e imposição de um patamar de votos a serem obtidos nas urnas para que as agremiações tenham acesso ao dinheiro do Fundo Partidário e ao horário eleitoral no rádio e na televisão, a chamada cláusula de barreira”. É um avanço, embora ainda tímido.
(7) O Valor Econômico de hoje informa que o Temer está preparando um projeto que estabelece as prioridades de seu governo assim que se tornar efetivo. Segundo o Valor Econômico, essas prioridades foram “agrupadas em cinco eixos: econômico (reequilíbrio fiscal, melhoria do ambiente de negócios, reforma previdenciária e reforma trabalhista); infraestrutura (programa de concessões, privatizações e atração de investimentos); social e cidadania (pacto social pelo emprego, progrma fazer mais com menos na Saúde, salto de qualidade e gestão na educação, melhora das políticas de transferência de renda); reconeção do Brasil com o mundo (gestão de crise, emergência e grandes eventos); e gestão pública (programa de modernização do Estado e programa nacional anticorrupção)”.
* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.