Infraestrutura logística brasileira: desafio e solução*                    

Publicado em
13 de Junho de 2016
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Como consequência do aumento na movimentação de produtos entre os centros produtores e consumidores, sejam de um mesmo país ou entre eles, os gastos logísticos vêm crescendo em todo o mundo. As operações estão cada vez mais complexas e com graus de dificuldades cada vez mais elevados para sua eficiente realização. Velocidade, qualidade, integridade e baixos custos são algumas das exigências do momento atual, obrigando que se realizem operações logísticas cada vez sofisticadas.

As atividades logísticas têm crescido de importância na medida em que os mercados se expandem e os consumidores comportam-se de forma cada vez mais exigente. Novos mercados surgem em regiões que, até então, não constavam no mapa de prioridades, de governos ou de empresas. Em todo o mundo, milhões de novos consumidores e fornecedores são incorporados ao mercado todos os anos, completando um quadro desafiador para os profissionais da logística.

Não há dúvidas, portanto, que o aumento de volume, o alcance de regiões mais distantes e de difícil acesso, caminhos mais longas e o aumento na diversidade da documentação correspondente, que precisa estar de acordo com as leis, os costumes e as culturas de cada uma das regiões atendidas, têm exigido operações logísticas mais complexas. Ronald H. Ballou, já em 2006, chamou esse fenômeno de 4D (1).

Em função disso a logística, que sempre teve como missão, entregar o produto certo, na quantidade certa, no lugar certo, no tempo certo e com o menor custo possível, agora, diferentemente de épocas passadas, foi integrada nas estratégias empresariais e governamentais. As atividades de planejamento e de execução, bem realizadas, além de diminuir os custos de movimentação, possibilitam, a empresários e governos, acesso a novos mercados de insumos e produtos, ajudam a alavancar a força do marketing, a explorar mercados mais distantes, a agregar valor ao produto, a gerar satisfação ao cliente e a promover o desenvolvimento econômico (2).

O resultado natural de tudo isso é que aumentaram, de forma extraordinária, as movimentações nas estradas, ferrovias, portos, aeroportos, armazéns, centros de consolidação e distribuição e aduanas, solicitando, quase que de forma automática, providências mais eficazes e urgentes, sejam na infraestrutura de transporte, nos sistemas de comunicação e informação, ou nas organizações das empresas, tomadoras ou prestadoras dos serviços logísticos.

Por outro lado, muito embora se reconheçam os esforços no sentido de se organizar e controlar eficientemente os investimentos  direcionados para a infraestrutura logística, esta última, como comprovam diversas pesquisas, não têm conseguido estar à altura das reais necessidades de movimentação de mercadorias em todo o mundo (3). O caso brasileiro é um notável exemplo disso, pois nossas atividades comerciais, tanto aquelas voltadas para o mercado interno como aquelas voltadas para o mercado externo, ainda carecem, e muito, de operações mais eficazes e infraestrutura logística mais eficiente.

O Brasil, além da enorme burocracia estatal e das dificuldades para elaborar projetos de indiscutível qualidade, ainda conta com limitações orçamentárias – agora mais do que nunca – bastante significativas. Ou seja, o Brasil ainda continua investindo mal e aquém das suas reais necessidades (4).

A queda nos investimentos e a falta de uma política clara para os investimentos em infraestrutura logística foram assuntos abordados por mim em dois artigos publicados na Revista Mundo Logística:  “A Política Econômica e a Infraestrutura Logística”, edição de janeiro de 2014 e “Infraestrutura e Multimodalidade: Exigências da Moderna Logística Brasileira”, edição de agosto de 2015.

Dados relativos ao primeiro semestre de 2015 sobre o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) também não são nada animadores, pois de acordo com reportagem do Estadão (Edição de 09/01/2016), dos 37.627 empreendimentos previstos, apenas 3.358 foram concluídos, ou seja, 8,9%. 10.878, ou 28,9% estão nas fases iniciais; 7.699 (20,5%) em preparação; 189 (0,5%) em contratação; 2.644 (7,0%) em licitação; 346 (0,9%) em fase de projeto; e 33,3% (12.513) ainda não saíram do papel.

É óbvio que a situação econômica do Brasil, por todo o ano de 2015, não contribuiu para que investimentos, não só em infraestrutura logística, fossem realizados. Nem o PIL, Programa de Investimentos em Logística, em sua 2ª fase, com fortes apelos mercadológico e propagandístico do governo federal, conseguiu realizar o que estava previsto (5). Recessão econômica intensa, déficit orçamentário acima das expectativas e a substituição do ministro Joaquim Levy por Nelson Barbosa, que não conseguiu inspirar confiança junto aos principais investidores do setor, eram alguns dos motivos.

Mas é imperioso reverter esse quadro e voltar a investir. Não só porque a infraestrutura é imprescindível no aumento da eficiência e na diminuição dos custos da produção, mas porque esse tipo de investimento colabora diretamente com o crescimento da economia, seja através da viabilização das atividades de comércio ou como fonte para a geração de empregos e rendas. “Além de manter um transporte de má qualidade e uma oferta restrita de serviços públicos, o baixo investimento no setor representa menos emprego e renda para a população e menos dinheiro nos cofres do governo”, comenta o jornalista Renée Pereira em artigo escrito para o Estadão de 05/05/16 e com base nos estudos feitos pela Consultoria GO Associados.

O gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, por diversas vezes, em palestras e seminários, têm comentado sobre frustração de empresários quanto à realização, pelo poder público, dos investimentos necessários à melhoria da infraestrutura no Brasil.

Com relação aos impactos negativos para o comércio, consequência da precariedade de nossa infraestrutura logística (6), cabe ressaltar os estudos feitos pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). Segundo aquela entidade, e de acordo com a reportagem realizada pela jornalista Kamila Donato (Guia Marítimo News de março de 2016), “cerca de US$ 1,5 bilhão em produtos manufaturados, como carros, têxteis e alimentos, deixam de entrar na conta de comércio com os países vizinhos por causa das péssimas condições de infraestrutura, seja em rodovias, portos ou ferrovias”. Há que se considerar que aproximadamente 16% de nossas exportações (US$ 31,1 bilhões em 2015) destinam-se a países sul-americanos.                             

Os estudos da CNI mostram, ainda, que as exportações brasileiras para a América do Sul, com exceção do Equador e da Bolívia, tiveram desempenho negativo se comparados com os seus verdadeiros potenciais. Esses potenciais são calculados levando-se em consideração a distância e o tamanho dos mercados. Em 2014, do total dessas exportações, 53% foram através do transporte marítimo, 39% por transporte rodoviário e 5% pelo transporte aéreo.

O quadro a seguir ilustra esse baixo aproveitamento do potencial existente, entre o Brasil e os países da América do Sul, em face da “limitada e deficiente” infraestrutura brasileira de logística. Mais detalhes podem ser encontrados na íntegra do trabalho elaborado pela CNI: “Desafios para a Integração Logística na América do Sul”.

                                      

Ainda, segundo esses estudos, “a integração física da América do Sul é assunto antigo entre os governos do continente, tendo inclusive resultado em uma carteira de 31 projetos prioritários, que somam um investimento estimado em US$ 21 bilhões, além de outros projetos individuais e menores. Desses empreendimentos, nenhum está concluído. Atualmente, 15 estão em fase de execução e 16 sequer começaram a ser construídos. As deficiências nas malhas de ligação e nos serviços logísticos sul-americanos prejudicam o Brasil, principalmente reduzindo a capacidade de exportação. Para lidar com essas barreiras logísticas no comércio intrarregional as empresas adotam soluções que às vezes são a segunda ou terceira melhor opção, em que o custo logístico é significativamente incrementado”. (02/03/2016 – matéria da jornalista Kamila Donato para o Guia Marítimo News). A Confederação Nacional dos Transportes (CNT), por exemplo, calcula que a má qualidade das rodovias brasileiras (nas quais trafegam mais de 60% do total de cargas movimentadas no Brasil) é responsável por aumento superior a 30% no custo operacional para o escoamento dos grãos!

Todos aqueles que operam ou se utilizam da logística, mesmo considerando o difícil momento atual, precisam pressionar o novo governo e outros que virão, para que os investimentos de ampliação e melhoria da infraestrutura logística sejam transformados em políticas de Estado, pois a falta deles, ou com alguns realizados para a consecução de objetivos duvidosos ou sem visão de futuro, continuarão gerando graves problemas para nossa economia, para nossas empresas e mantendo nosso País no atraso.

(1) O Professor Ronald H. Ballou, (Weatherhead School of Management, Case Western Reserve University, de Cleveland, Ohio/EUA), chamou a atenção para esse fenômeno, batizando-o de 4D. Distância (mais longa), Demanda (maior), Diversidade (mais culturas diferentes) e Documentação (mais complexa e com exigências diferentes).

(2) “Portanto, o diferente nestes últimos anos é que, além de se buscar soluções logísticas mais inteligentes para diminuição dos gastos (ou custos) logísticos, passou-se a discutir sobre a importância estratégica da logística, na medida na qual ela pode propiciar, para empresas e países, vantagens competitivas imprescindíveis”, foi minha conclusão quando escrevi, aqui mesmo, em janeiro deste ano, o artigo “Os novos papéis da logística no cenário mundial”.

(3) Estudos sobre as necessidades de infraestrutura em todo o mundo, publicados pelo BCG Perspectives (Ross Love, Alex Macoun e Glenn Goldsmith) em novembro de 2014, dão conta que “o ‘gap’ existente entre a necessidade projetada, para todo o mundo, de investimentos em infraestrutura, até 2030, é de US$ 25 trilhões”. Este número foi calculado com base na estimativa de que será necessário investir, até 2030, entre US$ 60 trilhões e US$ 75 trilhões e que os governos, diante das dificuldades com suas respectivas “contas públicas”, poderão investir no máximo US$ 50 trilhões. Problema para quase todos os países do mundo!

(4) Livro organizado por Armando C. Pinheiro e Cláudio R. Frischtak (“Gargalos e soluções na infraestrutura de transportes” – Editora IBRE/FGV) e publicado em 2014, já demonstrava que “há três décadas investimos pouco mais de 2% do PIB em infraestrutura, uma fração do que fazem alguns de nossos concorrentes diretos no mercado internacional e alguns países da América Latina (onde essa taxa está na faixa de 4% a 8% do PIB), e abaixo do mínimo necessário para repor a depreciação do capital fixo per capita no setor, estimado em 3% do PIB”. A China tem investido cerca de 7,5% a 8,5% do PIB em infraestrutura logística, enquanto a Índia, outro país pertencente ao grupo BRIC’s, cerca de 4,7%!

(5) PIL² (2ª fase do Programa de Investimento em Logística), de junho de 2015, previu investimentos na ordem dos R$ 198,4 bilhões, aplicados entre 2015 a 2018: rodovias (R$ 66,1 bilhões), ferrovias (R$ 86,4 bilhões), aeroportos (R$ 8,5 bilhões) e portos (R$ 37,4 bilhões). Em face da necessidade de se buscar o ajuste fiscal, o governo federal, segundo divulgado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), ainda no último dia 28, reduziu em 11,8%, para o ano de 2016, os investimentos destinados à infraestrutura de transporte.

Balanço do PIL relativo às metas estabelecidas para os anos de 2015 e 2016, feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 11/04/2016 (Natália Pianegonda da Agência CNT de Notícias) indica que, até agora, nenhuma concessão foi realizada. RODOVIAS: Das 15 concessões rodoviárias previstas, num total de quase sete mil quilômetros, nenhuma realizada. As quatro de 2015 estão em fase de audiência pública, no TCU (Tribunal de Contas da União) ou aguardando lançamento do respectivo edital. Dos 11 leilões de 2016, há, somente os editais para contratar empresas que irão elaborar os estudos de concessão, para depois irem para o TCU. FERROVIAS: De 6 projetos, há somente estudos de viabilidade (técnica, econômica e ambiental) para três, um com estudo em desenvolvimento e dois em analise pelo TCU. AEROPORTOS: Até o final de 2016 deveriam ser realizados leilões para quatro aeroportos. Todos estão com seus estudos de viabilidade aguardando análise do TCU. PORTOS: Os leilões das seis áreas previstas foram adiados de 31 de março para junho e, posteriormente, suspensos e sem previsões.

(6) O “World Competitiveness Yearbook”, que divulga o IMD (Índice de Competitividade Mundial, ranking elaborado pelo International Institute for Management Development, em parceria com a Fundação Dom Cabral-FDC), o Brasil, entre 61 países avaliados em 2015, está na 56ª posição, sendo que em 2009 ocupava a 40ª. Segundo o coordenador do núcleo de inovação e empreendedorismo da FDC, a perda de posições brasileira levou-nos a ficar no “extremo inferior do ranking, à frente apenas da Mongólia, Croácia, Argentina, Ucrânia e Venezuela”. Problema maior, ainda, é quanto à eficiência do governo: o Brasil está na penúltima posição. Outros itens que colaboraram para queda da competitividade foram a baixa confiança nas instituições brasileiras, o desequilíbrio nas contas públicas e a baixa capacidade da inovação e baixa qualidade da educação.

Em 2014, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, e divulgado pelo Valor Econômico, em 20/01/2016, o Brasil ocupa a 75ª posição entre 140 países em termos de infraestrutura. O Banco Mundial, na publicação do Índice de Desempenho Logístico (LPI) de 2014, classifica o Brasil na posição 65, dentre 160 países analisados. A avaliação da qualidade das rodovias brasileiras, feita pelo Fórum Econômico Mundial, coloca o Brasil, em 2014, na 121ª posição.

Apesar da baixa qualidade dos portos brasileiros (120ª posição entre 140 países avaliados pelo Fórum Econômico Mundial), e de acordo com a Agência CNT de Notícias (22/01/16), os portos brasileiros movimentaram 98,6% das exportações brasileiras em 2015. Destes, 95,9% foram por via marítima e 2,7% por via fluvial. Foram mais de 628 milhões dos 637,6 milhões comercializados para o exterior em todo o ano passado, conforme a SEP (Secretaria Especial de Portos), com base em dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio).

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