Em artigo anterior (Infraestrutura logística brasileira: desafio e solução), publicado aqui mesmo, ao mesmo tempo em que comentava a necessidade de investimentos para a expansão e a melhoria da infraestrutura logística, e com a triste constatação de que eles estavam muito aquém de nossas reais necessidades, eu também sinalizava que uma das principais causas para que isso estivesse acontecendo, era a lamentável realidade da economia brasileira. Recessão econômica intensa, déficit orçamentário acima das expectativas e a instabilidade política, foram alguns dos motivos citados.
Porém, se por um lado o crescimento da economia exige mais investimentos em infraestrutura, esta, por sua vez, exige volumes de financiamento cada vez maiores (1). E este é um dos cruciais obstáculos, posto que, diante das dificuldades que o governo brasileiro tem para equilibrar suas contas públicas, torna-se mais necessário que se incrementem as PPP’s e a Concessões de Serviços, como forma de se contar, de forma eficiente e rápida, com os recursos privados. Mesmo em condições normais, o orçamento público brasileiro não tem condições, sozinho, de investir o montante exigido pela logística brasileira.
E parece evidente que o capital privado tem condições de suprir a falta de recursos governamentais, mas desde que os projetos correspondentes sejam bem elaborados, viáveis, sob os pontos de vista técnico e econômico, e permitam a obtenção de retornos satisfatórios.
Consequentemente, ambientes políticos, econômicos, regulatórios e de negócios que permitam estabilidade, visibilidade e transparência são fundamentais para alavancar investimentos e aumentar a participação do setor privado, inclusive e notadamente, em projetos de longo prazo. Infelizmente não foi o que ocorreu nos últimos 10 anos (2).
Quando se trata de investimentos privados, além dos problemas macroeconômicos comentados, existem outros mais específicos, mas também importantes e que poderiam ser tratados de forma mais eficiente e rápida. São os casos das Concessões Públicas e as Parcerias Público Privadas (PPPs), consideradas como uma das grandes fontes de financiamento para esse tipo de investimento.
E, como disse Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), em entrevista concedida para a jornalista Kamila Donato (Guia Marítimo News de 02/03/16), “o governo deve fomentar a concorrência e fazer o que interessa para o País. Tem muito investidor querendo investir, mas eles querem também segurança jurídica e previsibilidade” (grifos meus).
Infelizmente, como demonstrado pela reportagem de Alexa Salomão (Estadão de 17/01/16) as dificuldades para que se realizem os investimentos previstos ainda são muito grandes. O quadro a seguir, montado pela própria jornalista e elaborado com base nas opiniões e avaliações de diversos especialistas e consultores ligados ao setor, concluiu que apenas 18% das concessões, dentre os R$ 69,4 bilhões previstos, tem reais condições de serem realizadas (possibilidade A no quadro citado). A classificação de possibilidades foi feita com base na atratividade que cada projeto pode oferecer aos eventuais investidores. A = Dado como Certo; B = Dúvidas sobre Viabilidade e C = Risco de Não Sair do Papel.
Algumas indefinições quanto a questões financeiras (falta de recursos para o BNDES, por exemplo) tem contribuído para aumentar as incertezas, notadamente no caso das ferrovias, pois por necessitarem investimentos vultosos, apresentam maiores riscos. É óbvio que dúvidas relativas ao planejamento, aos contratos em vigência (para as ferrovias, principalmente) e à regulação dos novos processos licitatórios, principalmente no que diz respeito à forma de como serão estabelecidas as tarifas das novas e possíveis concessões, também ajudam para que muitos empresários adotem a cautela no momento de decidirem sobre seus investimentos.
Como é do domínio de todos aqueles que lidam com as concessões de serviços públicos, a falta de marcos regulatórios e de regras claras e bem definidas e a falta de transparência, são alguns dos principais obstáculos para que seja estabelecido um clima de confiança e segurança, necessárias para a realização, com maior rapidez, de projetos que contemplem de forma contínua, a participação do setor privado, seja na forma de concessões dos serviços públicos ou das parcerias público privadas (3).
Outro problema está no fato de que não há uma correta e competente coordenação dessas atividades que se encontram distribuídas entre diversos órgãos, agências e instituições, governamentais e/ou privadas, que participam do esforço que se realiza para a consecução eficaz dos investimentos em infraestrutura logística. A coordenação de esforços, públicos e privados, é que permitirá o correto direcionamento dos investimentos necessários, bem como melhor aproveitamento dos recursos e dos ativos existentes.
Como já comentado, inclusive em artigo aqui neste espaço, essa falta de liderança e de competência gerencial têm prejudicado o desenvolvimento integrado dessas atividades e dos investimentos correspondentes. “Por mais que a iniciativa privada se mostre interessada em investir em infraestrutura, é preciso que a autoridade pública lidere o esforço de conjugar todos os planos, de modo que o mercado possa aproveitar as vantagens de uma logística mais eficiente e de cada modal. Do contrário, os investimentos, que já estão com décadas de atraso, continuarão destinados apenas a iniciativas isoladas, em modais sem conexão entre si e sem contribuição efetiva na dimininuição do Custo Brasil”, foi meu comentário em artigo no último dia 16 (“Necessidade de priorizar investimentos, novo Governo poderá criar reais oportunidades para a infraestrutura logística”).
No Fórum Estadão de Infraestrutura, realizado em São Paulo no dia 02/03/2016, o economista Gesner de Oliviera, economista e estudioso do assunto, comentou que a sustentação da infraestrutura está baseada no tripé Regulação, Planejamento e Gestão. E faz outra observação, óbvia para muitos, mas que infelizmente ainda não é uma realidade em nosso País. Ele defende que se estabeleça uma “nova cultura de parcerias e concessões”. Segundo ele, além das exigências de novos recursos e obtenção de garantias mais adequadas, é necessário que se desburocratizem os processos que tenham como objetivo, gerar mais investimentos para a infraestrutura. E complementa dizendo aquilo que deveria ser característica própria e inerente a qualquer novo empreendimento: bons projetos, menor custo de transação, maior transparência, reforço ao amparo legal, mecanismos para aumento de capital e segurança para a continuidade dos serviços.
Em artigo publicado no último dia 7, aqui mesmo no Guia do TRC (“Brasil precisa de um plano de infraestrutura que explore suas potencialidades”), Carlo Lovatelli, presidente da ABIOVE (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) e vice-presidente da Fundação Bunge, de forma pertinente e oportuna fez observações importantes e que vale à pena repetir: “Deste modo, cada ator é essencial para contribuir com melhorias e inovação nesse setor, mas essas mudanças devem ser encabeçadas pelo governo, que precisa ter definidos planos com fixação de prioridades e metas, determinando as obras necessárias com a melhor relação custo benefício para o País (grifos meus). As metas devem ser acompanhadas de avaliação transparente, periódica e profunda do seu andamento, e o diálogo com os diversos setores da economia deve ser aberto, construtivo, de forma que permita correção de rumos”. E continua: “A iniciativa privada, por outro lado, deve ser estimulada a atuar em parceria com o setor público para a elaboração e execução de projetos de boa qualidade, com menor custo para a sociedade e ao menor tempo possíveis. Sempre considerando o que cada setor tem para contribuir com dados, expectativas e planos de investimentos no País”. E conclui: “Do mesmo modo, o setor acadêmico tem muito a contribuir, por meio de pesquisa e inovação, atuando como parceiro do governo e da iniciativa privada. A demanda por criar um intercâmbio entre as intuições de pesquisa e a sociedade é urgente e o Brasil não tem tempo a perder”.
Considerando todo o exposto e que a Governança (4) é uma característica essencial da moderna administração pública ou privada, entendo ser fundamental:
- Fortalecer as agências reguladoras (5) que, além de retomarem suas autonomias e priorizarem a competência técnica, precisarão se livrar das influências e nomeações políticas.
- Restabelecer a capacidade de planejamento integrado como forma de evitar a sobreposição de funções institucionais e os conflitos de gestão;
- Traçar políticas para a logística brasileira que contemplem a multimodalidade e a articulação das diversas cadeias produtivas;
- Institucionalizar, utilizando até mesmo o PNLT (Plano Nacional de Logística e Transporte), processos contínuos de planejamento, como forma de se manter essas políticas integradas;
- Transformar a EPL (Empresa de Planejamento Logístico) em empresa que, de fato, tenha condições para organizar, estruturar e qualificar o planejamento integrado da infraestrutura e da logística no Brasil;
- Estabelecer regras claras (marcos legais e regulatórios com bastante transparência) para atrair a iniciativa privada para projetos de infraestrutura logística. Introduzir, inclusive, o “Compliance” como instrumento inegociável para que se combata e corrupção com mais eficiência;
- Priorizar os projetos mais viáveis e compatíveis com as políticas maiores (econômicas e de investimentos em infraestrutura logística);
- Assegurar que os projetos implantados maximizem a utilização dos ativos instalados, bem como aqueles já existentes.
Vale a pena relembrar frase do professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, dita em 09/01/2015: “Apesar de nossos atrasos e da grande necessidade de melhorias de processos de gestão, já temos, sim, um importante histórico de grandes obras de infraestrutura, e que foram realizadas por companhias nacionais e internacionais extremamente competentes, por meio de milhares de profissionais dedicados e comprometidos com o país”.
Embora a vontade política para se enfrentar esses obstáculos seja o primeiro passo (6), é evidente que a realização desses investimentos, com significativa participação do setor privado, terá que suplantar outros obstáculos de ordem política, quando não ideológicos. Cada projeto é um projeto e, portanto, demandará tempo para o seu entendimento, compreensão e viabilização, mas é necessário que haja avanços. De fato, uma boa e necessária agenda para qualquer governo de plantão.
(1) Em artigo intitulado “Investir é Crescer”, publicado pelo Valor Econômico no último dia 7, o professor Delfim Neto alerta: “É claro que o investimento público pode (e em alguns casos, talvez deva) ser financiado pelo endividamento do Estado, mas deve-se privilegiar os projetos de infraestrutura cujas taxas de retorno social são superiores às privadas, tudo com transparência e custos no orçamento”.
(2) “Burocracia, má gestão, corrupção, vários são os motivos que impedem o investimento público de deslanchar, a despeito da forte alta registrada na arrecadação pública”. “A desconstrução do aparato regulatório instituído até 2002 encurtou os horizontes e elevou o risco. As agências reguladoras foram enfraquecidas e o tema da privatização foi politizado” (“Gargalos e soluções na infraestrutura de transportes”, livro organizado por Armando C. Pinheiro e Cláudio R. Frischtak, publicado pela Editora IBRE/FGV em 2014).
Ainda no último dia 6 o governo cancelou a licitação de cinco terminais de granéis sólidos que estava prevista para ser realizada no dia 10 de junho de 2016, pois os “empresários se mostraram interessados, mas apontam que momento não é o mais adequado para o leilão, devido a perdas no setor agrícola e ao quadro econômico ainda instável”. “Em nota, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil disse que neste período a modelagem dos editais poderá ser reavaliada com o objetivo de tornar a concessão mais atrativa e adequada à demanda” (Kamila Donato para o Guia Marítimo News de 07/06/2016).
(3) O professor Delfim Neto, em artigo já citado, resume em quatro os pontos relevantes dos quais dependem os investimentos, principalmente do setor privado: “1º) ambiente geral de negócios e do comportamento amigável da autoridade. Esta deve respeitar o fato de que o "espírito animal" do investidor o leve a escolher os projetos com maior taxa de retorno. As restrições legais ou ideológicas podem ser severas (ele as embute), mas devem ser estáveis; 2º) da diferença entre a taxa de juro real que poderia obter em aplicações alternativas; 3º) da facilidade de crédito com colaterais razoáveis; e 4º) da diferença que se espera entre o valor atual do investimento e o valor atual dos seus resultados no mercado”
(4) Em setembro de 2014 eu já comentava ser imprescindível a ‘governança pública’ para que se alcançasse real e concreta melhoria na gestão e no correto direcionamento dos esforços e dos recursos públicos destinados aos investimentos em infraestrutura logística no Brasil. Em 2014, em Brasília, o Painel 2014 (“Pacto pela Infraestrutura Nacional e Eficiência Logística”), realizado pelo Instituto Besc – Humanidades e Economia, já expressava essa preocupação, tendo escolhido como principal objetivo do seminário, discutir como o Brasil poderia realizar um esforço conjunto no sentido de colocar, em prática, por qualquer governo de plantão e sob quaisquer circunstâncias, os diversos planos e projetos existentes para desenvolvimento da infraestrutura logística brasileira. Os resultados daquele Painel constam no artigo “Infraestrutura e Multimodalidade: Exigências da Moderna Logística Brasileira”, publicado pela Revista Mundo Logística, em 2014.
(5) Cláudio Frischtak, em matéria de Renée Pereira (Estadão/Desafios do Brasil, de 05/06/2016): “Das medidas para recuperar a confiança, o fortalecimento das agências reguladoras é ponto central”. “Isso traria mais estabilidade para o mercado, reduziria o risco regulatório e o prêmio exigido pelos investidores”. O aumento da complexidade operacional das concessionárias também tem exigido que as agências reguladoras desenvolvam “um papel inovador na sua relevante missão de garantir adequados níveis de serviços a preços justos”, concluiu Geovani Fagundes, sócio da PwC Brasil em seminário em Brasília.
(6) O governo Temer nomeou o ministro Moreira Franco para comandar o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que terá, entre outras obrigações, tirar do papel, um conjunto de concessões públicas cujo valor está estimado em R$ 200 bilhões.
* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas, professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV e colunista do Portal Guia do TRC e de diversas publicações relacionadas ao desenvolvimento da logística e dos transportes.