Logística sustentável: transportar mais e poluir menos*

Publicado em
29 de Maio de 2016
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Apesar de sua dimensão continental, o Brasil, como se sabe, conta com uma matriz de transportes de cargas majoritariamente rodoviária. Pesquisas realizadas pelo Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS) comprovam isso: com base na TKU (tonelada transportada por quilometro útil) de 2014, as participações de cada modal de transporte ficaram assim: Rodoviário: 67%; Ferroviário: 18%; Aquaviário: 11%; Dutoviário: 3% e Aéreo: 0,04%.

E quando a análise é feita segundo os custos do transporte, a participação do modal rodoviário é ainda maior, alcançando 88,5% de todos os gastos realizados com o transporte de cargas. Os outros modais: Ferroviário = 4,3%; Aquaviário = 5,1%; Dutoviário = 1,5% e Aéreo = 0,6%. Do total dos gastos logísticos realizados em 2014 (R$ 649 bilhões ou 11,7% do PIB brasileiro), 58,2% são com transporte, sendo o rodoviário, o maior deles (R$ 334,5 bilhões). A seguir, segundo as pesquisas realizadas pelo ILOS, os valores gastos com logística no Brasil, durante o ano de 2014, em detalhes:

Modal                     R$ bilhões     % no total      % do PIB

 Transporte                       378 (¹)              58,2%               6,8%

 Estoques                         203                   31,3%              3,7%

 Armazenagem                   44                    6,8%               0,8%

 Administração                    24                    3,7%               0,4%

 Total                                 649                 100,0%            11,7%

Fonte: Pesquisa ILOS referente 2014.

(¹) Rodoviário = R$ 334,5 bilhões; Aquaviário = R$ 19,2 bilhões; Ferroviário = R$ 16,1 bilhões; Dutoviário = R$ 5,6 bilhões; Aéreo = R$ 2,2 bilhões.

Outra informação importante é que, quando comparado com os demais modais, o modal rodoviário é o que mais consome diesel (²), até porque tem os maiores volumes rodados e transportados. Considerando os demais custos - mão de obra, pedágio, seguro e gerenciamento de riscos -, além do diesel, o valor por tonelada transportada no modal rodoviário, por quilometro, também é maior (³).

(²) Dados do ILOS, divulgados no último Fórum de Logística, realizado em 2015 no Rio de Janeiro, do total de diesel consumido no Brasil (60 bilhões de litros) em 2014, 55,1% foram utilizados pelo transporte rodoviário de cargas. Mais de 33 bilhões de litros a um custo de R$ 83 bilhões. Em 2006 representava 56,4% do total.

(³) O Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), em suas pesquisas, mostra como andam esses gastos, utilizando o índice US$ / mil TKU (dólar gasto por mil toneladas transportadas por quilometro útil): Rodoviário = 126; Ferroviário = 23 e Aquaviário = 24. Como se vê, o custo do transporte rodoviário de cargas é mais de 5 vezes o custo dos transportes ferroviário ou aquaviário. O custo do transporte rodoviário de cargas é menor somente quando comparado com o transporte aéreo, que chega aos US$ 867 / mil TKU.

Infelizmente os demais modais de transporte ainda não contam com estruturas abrangentes, serviços regulares e/ou credibilidade suficientes para substituírem, mesmo que paulatinamente, o transporte rodoviário e alterar de forma significativa nossa matriz de transportes, embora esse seja um objetivo sempre presente nos diversos projetos e/ou planos sobre transporte apresentados ao longo dos anos.

Com isso, o Brasil se vê obrigado a ter que utilizar as rodovias como principal canal para escoar e distribuir a produção. Há que se fazer uma observação importante: felizmente o modal rodoviário de cargas, apesar de seus problemas (roubo de cargas em excesso, baixo percentual de rodovias asfaltadas, péssimas condições de tráfico naquelas já asfaltadas e etc), consegue operar com eficiência e cumprir o papel logístico a ele reservado (4).

(4) É preocupante, todavia, o movimento para reduzir a participação do modal rodoviário na matriz de transporte unicamente em busca de escala ou redução de impacto ambiental, sem uma análise de qual meio é o mais adequado para cada operação e, principalmente, sem a possibilidade de utilizar um modo mais lógico para cada trecho em uma mesma rota de distribuição. Por isso, faço minhas as palavras de Geraldo Viana, ex-presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística), quando escreveu, em 2007, o livro “O Mito do Rodoviarismo Brasileiro”: “O Brasil não terá nada a comemorar, enquanto a diretriz mais ambiciosa da sua política de transporte for, tão-somente, a mudança da nossa matriz de transporte de cargas para propiciar a redução da participação do modal rodoviário, em benefício das demais modalidades, unicamente em homenagem a um antirodoviarismo”.

Se fôssemos um país, excessivamente rodoviarista, como dizem muitos, não teríamos uma cobertura territorial de estradas rodoviárias 17 vezes menor que a do Japão. Enquanto o Brasil tem 185,7 km de vias para cada um mil km² de área, o Japão possui 3.176 km de estradas para esse mesmo espaço. O Brasil é um País rodoviarista, mas não “excessivamente”.

Portanto, não é apenas por uma questão de eficiência logística que 88,5% do custo total com transporte de cargas, no Brasil, são destinados ao modal rodoviário, e sim, muito mais por falta de oferta, como alternativas mais consistentes, concretas e duradouras, nos outros modais de deslocamento.

Por outro lado, segundo relatório do Ministério do Meio Ambiente (MMA), divulgado em maio de 2014 (Painel Nacional de Indicadores Ambientais do ano de 2012 – PNIA/2012), a emissão de Gases de Efeito Estufa – GEE (5) vem diminuindo desde 1995 (em tCO2eq: 2,615 bilhões em 1995, 2,084 em 2000, 2,032 em 2005 e 1,246 em 2010). Essa queda substancial, segundo o MMA, deveu-se principalmente à grande diminuição dos desmates na Amazônia, fazendo com que o GEE proveniente das mudanças no uso da terra e das florestas, tivesse uma queda de 85% nesse período, ou seja, de 1,875 bilhão tCO2eq em 1995 para 0,274 bilhão de tCO2eq em 2010.  Entretanto, os demais setores (energia, processos industriais, tratamento de resíduos e agropecuária) têm aumentado suas emissões de GEE. Dentre estes, a emissão proveniente da geração de energia foi a que mais cresceu no período analisado: de 0,24 bilhão de tCO2eq em 1995, chegou a 0,399 bilhão de tCO2eq em 2010, isto é, um crescimento de 66,3%! E é neste setor (Energia) que estão inseridas as operações de transporte.

Infelizmente, ainda segundo os estudos feitos pelo MMA, o setor de energia emitirá, em 2020, 0,98 bilhão de tCO2eq, o que quer dizer que, neste item, entre 1995 e 2020, o acréscimo ficará acima dos 308%!   

(5) Os GEE’s são emitidos como resultado da realização das diversas atividades econômicas e de todos os setores produtivos (energia, processos industriais, tratamento de resíduos, agropecuária e mudanças no uso da terra e das florestas). Gases que compõem esse universo: dióxido de carbono (CO2), gás metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e outros. O padrão de medição é a tCO2eq: tonelada de CO2 equivalente.

Ainda, segundo as análises feitas pelo MMA, através do Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários (Base 2012), o setor de transportes teve aumentadas em 78,5% as emissões veiculares, entre 1992 e 2002 e, mais 100,3% entre 2002 e 2012. Em 20 anos o crescimento foi de 257,5%, fazendo com que o setor de transportes, já em 2009 representasse 56% da geração de GEE, no item Energia. Em 2020 deverá chegar a 62%!

Em outra pesquisa, agora somente sobre emissões de CO2 (dióxido de carbono) por categoria de veículos, o MMA mostra que os caminhões e os comerciais leves a diesel (equipamentos quase que exclusivamente utilizados no transporte de cargas) foram responsáveis, em 2009, por 39% das emissões no Brasil. Importante notar, como indicam as projeções do MMA e de outros organismos que analisam o tema, é que, ao invés de diminuir, essa participação aumentará, em 2020, para 41% do total.

Esse cenário, matriz de transporte eminentemente rodoviária e aumento substancial na geração de GEE pelo transporte rodoviário de cargas, faz com que o Brasil tenha que conviver com índices de poluição ao meio ambiente bastante significativos e custos logísticos muito altos, quando comparados com a média mundial. Como essa realidade não poderá ser mudada no curto prazo, passa a ser imprescindível a busca de outras soluções que reduzam os impactos ambientais oriundos do transporte rodoviário, notadamente o de cargas.

Porém, de nada adianta ter consciência de que o transporte rodoviário, por onde passa a maioria das cargas no Brasil, responde por quase a totalidade das emissões de gases de efeito estufa, quando comparado com os demais modais de transporte, se não houver a compreensão correta do que vem ocorrendo em nosso País, pois isso é apenas a consequência de problemas antigos e já conhecidos. Tentar equilibrar a matriz de transporte, sem um planejamento multimodal, por exemplo, não é uma solução, pois é do conhecimento de todos que a infraestrutura de transportes deve ser tratada de forma integrada, sistêmica e como prioridade de qualquer governo. Portanto, o transporte multimodal, além de ser necessário para a redução dos custos do transporte de cargas no Brasil, e consequente aumento da competitividade do produto brasileiro, também é o caminho mais curto para a diminuição das emissões de CO2.

Há que se considerar, também, que o tema “proteção ao meio ambiente” é algo recente e que ainda não está devidamente enraizado na cultura de grande parte das empresas que operam e/ou se utilizam das operações logísticas, mais notadamente, do transporte rodoviário. Além do que esse é um setor que sofre um nível de competição muito grande e, às vezes, até predatório, fazendo com que não seja prioritária a inclusão, em suas atividades, de técnicas mais modernas de combate, controle e diminuição dos níveis de poluição.

Porém, é fundamental que essas empresas desenvolvam projetos específicos para minimizar os impactos negativos que suas operações causam ao meio ambiente. Os prestadores de serviços logísticos, um dos principais atores na integração da cadeia de suprimentos, precisam estar alinhados a essa busca e trabalhar fortemente para que sejam diminuídos os índices de poluição ambiental provenientes do transporte.

Para que esses grandes desafios sejam superados, algumas providências precisam ser urgentemente tomadas. Permito-me, aqui, citar o que considero como pilares de sustentação de uma política eficaz na diminuição da emissão de GEE:

(a) Adequar as políticas das empresas às políticas ambientais já existentes, quando possível adiantar-se a elas e atender as exigências dos seus clientes nesse “mister”;

(b) Aumentar os níveis de eficiência em todos os processos operacionais, melhorar a produtividade dos equipamentos operados direta ou indiretamente nas atividades de transporte (6) e instituir índices de medição correspondentes às emissões de GEE, inclusive com a realização de inventários e respectivas auditorias independentes (só se melhora o que se mede);

(c) Desenvolver novas práticas e procedimentos operacionais (7) que tenham como principal objetivo a diminuição dos níveis de poluição em quaisquer atividades da empresa;

(d) Estimular (8) todos os seus fornecedores, notadamente os prestadores de serviços de transporte, a: (i) observar corretamente a política ambiental estabelecida, respeitando as normas e os procedimentos instituídos; (ii) adotar as melhores práticas operacionais que, entre outras exigências, devem contemplar aumento de produtividade e maior eficiência energética.

(6) Alguns projetos são fundamentais: 1) “softwares” de roteirização, visando criar viagens com distâncias menores e que consumam menos combustíveis ou que aproveitem melhor a capacidade dos equipamentos de transporte; 2) equipamentos que transportem maiores volumes; 3) redução da idade média da frota e utilização de equipamentos de transporte que consumam e poluam menos; 4) vistorias veiculares periódicas como forma de se impedir a circulação de veículos fora dos padrões aceitáveis de emissão de CO2.

(7) Certificações ISO, notadamente a 14.001, também são instrumentos importantes e que proporcionam o desenvolvimento de um plano de ação consistente e abrangente, pois o monitoramento e o controle da execução dos planos e projetos implementados são necessários.

(8) Programas de treinamento e sensibilização junto às empresas subcontratadas e aos motoristas, da frota própria ou de terceiros, são fundamentais. Reuniões de “sensibilização”, estímulo e incentivo para que todos os motoristas participem ativamente do programa de sustentabilidade, com reconhecimento, através de premiações, os melhores fornecedores da empresa, tendo a sustentabilidade como item fundamental de medição, são complementos imprescindíveis. Uma das mensagens que mais causam impactos positivos é a indicação clara de que, as medidas de combate à poluição estão, diretamente, vinculadas à diminuição de custos. É preciso evidenciar que o melhor aproveitamento dos equipamentos de transporte, também diminui custos operacionais, posto que um dos grandes objetivos é aumentar a produtividade dos equipamentos de transporte (rodar mais, transportar mais e consumir menos).

Evidente que a realização de programas desse tipo exigirá um gerenciamento eficiente e, de preferência, ligado diretamente à alta direção da empresa, pois como se trata de programa fundamental e, por que não, prioritário, será preciso que todos, funcionários, fornecedores, clientes e demais colaboradores, entendam o “sinal”.

Com planos de ação semelhantes (9) – e outros ainda mais inovadores – temos certeza que é possível transportar mais e poluir menos e, desta forma, contribuir para a realização da Sustentabilidade no seu conceito mais amplo e conforme explicitado no Relatório Brundtland (10): “Sustentabilidade é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades”.

(9) Creio ser oportuno comentar que ações desse tipo não são propostas teóricas. Muito pelo contrário. Propostas desse tipo são praticadas em muitas empresas de transporte de cargas ou operadores logísticos. Entre elas posso citar a Veloce Logística S.A., que uma vez implantado o seu “Sistema de Gerenciamento da Sustentabilidade”, conseguiu, em apenas quatro anos, diminuir em 12,6% suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), quando comparado com o volume transportado que, nesse período, aumentou em mais de 40%. Esse ‘case’ de sucesso, além de receber alguns prêmios (Transporte Responsável 2013, promovido por Transporte Mundial e Scania e Destaque do Jornal do Meio Ambiente do Estado de São Paulo), também teve sua apresentação publicada na Revista Brasileira de Management/Case Studies da FGV (“O desafio de transportar mais poluindo menos” – set/out de 2014).

(10) Relatório elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.

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