Como já comentado por diversas vezes, há pelo menos três grandes problemas a ser resolvidos no Brasil, para que a logística tenha, de fato, um desempenho satisfatório. E, volto a insistir, precisam ser resolvidos de forma definitiva e profissional, e não com propostas provisórias e amadoras. Os principais desafios em nossa avaliação são: Infraestrutura, Capacitação e Cultura Logística.
Sobre Infraestrutura, muito se tem falado e parece claro que ainda estamos longe de se alcançar um nível satisfatório e que permita realizar serviços logísticos com a eficiência e os baixos custos desejados. Vamos nos dedicar, aqui, a discutir o item Capacitação, deixando o tema Cultura Logística para outro artigo.
É entendimento comum aceitar que a melhoria da qualidade da produção (processo e produto) e o aumento do nível de competitividade empresarial ou nacional somente poderão ser obtidos através do domínio de novas tecnologias, da inovação e do aumento da produtividade.
Mas é sabido também que essas características, fundamentais para o desenvolvimento econômico/social de qualquer país ou empresa, só serão obtidas a partir da capacitação das pessoas. Impossível para um país ou uma empresa melhorar seu desempenho com equipes mal preparadas ou sem condições de gerar novos conhecimentos ou absorver aqueles que se colocam à disposição de todos, frutos da evolução da humanidade.
E imprescindível reconhecer que pessoas capacitadas somente existirão na medida em que investimentos em educação e pesquisa e desenvolvimento (P&D) forem feitos de forma compatível.
Portanto, investir em P&D e na melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis passa a ser prioridade de um país ou de uma empresa, pois a baixa qualidade do ensino é diretamente proporcional às baixas qualificação e capacitação do trabalhador.
São fartos os estudos que indicam que melhorias na educação têm impactos diretos na produtividade e no crescimento dos países. E que investir em P&D, além de necessário ao desenvolvimento, também é importante para a soberania de países ou empresas.
Entretanto, são fartos, também e infelizmente, os estudos e estatísticas que demonstram a baixa qualidade de nossos adolescentes, estudantes e profissionais, inclusive quando avaliados por testes internacionais. Fiquemos apenas com os exemplos mais conhecidos:
a)A taxa de alfabetização (adultos acima dos 15 anos) alcançada pelo Brasil em 2011, foi de 90,0%, alcançando a 84ª posição dentre os 187 países listados. Em 2007, com taxa de 90,3%, o Brasil ocupava a 95ª posição em 177 países pesquisados. Mais recentemente, em 2012, o The World Factbook, publicação anual da CIA (Central Intelligence Agency, dos Estados Unidos), mostra o Brasil na 134ª posição, num levantamento feito entre 217 nações de todo o mundo, com taxa de 91,3% de alfabetização. Esta última pesquisa coincide com os dados do PNAD/IBGE de 2013, que mostra 8,3% no índice de analfabetismo;
b)Dos 55 países do ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA de 2012), realizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), o Brasil ficou no lugar de número 52! Em 2009 a posição era a 53ª;
c)Os exames do ENEM, conforme demonstram os quadros 1 e 1A, tiveram piora de resultados se comparamos 2014 com 2013, pois a média geral caiu em 1,1%. Em Matemática a queda foi de 7,3% e em Redação, 9,7%. Além do que, há que se considerar que 8,5% dos participantes obtiveram nota ZERO na Redação, enquanto 55,7% dos 6.193.565 participantes, estaria teoricamente reprovados, posto que apenas alcançaram a nota 500, num total máximo de 1.000.
QUADRO 1 e 1A
d)A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que avalia “recém-saídos” das faculdades, tem índice de reprovação acima dos 80%, se analisamos a média dos últimos onze exames (2011 a 2015). O quadro 2 detalha essas informações;
QUADRO 2
e)O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), em exames de avaliação, reprova quase 55% de seus profissionais (quadro 3) e com três informações preocupantes: (i) “O Exame do Cremesp de 2012 demonstra que há deficiências na formação dos estudantes em campos essenciais do conhecimento médico”; (ii) “Erros em questões de conhecimentos básicos em Medicina mostram graves deficiências na formação acadêmica de algumas escolas médias”, disse o ex-presidente do Conselho, Dr. Renato Azevedo Jr.; (iii) “Essa resultado (2014) demonstra a má qualidade do ensino médico no País”, comenta o atual presente do Cremesp, Dr. Bráulio Luna Filho. E emenda: “além de representar um risco para os pacientes assistidos”.
QUADRO 3
Quando comparamos os índices brasileiros de investimento em P&D com os de outros países do mundo, também não temos informações muito positivas e demonstramos que ainda temos muito a fazer.
A discutível qualidade do ensino brasileiro, em todos os níveis, e os baixos investimentos em P&D têm permitido uma capacitação (qualificação) extremamente baixa de nossos profissionais, tornando cada vez mais difícil obter-se benefícios oriundos da “inovação” e do desenvolvimento tecnológico, a não ser pela via da importação.
QUADRO 4
Como demonstrado no quadro 4, o Brasil tem aumentado demasiadamente suas importações de produtos industriais de alta e média/alta tecnologia e exportado muito menos. Entre 2000 e 2013, enquanto as importações aumentaram cerca de 300%, as exportações aumentaram somente 153%, aumentando o déficit em mais de 480%, elevando-o a R$ 92,6 bilhões de dólares em 2013. “Sempre tivemos a tendência no país, de importação de produtos de alta e média-alta tecnologia”, diz a economista Lia Valls da Fundação Getúlio Vargas.
No XXVI Fórum Nacional, trabalho apresentado por Claudio R. Frischtak e Katharina Davies em Maio de 2014 (Inter B Consultoria - “Brasil: Decifrando o Paradoxo da Inovação”), concluiu que “o esforço dos países para se aproximar da fronteira da inovação se reflete no plano da competitividade e do comércio de produtos de alta tecnologia. A trajetória recente do comércio internacional do Brasil é nesse sentido preocupante: enquanto as exportações de produtos de alta tecnologia ficaram praticamente estagnadas, com uma tendência descendente, as importações dessa categoria vêm apresentando uma clara tendência de elevação pós 2009”. E sintetiza: “o país está atrasado”.
E as expectativas para o futuro não são melhores, pois a “geração nem nem” (nem estuda nem trabalha), a continuar ‘progredindo’, não deverá facilitar o desenvolvimento econômico que se necessita ou se deseja. Reconheça-se, inclusive, que investir em P&D, sem a contra partida do aumento da competência das pessoas, não produz os frutos que se imagina.
Produzir mais e com mais qualidade, como formas de se aumentar nossa competitividade, tanto nos produtos de exportação (o Brasil tem perdido muito com a baixa competitividade na produção e na exportação de produtos manufaturados nos últimos anos) quanto aqueles voltados ao mercado interno, dependem, óbvia e claramente, de tecnologias modernas e muita inovação. Seja nos processos produtivos ou na obtenção do produto final ou serviço. Isso só se consegue com mão de obra capaz.
Vejamos a avaliação de Cledorvino Belini, presidente da Fiat do Brasil e ex-presidente da Anfavea: “Os países mais preparados no setor educacional são também aqueles que mais rapidamente conseguem ter domínio sobre as novas tecnologias e imprimir inovação e ganho de produtividade em um curto espaço de tempo. Além do que, países que formam cidadãos com forte capacidade de raciocínio e síntese estão mais preparados para competir no mercado mundial”.
Ou como diz o professor José Carlos Teixeira Moreira, da EAESP/FGV e do Instituto de Marketing Industrial: “Fazer bem o que precisa ser feito é uma competência essencial nos dias de hoje e ganha dimensão estratégica”.
Portanto, propostas do setor privado ou do governo (exemplos: Inovar Auto e Inova Aerodefesa) são sempre bem-vindas, desde que realizadas com eficácia. Escolas ou faculdades especializadas em logística, investimentos maciços em treinamento, programas com estagiários e jovens aprendizes, estímulos e benefícios ligados diretamente ao desenvolvimento profissional e outros, são iniciativas que poderão, no médio prazo, amenizar os impactos negativos gerados pela má formação de nossos estudantes e aumentar a capacitação de nossos profissionais no campo logístico e, de resto, em todos os demais segmentos da economia. Aliás, não é à toa que, segundo alguns indicadores, os novos investimentos privados estão sendo focados, principalmente, nos processos de seleção, recrutamento e retenção de talentos – notadamente naqueles com mentalidade empreendedora - e no aumento de produtividade de suas empresas.
Carlos Vitor Strougo, diretor de Relacionamento Institucional da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) aponta: “Os gestores precisam ter alto nível intelectual, cultural e analítico – do pensamento à economia. Quem entende como o mundo funciona consegue compreender as expectativas de inter-relacionamento”.
Em seu livro “Talento - A Verdadeira Riqueza das Nações”, Alfredo Assumpção reconhece esse tipo de executivo e o trata como Agente de Mudanças. Profissional que saberá ajustar os caminhos da empresa às demandas de mercado, melhorando a produtividade e a lucratividade empresarial.
É preciso, portanto, que nossos trabalhadores se tornem cada vez mais profissionais, mais capacitados e antenados¹, com foco em resultados, mas que também saibam realizar². Fazer o que é necessário ser feito! Talvez aí estejam os principais objetivos de amplos programas educacionais e de treinamento. Enfatizar o desenvolvimento nas escolas básicas e na formação de professores que entendam o mundo novo, as novas tecnologias e as novas demandas dos alunos e das empresas, parece ser um caminho.
¹ Que estejam atentos a tudo o que acontece ao seu redor e não somente no seu segmento econômico, pois há diversos agentes que, direta ou indiretamente, nos forçam a adotar providências para atendê-los: sociedade, cliente, fornecedor, empregado, acionista, governo e natureza (meio ambiente) são alguns exemplos. Qualquer um desses agentes (verdadeiros patrões) que seja contrariado, criará sérios obstáculos ao correto funcionamento da sociedade e da economia. Produzir e poluir? Nem pensar. Produzir e sonegar? Também não. Produzir e desrespeitar as leis? É claro que não. É preciso atender, ao mesmo tempo, os diversos “patrões das empresas”. O artigo publicado na revista Mundo Logística, em Março/Abril de 2013 (“Tendências dos Operadores Logísticos”), trata dessa importante tarefa atribuída ao profissional moderno, que é atender um “publico cada vez maior e cada vez mais exigente”.
² “Fazer não é algo menor quando se compara com Planejar. Atualmente, os profissionais mais pretendidos são aqueles que planejam e sabem fazer. Infelizmente na cultura brasileira, fazer (por a mão na massa) não é, reconhecidamente , um grande valor” (Prof. José Carlos T. Moreira).
* PAULO ROBERTO GUEDES É PRESIDENTE DA VELOCE LOGÍSTICA