É comum o entendimento de que os gastos logísticos vêm aumentando em todo o mundo. Estatísticas confiáveis indicam que esses gastos, não só nominalmente, mas também como percentuais dos PIBs de diversos países (análises macroeconômicas) ou como percentuais das Receitas Líquidas das empresas (análises microeconômicas), vêm crescendo de forma contínua.
Em artigo publicado na Revista Mundo Logística, ainda em Julho/Agosto de 2013, fizemos ressalvas entre as palavras gastos e custos, pois era intenção, de forma particular, diferenciá-las. Foi escrito: “a premissa aqui, é apenas para indicar que apesar de todos os esforços das áreas de logística, na busca da diminuição dos custos logísticos, sempre possível e desejável, os gastos logísticos poderão estar aumentando em face de outros motivos, como, por exemplo, a decisão de se buscar insumos com preços mais em conta, só que, agora, em mercados mais distantes e/ou complexos. Ou porque, como estratégia, se quer alcançar novos mercados consumidores mais distantes. Consequentemente, torna-se imprescindível que se tenha em consideração, sempre, os chamados “custos totais”. É a única forma para se saber, corretamente, se alterações operacionais ou logísticas estão, de fato, sendo compensadas pelos impactos em seus custos ou se estão justificadas por decisões estratégicas. Além do que, considerando que ainda se discute quais são os serviços que compõem a logística, as contabilidades de muitas empresas podem estar, ainda agora, incluindo como gastos logísticos, gastos que anteriormente eram contabilizados em outras rubricas”.
Não nos cabe aqui discutir a qualidade das estatísticas utilizadas, naquele ou em outros artigos, pois sem dúvida os “números” são confiáveis e calculados por instituições sérias e que realizam, através de um corpo de profissionais competentes e de altíssima reputação, um trabalho de levantamento de dados extremamente importante e que reflete a realidade analisada.
O que nos leva a escrever este novo artigo, abordando o tema é o fato de que, no dia-a-dia, é comum encontrarmos empresários, executivos ou profissionais do setor, fazendo análises incorretas a partir de um conjunto de informações correto. Não conseguem, inclusive, entender que mesmo sem qualquer alteração no valor nominal de uma rubrica de custo sua participação percentual poderá ser alterada ao longo do tempo, simplesmente em face das alterações nominais das demais rubricas.
Imaginemos a Empresa X com uma estrutura contábil semelhante à que está descrita no Quadro 1 (Lucros & Perdas Hipotético – Situação Inicial).
Hipoteticamente, para produzir seus produtos e vendê-los, a Empresa X tem gastos logísticos equivalentes a 6% da Receita Líquida (R$ 6.000,00 com relação a R$ 100.000,00). Para isso, utiliza-se dos serviços de um Operador Logístico (OL) que é responsável pelo Frete e pela Armazenagem de seus produtos.
Porém, os gastos com Pessoal (R$ 12.600,00) e Outros Insumos, tais como embalagem, despachos aduaneiros e diversos (R$ 4.600,00) são realizados diretamente pela Empresa X. No exemplo, os gastos com Embalagem e Despachos são, respectivamente, de R$ 100,00 e R$ 500,00 e estão explicitados como gastos com Outros Insumos, e não como Gastos Logísticos.
Imaginemos agora que essa a Empresa X contrate o Operador Logístico para realizar, além dos serviços de Frete e Armazenagem, também os serviços de Embalagem e Despachos. Atividades que muitos operadores logísticos desenvolvem e cobram juntamente com os serviços de transporte. Esta nova situação está refletida no Quadro 2 (OL com Mais Serviços). Os serviços de Embalagem e Despachos, agora prestados pelo OL, estão incorporados no valor do Frete, que passou de R$ 4.500,00 para R$ 5.100,00.
Como pode ser visto no Quadro 2, ao terceirizar as atividades de Embalagem e de Despachos, não houve qualquer alteração nos resultados da Empresa X, posto que o OL conseguiu realizar esses serviços com os mesmos custos anteriores. Entretanto, analisando-se o novo L&P, os Gastos com Logística aumentaram para R$ 6.600,00 e passaram para 6,6% da Receita Líquida.
Portanto, a Empresa X, na Situação Inicial, computava como Gastos Logísticos apenas o equivalente a 6% de sua Receita Líquida, uma vez que diversos outros serviços (no nosso exemplo Embalagem e Despachos) estavam diluídos na estrutura da empresa e não eram contabilizados como tal. Agora, com a terceirização desses serviços pelo seu OL, os Gastos Logísticos aumentaram e alcançaram os 6,6% da Receita Líquida.
Nestes casos é imprescindível que a empresa, ao fazer análises desses gastos e realizar comparações com outros períodos, se informe corretamente para saber se não existem outros gastos logísticos diluídos em outras rubricas contábeis.
Imaginemos outra hipótese: a Empresa X, buscando economias no Custo das Mercadorias Vendidas, desenvolve novos fornecedores que conseguem produzir mercadorias com preços 10% menores do que os fornecedores anteriores. O novo CMV passará de R$ 60.000,00 para R$ 54.000,00. Porém, esses novos fornecedores têm suas fábricas em locais mais distantes exigindo, consequentemente, mais gastos com frete. Suponhamos aumento equivalente a 10%. O Frete, que na Situação Inicial era de R$ 4.500,00, passará a R$ 4.950,00.
Comparando-se o Quadro 3 (Empresa X com Novos Fornecedores) com o Quadro 1 (Situação Inicial), a Empresa X conseguiu melhorar o Lucro Bruto (de R$ 10.800,00 para R$ 16.350,00), elevando o percentual de 10,8% para 16,35% da Receita Líquida. Isto se deu graças à diminuição do custo das mercadorias vendidas (CMV), proveniente de desenvolvimento de novos fornecedores. Esses novos fornecedores, mesmo elevando os gastos com logística (de R$ 6.000,00 para R$ 6.450,00), proporcionaram à Empresa X um incremento no Lucro Bruto de R$ 5.550,00. Isto significa dizer que os Gastos com Logística – que agora representam 6,45% da Receita Líquida - foram aumentados não por ineficiência ou queda de produtividade da logística, mas, sim, por uma decisão estratégica (desenvolvimento de novo fornecedor) que gerou, ao final das contas, aumento do Lucro Bruto para a empresa.
Uma análise simplista, que não considera esses aspectos, pode nos levar a “criticar” o departamento de logística da Empresa X, através do entendimento incorreto pelo qual houve elevação dos custos logísticos. Na verdade houve aumento de gastos e não de custos. Neste tipo de caso, é preciso analisar o “custo total”. Em nosso exemplo, o Custo Operacional Total do Quadro 3 é menor do que o Custo Operacional Total do Quadro 1, saindo de R$ 83.200,00 para R$ 77.650,00. Foi o aumento do Gasto Logístico, especificamente do Gasto com Frete que propiciou a diminuição do Gasto Operacional Total.
Vejamos o que acontece quando os dois eventos ocorrem ao mesmo tempo: o operador logístico terceiriza atividades que eram realizadas internamente pela Empresa X e esta também se utiliza de novos fornecedores para diminuir seu CMV. O quadro 4 (Novos Fornecedores e OL com Mais Serviços), a seguir, ilustra a nova situação.
Os Gastos com Logística representam, agora, 6,9% da Receita Líquida da Empresa X. Comparando-se com a Situação Inicial (Quadro 1), o aumento dos Gastos com Logística foi de 15,75%, elevando sua participação de 6% para 6,9% da Receita Líquida.
A simples leitura desses dois percentuais, sem uma competente análise, nos leva a conclusões erradas. Todos nós sabemos que as variações de produtividade têm comportamento inversamente proporcional às variações de custos, ou seja, quando há aumento de produtividade, necessariamente haverá diminuição de custos. E vice-versa. Entender, sem análises mais detalhadas, como se vê muito comumente, que o aumento do percentual dos gastos logísticos com relação à receita líquida das empresas é sinal de queda de produtividade ou ineficiência na execução das operações logísticas pode ser um grave erro. Nas simulações aqui apresentadas, esse percentual somente aumentou por dois motivos distintos: terceirização de serviços que antes eram realizados internamente na empresa (Quadro 2) e diminuição do custo das mercadorias vendidas (Quadro 3). Portanto, foram benéficos para empresa, e não o contrário.
É significativo, portanto, que haja aumento substancial nos gastos com a logística, mas é importante analisar a origem desses aumentos, considerando a diferença entre gastos e custos logísticos. Os primeiros, como já comentado, “poderão aumentar independentemente das possíveis melhorias de produtividade das operações logísticas (quando sempre se espera diminuição dos custos logísticos), posto que as mercadorias poderão, por motivos estratégicos ou para compra de insumos mais baratos, percorrer distâncias cada vez maiores e por ambientes mais complexos, principalmente com a inclusão de novos mercados no comércio internacional”. Há empresas, infelizmente, que acreditam estar aumentando seus custos logísticos por conta de “ineficiência” da logística, quando, na verdade, estão aumentando seus gastos por vender ou comprar de localidades mais distantes. São empresas que, para comprovar “incorretamente” no que acreditam, se utilizam somente da equação R$ por km, como se as outras variáveis, tais como tempo, complexidade e estratégia de compra ou distribuição (alcançar mercados distantes), não tivessem qualquer importância na composição dos custos operacionais ou, no mínimo, não fizessem parte das decisões empresariais maiores. Com relação ao assunto R$ por Quilômetro, vale à pena ler artigo publicado aqui mesmo no Guia do TRC em Novembro de 2014.
As ponderações aqui feitas valem também para países, pois é óbvio que países como o Brasil, com dimensões continentais, deverão gastar mais com a logística de abastecimento e distribuição de produtos a seus habitantes do que países como o Japão. Mesmo num processo de melhoria de distribuição de rendas, no qual regiões mais distantes são incorporadas ao mercado consumidor, haverá muito mais gasto logístico do que anteriormente devido, pura e simplesmente, pelo fato de se ter que percorrer distâncias maiores. Essas observações nem sempre são considerados pelos analistas e profissionais do setor.
Portanto, afirmações de que os custos logísticos estão sempre aumentando (seja em relação à receita total das empresas ou dos PIBs nacionais), precisam ser avaliadas com cuidado e de forma ponderada, pois a simples comparação entre gastos logísticos entre um período e outro pode não significar quaisquer impactos nos custos logísticos (no sentido que aqui quero explicitar), mas sim, de alterações de gastos provenientes da introdução de novas, mais complexas e mais abrangentes operações.
* PAULO ROBERTO GUEDES É PRESIDENTE DA VELOCE LOGÍSTICA